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O racismo existe. É um problema que se manifesta de inúmeras formas nas diferentes sociedades e culturas, a supressão do conceito universal de dignidade humana para sua vinculação à origem. Como resolver isso? Há inúmeras tentativas, umas mais e outras menos frutíferas, mas é um problema que ainda não conseguimos resolver.
Enfrentar o racismo, seja onde e como for, dá trabalho. Que tal então patrulhar a linguagem alheia, fingir que isso é luta antirracista e receber muitos likes? Assim surgiram nossos guerreiros do parque de areia antialérgica. O heroísmo deles depende da continuidade eterna do racismo e da Etimologia Freestyle, ramo da ciência que inventa origens e significados para palavras com o objetivo de esculhambar outras pessoas.
Certamente, você já deve ter visto a mudança de palavras que, segundo os autointitulados Justiceiros Sociais Antirracistas, têm origem no escravagismo negro e na segregação racial. É o terraplanismo do bem. Não dá para inventar origem de palavra, como temos visto se fazer, apenas para lacrar humilhando publicamente quem as usa.
O método é muito importante para a consolidação do grupo autoritário. No grupo, todos vivem pisando em ovos. Qualquer coisa que você disser pode ser apontada como racista por alguém muito mais Justiceiro Social Antirracista que você. E o objetivo do grupo é isso mesmo, inventar argumentos que justifiquem por que algumas pessoas são mais puras ou iluminadas que as outras.
A Etimologia Freestyle é uma das principais ferramentas do Justiceiro Social do Parque de Areia Antialérgica para fingir que é intelectual ou antirracista. Ao inventar significados que não existem para uma expressão ou palavra, é possível dar impressão de que combate racismo. Melhor ainda, se a Etimologia Freestyle for usada chamar outra pessoa de racista, teremos um herói. Vários sonsos surgirão para "educar" a pessoa injustamente acusada e fazê-la "acordar" para o racismo estrutural. É o autoritarismo do bem.
Tempos atrás, num grupo de senhoras que compõem a fina flor da sociedade frívola desta pátria de chuteiras, presenciei uma polêmica racial. Obviamente faço parte deste grupo e de vários outros dedicados à superficialidade. Eu realmente gosto dessas bobagens mas, se pegar mal entre meus colegas inteligentinhos, sempre posso dizer que trata-se de uma experiência sociológica.
Voltemos à polêmica. Quando alguém apresentou algo de cair o queixo - não me lembro se era um jogo novo de sousplat, porta-guardanapos artesanais ou os guardanapos bordados em si -, uma das nossas amigas disse ter "inveja branca". É o mesmo termo usado no Big Brother esses dias, Ah, Brasil, não demorou dois segundos até que uma outra amiga, Justiceira Social de Parque de Areia Antialérgica, viesse denunciar o racismo estrutural.
Foi algo muito emocionante, com debates intelectualizados sobre nossa sensibilidade com as pessoas pretas e o uso desumanizante de determinadas expressões. De forma educada, várias vozes passivo-agressivas tentavam explicar à pessoa injustamente esculachada que tratava-se de um processo saudável. A acusação mentirosa de que a expressão é racista foi imensamente apoiada. Confesso que calei diante do movimento, senão seria a próxima a ter de sair do grupo e realmente gosto muito das receitas de terapias alternativas.
A maior parte do vocabulário sinalizado pelos Justiceiros Sociais Woke como derivado de racismo não tem nada com isso. Palavras têm origens rastreáveis e rastreadas. Considerar expressões como inveja branca, lista negra, peste negra e ovelha negra derivadas de alguma relação com raça é a Etimologia Freestyle. Estudar etimologia, a origem das palavras, dá trabalho. Na modalidade freestyle, inventa-se uma correlação para poder xingar os outros de racistas. Além de ser mais relax e não dar stress de tanto estudar, gera likes e dá prestígio aos antirracistas de internet.
