Ouça este conteúdo
Imagine que maravilha seria ganhar R$ 1 cada vez que a gente ouvisse alguém falar em "crise de confiança nas instituições". Há quantos anos você ouve falar disso? Quantas situações diferentes e de variados níveis de gravidade essa expressão já descreveu? Ocorre que mentira não é. Diga uma única instituição que não nenhum abalo de imagem, poder ou credibilidade neste século.
Espere um segundo antes de dizer que todas foram abaladas. Há uma que permanece intacta, a mãe. Uma das frases preferidas de camisetas ao redor do mundo é "contra toda la autoridad, excepto mi mamá". A pessoa pode ser contestadora, irreverente, anarquista, punk ou manifesteira mas precisa ser bem lesada para enfrentar a mãe. Nem paquita de político chega nesse nível de falta de noção.
Se o mundo fosse governado pelas mães, já tinha acabado essa febre mundial de loucura na política, polarização violenta, Big Techs fazendo bullying com os mais fracos e depois bancando as sonsas. Já tinha todo mundo tomado um pito, lavado a boca com sabão, feito as pazes com o irmão e o amiguinho, comido sua salada, tomado banho direito, escovado os dentes, tomado vacina, feito lição de casa e estaria pronto para dormir e começar um novo dia feito gente. Infelizmente, Montesquieu criou essa coisa dos Três Poderes e esqueceu de colocar a mãe.
Não adianta chorar sobre o leite derramado, temos de seguir em frente. Essa coisa de Três Poderes veio na era moderna depois que deu errado a ideia de alguém decidir que "l'etat c'est moi" (o Estado sou eu) sem combinar direito com todas as outras pessoas. Os discordantes não calaram. Foram ouvidos às custas de muito sangue, suor, lágrimas, tragédias e vidas interrompidas. Em nome da civilização chegou-se à conclusão de que talvez não fosse tão ruim a ideia antiga de dividir poderes.
A ideia original de Montesquieu não eram Legislativo, Executivo e Judiciário, trata-se de algo mais antigo. No modelo dele, o Judiciário não era um Poder, existia o Legislativo e o Executivo dividido em dois, o poder que vinha do povo e o poder que vinha do direito civil. Essa tripartição que conhecemos hoje é proposta na Grécia Antiga, onde era possível controlar o fluxo de informação e havia muito espaço para manipular segredos. Nós acabamos com esse mundo.
Há décadas falamos da mídia como o Quarto Poder. Tratamos o caso durante muito tempo como uma espécie de analogia, já que seria o único dos Poderes que não emana do povo, de Deus nem de nenhum canto determinado, depende do caso. Além disso, não era um Poder estabelecido e institucionalizado, mas mudou a forma como as instituições exercem poder. O Anderson Godz, da coluna Advisors, provoca: já criamos outros Poderes a essa imagem e semelhança.
Aqui não se trata de concordar ou discordar apenas, mas de observar as mudanças do mundo e tentar fazer o melhor pelas próximas gerações. O universo digital foi visto inicialmente como apenas uma nova tecnologia. Muito rapidamente revelou-se uma revolução no universo da comunicação e na forma como nos relacionamos. Hoje, ele já é decisivo para mudar a forma como os Três Poderes são exercidos, a nossa confiança nas instituições e até mesmo determinar a atuação do Quarto Poder, a mídia.
"Se a imprensa e a mídia são o quarto poder (os anteriores são os tradicionais executivo, legislativo e judiciário), o poder digital, que tem nas redes sociais sua principal forma de representação, é o quinto poder. Ele não substitui o quarto poder, pois em um mundo tão complexo e de poder de comunicação distribuído, há uma sobrevida de fontes confiáveis. Assim, o quinto poder convive com os demais, mas o problema é que ele parece ser mais forte e indomável do que os outros. E mais: está entranhado em todos os outros.", diz Anderson Godz no artigo em que elenca 10 lições sobre o Quinto Poder.
Neste mesmo artigo, Anderson Godz traz algo embrionário sobre o que é o Sexto Poder: os grupos empoderados a partir das Big Techs, das redes sociais. O Sexto Poder são os Micropoderes, atuando para o bem ou para o mal, regidos pelos algoritmos do Quinto Poder e pelos vieses cognitivos e ideológicos do Quarto Poder. Em que confusão nos metemos? Na que coube ao nosso tempo e que, como em todas as eras anteriores, iremos resolver.
