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Pela primeira vez uma atleta transexual, nascida com o sexo masculino, qualifica para as Olimpíadas. Laurel Hubbart, neozelandeza, vai competir no levantamento de peso. Não há dúvidas de que os olhos do mundo ficarão voltados para uma realidade triste. O uso de pseudociência e autoritarismo em esforços de inclusão social tem efeitos nefastos.

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Questionar se há justiça numa competição física entre pessoas nascidas com o sexo feminino e pessoas nascidas com o sexo masculino é uma obviedade. Pensar formas justas de incluir pessoas trans também. Quer dizer, seria se vivêssemos em um ambiente democrático.

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A polarização que atordoa é feita de extremistas de parte a parte, cada um apegado à distorção que faz da realidade. Ambos os pólos políticos chamam de "ciência" ou "estudo científico" algo que não tem método científico mas é crença de algum acadêmico ou circula no ambiente acadêmico como teoria social. O problema é que as políticas públicas feitas a partir dessas teorias têm consequências bem reais.

“Estou ciente de que definir um marco legal para a participação transgênero nos esportes é muito difícil, visto que há uma variedade infinita de situações, e que chegar a uma solução inteiramente satisfatória, de ambos os lados do debate, é provavelmente impossível. No entanto, qualquer pessoa que tenha treinado levantamento de peso em alto nível sabe que isso é verdade: esta situação particular é injusta para o esporte e para os atletas.", protestou a atleta belga Anna Vanbellinghen, que vai concorrer nas Olimpíadas com a colega transgênero.

A levantadora de peso compreende que é um assunto complexo e delicado. Exatamente por isso não pode ser definido criando competições sem igualdade de oportunidades. “Eu entendo que para as autoridades esportivas não é tão simples e há muitas variáveis ao estudar um fenômeno tão raro, mas para os atletas tudo parece uma piada de mau gosto. Oportunidades de mudança de vida são perdidas para alguns atletas - medalhas e qualificação olímpica - e nós estamos impotentes", diz a única atleta a se pronunciar sobre o tema até agora.

Anna Vanbellinghen aponta que a dificuldade é jogar o debate sobre regras do esporte de elite e inclusão num caldeirão de outras discussões."Claro, este debate está ocorrendo em um contexto mais amplo de discriminação contra pessoas trans, e é por isso que a questão nunca está livre de ideologia. No entanto, a natureza extrema desta situação particular realmente demonstra a necessidade de estabelecer um quadro jurídico mais rígido para a inclusão de transgêneros nos esportes, especialmente nos esportes de elite. Porque acredito que todos deveriam ter acesso aos esportes, mas não às custas dos outros.", explicou.

Laurel Hubbart compete no levantamento de peso desde a adolescência, em campeonatos escolares. Viveu como homem, com o nome Gavin Hubbard, até os 35 anos, em 2017. Durante todo esse tempo, sua maior conquista no esporte foi um recorde nacional de juniores. Após a transição, competindo como mulher, passou a ser atleta de nível olímpico e vencer campeonatos internacionais. A questão é o que vem antes nas Olimpíadas: regras justas ou inclusão de mentira?

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O histórico da atleta faz com que ela seja o pior exemplo possível para que se tente defender inclusão. "Se ela ganhar uma medalha, ela destacará o fato de que os homens não devem competir nos esportes femininos, que é manifestamente injusto. A única coisa que as pessoas vão notar é que um levantador acima da média acabou de ser colocado nas Olimpíadas como mulher, e que os esforços louváveis de outras mulheres foram desvalorizados, em termos reais, por causa disso. Acreditar que as pessoas verão isso de outra maneira é simplesmente ilusório", diz o delegado da Federação Internacional de Levantamento de Peso, Mark House.

Num mundo polarizado, haverá quem simplifique tudo e volte suas baterias contra a atleta em si. A questão é mais profunda. Existem regras para concorrer em esportes de alto rendimento e ela cumpriu todas as regras para chegar a uma Olimpíada, não fez nada fora das regras. O problema está no Comitê Olímpico Internacional, que precisa esclarecer de que forma suas regras garantem uma competição justa e por que elas foram feitas dessa maneira.

Laura Hubbard e as adversárias que venceu numa competição internacional

Explicações simples e erradas para problemas complexos são o principal produto do extremismo político, principalmente na era digital. Um estudo publicado hoje pela Universidade de Cambridge analisa a linguagem dos tweets de mais de 16 mil influencers que espalham teorias conspiratórias e a compara com a linguagem de cientistas que tratam do mesmo tema. O resultado comprova a premissa levantada anos passado por outro estudo, da Universidade de Nova Iorque.

Os motivos mais claros para que pessoas acreditassem em teorias conspiratórias são a necessidade de sentir-se bem e saber que está num bom grupo, entender o ambiente em que vivem, ter sensação de segurança e controle. A linguagem dos influencers e seguidores de pseudociência é utilizada justamente para isso. Cria-se a sensação de que o grupo está brigando contra o mal que está fora do grupo. Ter vocabulário próprio do grupo é importante nesse contexto.

