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O Brasil tem uma tendência de glamurizar vagabundo que, durante muito tempo, foi creditada a um segmento mais progressista sobretudo das artes televisivas e cinematográficas. Não se trata apenas daquele discurso de injustiças sociais ou de coitadismo, mas de uma comparação simples entre o número de obras homenageando bandidos e o número de obras homenageando quem faz algo que preste.
Geralmente esses meios, lenientes com pequenos traficantes e políticos corruptos, eram dados a debochar de conservadores e cristãos, rígidos e exigentes com o comportamento das pessoas, a forma de tratar os demais, o vocabulário, o respeito. São meios em que cafajeste jamais havia sido levado a sério, no máximo havia sido levado à luz do Senhor Jesus e abandonado os hábitos que faziam parte do chiqueiro moral em que vivia.
Por algumas daquelas mágicas que acontecem aqui no Brasil, a aceitação do cafajeste no convívio social passou a ser democrática. Mais que isso, hoje há conservadores que inclusive elogiam a cafajestada em público, comemoram a boca de latrina e a devassidão moral. O lançamento do MBL Mulher foi uma amostra disso.
O movimento é feito para atrair moças de pensamento liberal para a política e tem base na realidade: a política brasileira, por algum motivo que não sabemos exatamente, atrai menos mulheres que a política do Paquistão. Na área liberal ou conservadora, os números são ainda menores. É verdade que nas últimas eleições mulheres de personalidade forte foram eleitas por partidos de direita, mas ainda são um percentual inferior do que há no mundo inteiro, incluindo países árabes onde se impõe a sharia. Qual o problema do Brasil?
Tenho palpites, você deve ter os seus, mas ninguém sabe. Precisamos discutir. Nada melhor que chamar mulheres para essa discussão, ouvir, trocar ideias, identificar obstáculos e soluções, dialogar, trazer os homens para esse debate, encontrar saídas. Não é possível que um grupo que representa mais de 50% da população fique fora da tomada de decisões e nós não sejamos capazes de propor soluções melhores.
Há quem discorde e há até quem tenha nojo de mulher. Tem homem que bate em mulher e tem até mulher com raiva de mulher. No mundo existe de tudo. O complicado de entender é conservador e cristão conivente com esse esgoto moral, em ação ou omissão. A iniciativa do MBL Mulher é de moças, todas muito dedicadas, estudiosas, empenhadas em, da forma como acreditam ser correta, melhorar o Brasil. É possível concordar com elas ou discordar. Calar diante de reações indecentes não é admissível.
Tive o cuidado de visitar os perfis. Todos se dizem conservadores e quase todos se afirmam cristãos. É curioso. Mais curioso ainda é acompanhar a cumplicidade de todo o círculo de amizade dessas pessoas diante do mergulho no chiqueiro moral: calam convenientemente e permitem a injustiça e a infâmia.
Nas décadas de 1940 e 1950, o Rio de Janeiro teve algo que foi chamado de "Clube dos Cafajestes", uma reunião de homens, uns bem nascidos os outros bem colocados, fundado por uma trinca de botafoguenses: Eduardo Henrique Martins de Oliveira, Althemar Dutra Castilho e Heleno de Freitas. Em seu livo "A Alma de uma Cidade", Renato Sergio descreveu assim o grupo: "Aqueles moços nunca rejeitavam uma boa confusão, então onde o Grupo dos Cafajestes estivesse metido, haveria possibilidade de tudo, menos de monotonia. Com eles na jogada podia baixar porrada, baixar o santo, baixar a maré, baixar as calças, baixar o nível, baixar o preço, baixar a voz, baixar uma ordem, baixar o calão, até baixar à sepultura, baixar qualquer coisa, menos o tédio".
Reuniam-se na Confeitaria Alvear, na Avenida Atlântica, para tramar cafajestadas regadas a bebidas e por onde circulavam lindas mulheres, eventos que muitas vezes terminavam com a intervenção da polícia especial. Faziam parte do grupo de arruaceiros muitos que hoje são lembrados, na maior cara-de-pau, como se fossem o avesso do que foram: Alberto Sued, Baby Pignatari, Bubi Alves, Carlos Niemeyer, Carlos Peixoto, Carlos Roberto de Aguiar Moreira, Cassio França, Celmar Padilha, Darcy Froes da Cruz, Ermelindo Matarazzo, Ernesto Garcez Filho, Fernando Aguinaga, Francisco Albano Guize, Helio Leitão de Almeida, Ibrahim Sued, Ivan Cardoso Senior, Jorginho Guinle, Léo Peteca, Mário Saladini, Mariozinho de Oliveira, Oldair Froes da Cruz, Paulo Andrade Lima, Paulo Soledade, Príncipe Dom João de Orleans e Bragança , Raimundo Magalhães, Raul Macedo , Sérgio Pettezzoni, Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta), Vadinho Dolabella e Waldemar Bombonatti. Publico os nomes porque é público e também todos já morreram, o último foi Mariozinho de Oliveira, aos 90 anos.
Os liberais, conservadores e cristãos brasileiros jamais levaram o cafajeste a sério. Ouso dizer que nem os mais aguerridos progressistas, lá no fundo, levam a sério de verdade. E nem é por moralismo ou falso moralismo, mas por pragmatismo mesmo. Dada a falta de domínio próprio, a necessidade de contar vantagem e a irresponsabilidade, qualquer que seja o discurso, se servir para algo é na área do divertimento e da piada, não de promessa em que se acredite.
Precisamos recuperar nossos valores. Hoje se usa política, ideologia, futebol e até religião como desculpa para cafajestada. É uma minoria que abusa da maioria. Não tenho medo de dizer que a maioria dos homens brasileiros é respeitadora. Não podemos permitir que esses poucos manchem a imagem de muitos. Cafajeste pode ter recuperação, mas não pode ser levado a sério nem ter suas atitudes contemporizadas enquanto não decide mudar. As mulheres brasileiras, nossas mães, irmãs e filhas, merecem respeito.