Meninas e mulheres brasileiras estão indo parar em sites pornôs sem imaginar que isso poderia acontecer. Já há um nicho da pornografia composto por homens que abusam de mulheres no transporte público, filmam e postam. São mulheres de todas as idades e tipos físicos, mas preferencialmente adolescentes, inclusive menores de idade.
Confesso que não imaginava a existência de tantos fãs do segmento aqui no Brasil. Os casos de pornô de vingança mostram que é possível sim subir vídeos pornôs em vários sites sem que a pessoa exposta saiba mas, nesse caso, o expectador pode não saber sobre a questão do consentimento. O assustador nesse novo nicho é que nitidamente se trata de um abuso sexual e, mesmo assim, a comunidade de fãs é gigantesca. Há canais que cobram pela exibição de determinados vídeos.
Tive contato com esse mundo perverso pelo desabafo de uma adolescente nas redes sociais. Ela recebeu o whatsapp de um amigo avisando que havia um filme com ela em um site pornô, foi conferir e se deparou com o pesadelo: era o registro do dia em que ela foi abusada sexualmente no ônibus indo para a escola. Passando pelos vídeos, encontrou uma conhecida, outra adolescente, essa com 14 anos de idade. Vasculhou a internet e encontrou o material em mais 5 sites pornôs.
Ela recebeu o whatsapp de um amigo avisando que havia um filme com ela em um site pornô, foi conferir e se deparou com o pesadelo: era o registro do dia em que ela foi abusada sexualmente no ônibus indo para a escola.
Não há como se confundir com esses vídeos e pensar que são atrizes ou simulações. Quem vê sabe que está vendo um abuso. São milhões de visualizações, dezenas de perfis e comentários de revirar o estômago. O que se imaginou ser um pesadelo, o abuso no transporte público, é convertido em calvário sob aplausos efusivos de uma multidão que, como o abusador, se fortalece com a falsa sensação de anonimato e impunidade da internet.
O perfil que postou o vídeo dela com o título "Essa novin ficou doidin com a p*** d*** no busão!" tem dezenas de outras postagens semelhantes e milhares de seguidores fiéis, brasileiros e estrangeiros. Nesse submundo, a filmagem segue sempre o mesmo script. O homem se expõe, esfrega o órgão sexual ou passa a mão na menina e fica filmando as reações dela enquanto tenta entender se realmente aquilo é um abuso sexual ou se alguém esbarrou por engano.
São filhas, mães, esposas, netas, sobrinhas, amigas. Os vídeos são ainda mais aflitivos se você imagina neles alguém que conhece. A moça ali, fazendo algo do dia-a-dia ou se concentrando para um momento importante da vida, vem um desclassificado desses e resolve não só abusar dela mas também tornar isso um evento do mundo pornô. Há casos em que os filhos pequenos da mulher, que estavam com ela no momento do abuso, aparecem na filmagem. Tudo é celebrado de forma assustadora por um número impressionante de pessoas.
Entre as centenas de comentários, os autores dos vídeos se exibem para seus fãs. Obviamente todos se escudam em perfis com nomes e fotos falsos, que são rapidamente banidos do site pornô quando há alguma denúncia às plataformas. Então eles abrem outro perfil com nome e foto falsos e postam os mesmos vídeos de abusos sexuais. É como enxugar gelo.
Não há explicação simples para este fenômeno e ele não será contido por bravatas ou demonstrações de força. Trata-se da forma de perversidade que, para ser cometida, reúne os elementos da falta de empatia, desprezo humano pelos outros, covardia e sutileza. Os abusos não são feitos de forma que seja fácil para os outros passageiros perceberem. Vira e mexe algum deles aparece na filmagem tentando entender se está vendo aquilo mesmo ou se enganou. A demora para perceber contrasta com a rapidez para fazer o filme.
Seria uma simplificação grosseira dizer que a mulher não reage na hora, os demais passageiros nada fazem ou as autoridades ignoram. Nos relatos que seguiram a reclamação da moça nas redes sociais há de tudo, desde os maiores descasos até tentativas de linchamento. Não existe um padrão para a reação das pessoas ao abuso sexual em transporte público e seria injusto dizer que nossa sociedade é tolerante com ele, não é. O problema não está em tolerar abuso, mas em acreditar na mulher.
A disposição para acreditar que foi um engano ou exagero da mulher que diz ter sido abusada é maior que a disposição para acreditar que houve um abuso sexual. Este é o nó.
A disposição para acreditar que foi um engano ou exagero da mulher que diz ter sido abusada é maior que a disposição para acreditar que houve um abuso sexual. Este é o nó. A partir do momento em que a pessoa realmente se dá conta de que houve um abuso ou a partir do momento em que fica socialmente impossível negar que aquilo foi um abuso, o comportamento passa a ser o repúdio. Esse detalhe, que é uma sutileza, pode ser determinante para alguém relatar ou não um caso concreto.
Outra questão que favorece demais os abusadores sexuais no transporte público é a falta de consequências. É uma ginástica enorme e que nem sempre dá certo enquadrar o abusador em crime. Mais garantido é a figura da contravenção penal, que o colocará nas ruas para repetir o feito provavelmente antes da vítima conseguir registrar a ocorrência.
Cito como exemplo concreto algo que chocou São Paulo em 2017: a história de Diego Ferreira de Novais. Ele ejaculou em uma moça num ônibus lotado na avenida Paulista, os passageiros reagiram e o motorista alterou a rota da linha para colocar o criminoso nas mãos da polícia. No dia seguinte, ele foi solto. Não era a primeira vez, era a 16a vez que ia preso pela mesma coisa e solto em seguida. Além disso, tinha 3 condenações por estupro. Diante da revolta, alguns deputados aproveitaram a brecha para o marketing com projetos de lei que criminalizam a conduta.
No caso concreto dos abusadores que postam na internet, a vítima precisa reunir todas as provas, fazer o boletim de ocorrência, pedir para que a plataforma onde o vídeo foi postado o revele e revele a identidade do abusador para que então possa ser processado. Se ele fizer isso com 30 perfis falsos diferentes em 10 sites pornôs diferentes, a vítima tem de fazer uma queixa diferente para cada um deles. Se ele usar algum mecanismo para proteger seu IP, a identidade de seu computador, o site pode simplesmente dizer que não foi possível identificar. Não parece lá muito eficiente.
Sinceramente, eu gostaria muito de saber qual a solução para um cenário desses. Infelizmente não sei. Sei apenas que deixamos a vida dos abusadores sexuais tão fácil que eles viraram estrelas pornô divulgando seus crimes no transporte público. Ignoramos essa realidade com tanta força que as políticas de mobilidade no Brasil sequer levam em conta esse fenômeno.
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