O que seriam esses Micropoderes tão poderosos a ponto de ser um Sexto Poder, algo capaz de desafiar as instituições e os Três Poderes? Esqueça milícias digitais e paquitas de político, vamos a um pessoal mais mão na massa. Você já ouviu falar do caso GameStop? Mesmo que você não entenda nada de games nem de bolsa de valores, este artigo delicioso vale a pena. Um pessoal se organizou no Reddit e bateu os tubarões de Wall Street para salvar a lojinha de games GameStop. Deu certo. É ou não é Poder?
Deveríamos criar regras para acabar com essa brincadeira toda. Também já pensei assim. Veja os esforços que estão sendo feitos no Brasil pelo Executivo, Legislativo e Judiciário para conter o exercício desses outros Poderes, a mídia, as Big Techs e os Micropoderes ou influenciadores. Está dando certo? Combinaram direitinho com todo mundo ou estão num clima "l'etat c'est moi"? Em geral, poder não se dá, se toma. Fora a mídia, que cedeu gentilmente poder às Big Techs, os demais espaços foram preenchidos com esforço e não parecem ter intenção de recuar.
Seres humanos não gostam de mudança nem quando é para melhor. É da nossa natureza. Sabe aquela coisa de que a gente sai da periferia mas a periferia não sai da gente? Exatamente isso. Ocorre que tudo ao nosso redor já mudou e não existe outra alternativa a não ser compreender as mudanças e aprender a aproveitar o melhor delas. Discuti isso ontem no podcast semanal da Go New com o Anderson Godz e o Francisco Milagres. Siga porque teremos novas edições às quartas.
O mundo mudou e temos um Novo Poder que ainda lutamos para entender. Ocorre que todo poder emana do povo e em nome dele será exercido, isso não muda. Pode sair dos eixos vez ou outra, mas é enquadrado pela sociedade civil e pelo poder econômico. Tenho estudado isso há anos e a vida me presenteou com o privilégio de debater isso com o Anderson Godz, o Francisco Milagres, o Salim Ismail e vários outros líderes de gabarito internacional. Minha família nem acredita.
Se você ainda não os conhece, apresento. Anderson Godz é, além de colunista da Gazeta do Povo, fundador e investidor de startups, boardmember, autor do livro Governança e Nova Economia (baixa que está de graça!). O Francisco Milagres, que nasceu abençoado pelo sobrenome, é fundador da Mirach Ventures e lidera projetos que realmente transformam negócios convergindo estratégia e tecnologia. Salim Ismail é uma estrela internacional do mundo corporativo, fundador da Singularity University e autor do best seller Organizações Exponenciais.
Só Deus explica como eu fui ter assunto para conversar com esse pessoal e, mais que isso, para fazer com eles o projeto Novo Poder, que começa dia 28 de setembro na Go New, voltado para executivos brasileiros com poder de decisão. Confesso que, quando o Anderson marcou a primeira conversa, achei que não tinha nem roupa para isso. Talvez você também sinta-se assim algumas vezes nesse tipo de debate. Mas há um fato: quanto mais a tecnologia avança, mais precisamos de quem entenda e goste de gente.
O Salim Ismail e o Francisco Milagres falam muito em como o aprendizado com pessoas e ideias diferentes pode nos trazer abundância. Parece algo otimista demais ou até ufanista, mas eles são homens de negócios experimentados. Meu tio preferido, falecido no século passado, costumava repetir para mim à exaustão que "a beleza da vida é a convivência com os diferentes". Eu odiava ouvir isso, mesmo sabendo que ele estava certo. Um mundo como eu planejava, sem reparos, seria um desastre.
Entendemos como funcionam os Três Poderes e já desenvolvemos uma relação de amor e ódio com eles. O mesmo aconteceu com o Quarto Poder. Estão aí o Quinto e o Sexto e, gostemos ou não, são uma realidade. Por enquanto, vemos com nitidez o que nos incomoda, as mudanças de que não gostamos, o que gostaríamos que continuasse como sempre foi. Nosso desafio é abrir o olhar para as novas possibilidades que nos traz o mundo que criamos.