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Madeleine Lacsko

Madeleine Lacsko

Reflexões sobre princípios e cidadania

Eles usam a internet para provocar convulsões em epiléticos

É difícil não reconhecer a marca da maldade quando estamos diante dela. A mais nova moda de ataques no Twitter, denunciada pela Epilepsy Foundation às autoridades dos Estados Unidos, é enviar imagens que podem causar convulsões a pessoas que seguem as postagens da fundação dedicada a financiar pesquisas e conseguir tratamento para quem tem epilepsia.

Se uma pessoa com epilepsia vê uma imagem de luz estroboscópica, ainda que por poucos segundos, pode ter uma convulsão que dura minutos e pode levar à morte. No caso específico, somente durante o mês de novembro, 30 seguidores do perfil da Epilepsy Foundation no Twitter receberam mensagens com GIFs animados que mostravam luzes estroboscópicas.

Felizmente, não há informações de que os ataques tenham sido efetivos. O corpo jurídico da fundação denunciou o caso às autoridades de Maryland, nos Estados Unidos, que estão investigando. Os autores dos cyber ataques não foram identificados até agora.

O que parece uma abominação e fruto de uma mente perversa, provocar convulsão em epiléticos, começou como resposta a discordâncias políticas e foi uma ação discutida entre pessoas aparentemente normais e respeitáveis nas redes sociais.

Esse tipo de ataque, que agora tem mirado em massa pessoas que provavelmente tenham a doença, começou com um único homem que discordou das críticas de um jornalista e escritor contra Donald Trump. Embora a torpeza da ação seja a mesma dos últimos ataques, as motivações são profundamente diferentes.

Kurt Eichenwald é um jornalista muito famoso nos Estados Unidos e, também por isso, é de domínio público que tem epilepsia, controlada com tratamento. Ele trabalhou em alguns dos veículos de maior prestígio em seu país: New York Times, Newsweek e Vanity Fair. Depois se tornou escritor e é autor de best sellers na área da reportagem investigativa, onde se especializou em crimes empresariais, lavagem de dinheiro, escândalos financeiros, exploração sexual infantil, terrorismo e, claro, o envolvimento de políticos nessas coisas.

Um de seus livros "The Informant", se transformou no filme "O Desinformante", de 2009, estrelado por Matt Damon. É uma trama interessantíssima envolvendo a investigação de uma empresa de agronegócio por práticas suspeitas.

Dada a visão absolutamente crítica de Kurt Eichenwald no perdão ao ex-presidente Bill Clinton devido aos escândalos sexuais vividos durante o exercício da presidência, não se espera condescendência do jornalista com nenhum mandatário.

Em 2016, após publicar uma crítica contra Donald Trump e seus apoiadores, ele recebeu pelo Twitter uma resposta de uma pessoa que não conhecia. Era um GIF animado com luz estroboscópica. O jornalista teve uma convulsão que durou 8 minutos.

Kurt Eichenwald prestou queixa às autoridades e as investigações policiais rastrearam a mensagem a John Raybe Rivello, veterano do corpo de fuzileiros navais de Maryland, coincidentemente o mesmo Estado onde fica a sede da Epilepsy Foundation, cujos seguidores foram atacados agora.

Foram diversos os rastros que levaram os investigadores até Rivello e uma das provas é particularmente chocante. Ele mandou mensagens a vários outros usuários do Twitter contando o que havia feito e comentando: "espero que isso o leve a uma convulsão".

A postagem original está disponível online - não reproduzo o GIF animado por razões óbvias. Abaixo, você pode ver a versão estática da postagem, feita de forma aberta utilizando uma conta com nome falso que John Raybe Rivello mantinha no Twitter. No meio da imagem, a frase: "Você merece uma convulsão pelos seus posts".

Imagem do corpo da matéria

O veterano pagou US$ 100 mil em fiança e pôde responder o processo em liberdade. Iniciou-se a partir daí a discussão: mandar algo pela internet com intenção deliberada de causar uma convulsão e conseguir causar uma convulsão é uma agressão equivalente às feitas pessoalmente? Deve ter as mesmas consequências?

Em novembro de 2017, o Ministério Público de Maryland decidiu retirar suas acusações civil contra o agressor. Pela lei dos Estados Unidos, o processo pode ser reaberto a qualquer momento. Há um outro processo federal relativo ao caso, na esfera civil. O jornalista pede indenização por danos morais.

Segundo os advogados do veterano, que sofre de stress pós-traumático, o caso - mandar uma imagem para causar uma convulsão e conseguir - estava sendo superdimensionado.

Mas, na verdade, há uma questão técnica jurídica por trás da desistência dos promotores de nível federal. Na esfera local, em Dallas, o processo foi feito levando em conta as leis já existentes e a punição pode ser mais severa. O réu responde por agressão qualificada com o uso de arma letal e por motivo torpe.

De qualquer forma, a soltura e o fim do caso nacional fizeram com que, nas redes sociais, parecesse que houve um relaxamento do caso. Agora surgem pessoas que fazem cópia do ataque e não é com motivo político, aliás, ninguém nem sabe qual a motivação. Se é que podemos aceitar qualquer tipo de justificativa para esse tipo de coisa.

Nessa polarização que estamos vivendo, tendemos a acreditar que é o debate baixo e violento que acaba motivando pessoas a fazer coisas que não fariam na vida real ou se tivessem de mostrar a cara. Já acreditei nessa teoria, mas os fatos começam a me fazer repensar.

Aqueles que já têm dentro de si a marca da maldade e o desprezo pelos outros seres humanos, princípios e moralidade tendem a procurar como desculpa para seus malfeitos aquilo que esteja tirando do sério pessoas comuns.

É óbvio que muita gente subiu o tom em discussões, usou palavreado que não devia ou foi injusta em um momento ou outro com alguém. A polarização, além de dividir a sociedade, estabeleceu um padrão de conversa em que não se ouve para entender, mas para rebater. Nessa dinâmica, o importante não é o relacionamento ou o melhor resultado, é vencer o debate.

O cidadão comum não colhe bons frutos desse tipo de ambiente social. É cansativo, não constrói nada e não faz avançar nem a sociedade nem o debate político. Mas essa é a tempestade perfeita para quem busca só uma boa desculpa para soltar os demônios que já possui na porção escura da alma.

Como diferenciar quem perdeu a linha porque está com os nervos à flor da pele e quem usa o clima tenso como desculpa para maldades que faria de qualquer maneira? Talvez esse seja um dos grandes desafios para 2020. O Natal é uma época especial para a gente tomar consciência de que essa diferença existe porque vamos conviver, querendo ou à força, com os mais íntimos, seja porque amamos ou porque somos obrigados.

Todos, inclusive os melhores de nós, temos defeitos terríveis e cometemos deslizes e pecados. As pessoas que nós amamos têm defeitos que conhecemos e tomam atitudes das quais discordamos. Nem por isso passamos a crer que elas têm uma natureza maligna, são totalmente maldosas ou têm a marca da maldade. Sabemos a diferença entre o erro e o dolo, entre o deslize e o método.

Que o amor e família abram nossos olhos para nosso próprio comportamento, das pessoas que nos cercam e, infelizmente, para o fato de que existe sim a marca da maldade. Não podemos subestimá-la nem devolver na mesma moeda. A grande vitória do mal não é concretizar objetivos obscuros, é conseguir que nos tornemos como ele.

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