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Teorias conspiratórias - nos dois estudos o termo é usado para referir-se a qualquer tipo de fantasia ou imaginação tratada como fato ou fato científico - são grandes ameaças à democracia. Os cientistas sugerem que sejam feitos mais levantamentos em massa de dados de mídias sociais para compreender como chegamos a ações reais a partir da pressão de grupos autoritários na era digital. A questão trans pode ser uma delas.

Em 2018, foi feita no Reino Unido uma revisão de toda a literatura científica sobre diagnóstico de disforia de gênero, publicada na revista científica Transgender Health. "Os criadores do diagnóstico de Disforia de Gênero afirmaram que a ciência usada para sustentar seu desenvolvimento era rigorosa. No entanto, é impossível examinar tais afirmações, uma vez que as discussões, os processos metodológicos e os prometidos ensaios de campo do diagnóstico não foram publicados", conclui o estudo.

Os pesquisadores também reclamam que apenas 2% das publicações contém a informação de que nem todas as pessoas trans têm disforia de gênero e questiona a inexistência de uma metodologia diagnóstica ou de acompanhamento dos casos. O discurso da militância trans dá como fato científico que pessoas com disforia de gênero não se identificam com o sexo biológico de nascimento e por isso são trans. Trata-se de uma salada retórica sem conexão com ciência, fruto de uma outra tentativa de "inclusão".

"Disforia de gênero" já era um termo da comunidade acadêmica para o desconforto com o próprio gênero, mas nada científico, fruto de teoria crítica, analisando até o papel social de cada gênero. Em 2013, a Associação Americana de Psiquiatria resolveu usar este mesmo termo para passar a descrever uma patologia cientificamente comprovada e documentada, o "transtorno de identidade de gênero". A confusão estava armada.

"Significativamente, no entanto, ao denominar o novo diagnóstico de 'disforia de gênero', a APA adotou um termo que já era bem usado no discurso popular e acadêmico para descrever experiências de sofrimento em populações de gênero diverso, mas que não havia sido previamente um diagnóstico. Fazer uso da terminologia existente e familiar com o objetivo de reduzir a patologização é potencialmente contraproducente se o resultado for falta de clareza sobre como a terminologia está sendo usada. Em particular, existe o perigo de que um termo que agora é o nome de um transtorno psiquiátrico diagnosticável específico possa ser aplicado simultaneamente a indivíduos, populações ou experiências que não atendam aos critérios diagnósticos e que, de acordo com a APA, não devam ser considerados patológico", concluiu o levantamento de 2018.

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Começou a haver uma imensa confusão, no ambiente acadêmico, na mídia e na militância entre a patologia "disforia de gênero" e as discussões teóricas sobre "disforia de gênero". Tudo passou a ser colocado no mesmo balaio a ponto de se desconfiar agora que políticas públicas foram definidas assim. Tratamentos de disforia de gênero, o transtorno psiquiátrico, podem ter sido indicados para a disforia de gênero discutida como desconforto social.

Mais de 20 estados norte-americanos já preparam legislações semelhantes à do Arkansas para proibir redesignação sexual e bloqueadores hormonais como tratamento a adolescentes diagnosticados com disforia de gênero. O assunto começou a pegar fogo nos Estados Unidos depois da edição do premiadíssimo programa jornalístico 60 minutes mostrando jovens que se arrependeram da transição. Repare que o 60 minutes sempre repercute no Brasil, mas este não.

No Reino Unido, o caso de uma adolescente que se arrependeu da transição levou a Suprema Corte e a autoridade nacional de saúde, NHS, a declarar oficialmente que não há base científica para a terapia de transição sexual em adolescentes. A Suécia e vários outros países seguem pelo mesmo caminho. O tratamento criado para um público de homens de meia-idade com disforia de gênero (o transtorno psiquiátrico) passou a ser aplicado sem acompanhamento com método científico em adolescentes e até crianças.

Pessoas trans existem e pessoas com disforia de gênero também. Somos todos seres humanos com dignidade e direitos, há que se encontrar uma forma de convivência com harmonia e igualdade de oportunidades. Como se concluiu que a solução é simplesmente classificar trans na mesma categoria de mulheres até em competições físicas e adotar expressões como "pessoas com vagina"? Ninguém sabe, não há um único estudo com método científico a respeito.

Grupos autoritários que criam a própria realidade paralela, têm vocabulário próprio e se fortalecem com os mecanismos tecnológicos da Cidadania Digital são a principal ameaça para a democracia e as liberdades individuais. Dizendo fazer o bem e pretender inclusão, esses grupos podem ter construído políticas públicas de abuso médico, imposição de tratamento radical e permanente a algo que nem diagnóstico é.

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Os jogos olímpicos trarão uma visibilidade diferente para o debate sobre as fronteiras que têm sido cruzadas em nome da autoajuda disfarçada de militância. Os grupos que creem ser inclusão a competição de trans em categorias femininas tratam como fascista ou terraplanista quem questiona. Acreditam estar amparados em ciência - a do transtorno - quando estão falando de teoria social. Talvez a ideia desses grupos sobre inclusão não seja a mais inclusiva para se adotar como política pública.