![Eles confundem Fabio Porchat com Augusto Pinochet Eles confundem Fabio Porchat com Augusto Pinochet](https://media.gazetadopovo.com.br/2019/11/22141038/94ae4e111116e7a90ba5cc8b0086131b-gpMedium.jpg)
Qual o problema de homenagear o Pinochet? "O cara é muito engraçado. Nunca viu Porta dos Fundos?". Confundiu Augusto Pinochet com Fabio Porchat. Parece absurdo, mas o debate é real e aconteceu no Twitter. O rapaz defendia a intenção de homenagear o ditador chileno achando que a homenagem era para o humorista.
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Confundir Porchat com Pinochet não é apenas um evento anedótico, é um sinal da Era da Superficialidade, que vivemos sem nos dar conta.
A própria ideia da homenagem é típica dos eventos gestados na retórica do embate superficial. De um lado, defende-se que Pinochet foi um estadista porque combateu o comunismo. De outro, fala-se nos milhares de opositores torturados e mortos. Mas Pinochet é bem mais do que isso.
O primeiro atentado terrorista em Washington não foi obra dos muçulmanos radicais, foi de Augusto Pinochet, em 1976. Também realizou atos terroristas em Buenos Aires. Ele permitiu a implementação de uma colônia pedófila nazista em seu país, a cargo de Paul Schaefer. E, sim, era corrupto. Foi condenado pela justiça chilena pelo desvio de US$ 17 milhões dos cofres públicos.
Há uma história pitoresca que resume o caráter de Augusto Pinochet. Ele foi detido pela Interpol em Londres para responder por crimes contra a humanidade em 1998. Dia-a-dia parecia desfalecer e foi colocado numa cadeira de rodas. Balbuciava coisas sem sentido. Concluíram que ele tinha Alzheimer e o devolveram ao Chile. Ao chegar no aeroporto de Santiago, levantou-se da cadeira de rodas e foi andando, com vigor, para abraçar os amigos.
Como um terrorista corrupto e desonesto, condescendente com pedofilia, pode ter virado um símbolo a ser homenageado por pessoas que se dizem conservadoras? Bem vindos à Era da Superficialidade, em que os fatos históricos recentes parecem se perder na enxurrada de informações que recebemos.
Não é apenas na política, trata-se do esquecimento completo de fatos que formam nossa cultura e nossa sociedade, cuja memória é essencial para a nossa evolução.
Vou contar um caso que vivi e você, muito provavelmente, já vivenciou situações parecidas. Numa redação em que trabalhei, estávamos falando sobre artistas e mencionei o acidente que fez Roberto Carlos perder a perna. Havia entre 8 e 10 jornalistas na sala: todos riram de mim e duvidaram do acidente. Acharam que eu estava contando uma piada. Por coincidência, justamente enquanto escrevia esse artigo, várias pessoas contaram no Twitter experiências semelhantes.
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Nunca se produziu tanta informação quanto hoje. Um exemplo: os minutos diários de vídeo que são colocados em um ano na internet superam os minutos produzidos pelo cinema durante o século XX. Num ambiente de excesso de informação, quem decide o que é importante, o que é determinante para a formação do caráter das pessoas e da sociedade?
Antes que alguém se antecipe e diga que é um fenômeno brasileiro ou passe imediatamente a falar mal do nosso país e da nossa gente, adianto que a reação também é típica da Era da Superficialidade. Opinar sobre fatos que desconhece se tornou uma prática comum diante da necessidade de emitir opinião sobre todas as coisas.
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A Secretária Nacional de Educação dos Estados Unidos, Betsy DeVos, disse recentemente em uma premiação estar preocupada porque os alunos do país não são capazes de identificar o muro de Berlim, não sabem essa história. Contou algo ainda mais grave: os novos agentes do FBI não sabem o que aconteceu no 11 de setembro.
"Eu recentemente tive uma conversa reveladora com o diretor Wray, do FBI. Ele me contou que muitos dos novos agentes são tão jovens que não sabem exatamente o que ocorreu em 11 de setembro de 2001. Eles dizem 'algumas pessoas fizeram algo' ou que 'ouviram falar' do assunto." - disse Betsy DeVos.
O problema não é apenas educação ou falta de informação. Na Era da Superficialidade, a diferença entre o que é verdade ou mentira acaba ficando borrada na cabeça das pessoas. Sem conhecer os principais fatos e acontecimentos que moldam o nosso mundo, a pessoa opina o dia inteiro com base em quê? Que opiniões são levadas a sério numa realidade de gente que desconhece os fatos que formam seu mundo?
"Quem não conhece a própria história está fadado a repeti-la". A frase do conservador Edmund Burke é uma leitura tão apurada da realidade que já foi repetida em público até por quem é a antítese de suas ideias, Che Guevara. Temos a obrigação de fazer com que as futuras gerações conheçam a nossa história.
Hoje morreu o rabino Henry Sobel, grande líder espiritual e homem capaz de, na hora decisiva, colocar a fé e os princípios acima das pressões e ameaças. Quando Vladimir Herzog morreu, mesmo diante da versão oficial de suicídio, recusou-se a enterrá-lo na área dos suicidas do cemitério israelita e fez como manda a fé judaica.
Junto com dois outros religiosos, ele foi autor da obra mais importante sobre a aplicação prática dos princípios judaico-cristãos na vida cotidiana: Brasil Nunca Mais.
Junto com o cardeal católico Dom Paulo Evaristo Arns e o pastor presbiteriano James Wright, o rabino Henry Sobel contou a história de almas que sofrem. Seguindo os princípios judaico-cristãos no cotidiano, mesmo nos momentos de caos político os três religiosos choram com os que choram e colocam em primeiro lugar a vida.
Muitos dos que hoje debatem nas redes sociais sobre a Ditadura Militar desconhecem fatos. Têm a mesma profundidade e capacidade de opinar da menina que não conhecia os Beatles, do pessoal que não conhecia a Hebe, do homem que considera o peixe elétrico uma farsa ou dos agentes do FBI que desconhecem o 11 de setembro.
Temos a obrigação de garantir que as próximas gerações conheçam os fatos sobre os passos que demos até aqui. O livro Brasil Nunca Mais está NESTE LINK, disponibilizado de forma gratuita. Vamos incentivar principalmente os jovens a conhecer os relatos dos religiosos para que formem sua opinião. Esse processo tem se resumido a mimetizar opiniões de pessoas que são como os jovens querem ser. A gente sabe como isso termina: aceitando Pinochet na ilusão de que ele seja do Porta dos Fundos.
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