"O “justiceiro social” nunca está satisfeito e sempre encontrará defeito, porque senão ele se torna obsoleto. Precisam gritar contra algo e se tornam simplesmente chatos — para dizer o mínimo. São aquelas pessoas que tem no fato de discordar uma forma de obter prazer, daí o uso constante de termos como “lacrar”. Não importa se o argumento é válido, mas sim a sensação de ter vencido e “lacrado”. Não adianta o que você faça, já decidiram que você está errado. É bom repetir, eles não querem que qualquer situação efetiva de exclusão acabe ou se resolva. Se a situação se resolver acaba o palanque deles. São sanguessugas que querem manter tudo como está", explica o doutor em Direitos Humanos Raphael Tsavkko Garcia no texto "Justiceiros Sociais, o triunfo da vontade e da intolerância".
No grupo de madames do qual faço parte, a polêmica foi com a expressão "inveja branca". Enquanto minha conta bancária ainda não me qualifica à vida de madame, sigo fingindo via redes sociais. Várias amigas VIPs explicaram ali que a expressão é ofensiva porque o "branca" é para dar a impressão de não ser algo tão maléfico quanto a inveja normal. Assim, contraporia negros como o mal e brancos como o bem. Um dia chegarei a esse nível de burrice orgulhosa e conseguirei me efetivar como madame sem depender de grupos de whatsapp.
"É por isso, entre outras coisas, que algumas pessoas estão abandonando a esquerda — e cada vez mais pessoas vão abandonar, podem acreditar. É um ambiente tóxico. Os americanos chamam isso de call-out culture: a cultura de denunciar publicamente falas ou comportamentos considerados opressores. Para abrasileirar, podemos chamar de “cultura da rachação”. A cultura da rachação não se trata de uma conversa privada que estabelece um diálogo sobre a legitimidade ou falta dela em determinada atitude, mas de uma exposição pública de uma falha de caráter imperdoável", explica o doutor em Direitos Humanos Raphel Tsavkko Garcia.
Inventar significados ou origens para palavras do cotidiano e dar a elas um falso significado racista é praticamente um esporte para os Justiceiros Sociais "Woke". Quem questionar será imediatamente chamado de racista e xingado até entender que humilhação pública agora chama "acordar e educar". De qualquer forma, como eu já estou cancelada mesmo, vamos a três famosas expressões consideradas racistas pela Etimologia Freestyle mas que não tem nada com isso.
1. INVEJA BRANCA
Segundo a fina flor da Etimologia Freestyle, que você encontrará pesquisando o tema no Google, trata-se de "termo racista, indicaria que se trata de uma inveja “boa”, que não deseja o mal. Na prática, porém, reforça a ideia de que a cor branca é algo positivo, puro, inocente". Na verdade, trata-se do oposto.
Branca tem o sentido de velada, dissimulada, que não quer ser vista. Não parece algo positivo, nem puro nem inocente. "Nesse contexto, associado a "inveja" e outras palavras, "branco" significa "velado", "mascarado", "escondido", "disfarçado". Não tem nada a ver com o tom de pele de ninguém, nem dá sentido positivo a uma palavra que, de outra forma, seria entendida de forma negativa", explica o doutor em História Bruno Frederico Müller em publicação comentando a polêmica do BBB.
2. OVELHA NEGRA
Segundo a fina flor da Etimologia Freestyle, a expressão é racista porque diz que todos os negros são ruins enquantos os brancos são bons. De novo? Sim, você não vai querer que essa galera trabalhe para criar novas justificativas, né?
Trata-se de uma expressão que existe em diversos idiomas e é ancestral, derivada do pastoreio. Pode ter o significado ruim de não se adequar ao grupo, mas também o bom, de ousadia e irreverência.
Surge porque a maioria das ovelhas são brancas e, de vez em quando, nasce uma raridade, a ovelha negra. Eram tidas como tradicionalmente mais impetuosas, recusavam-se a acompanhar o rebanho.
Ovelha negra é o contrário de "maria vai com as outras", grosso modo. Se isso é bom ou ruim depende da sua opinião sobre a necessidade de ser igual ao padrão do grupo. Se um é bom, o outro é ruim.
3. CRIADO-MUDO
Esse ganhou um destaque danado devido à maior pérola de Etimologia Freestyle da história do Brasil, o caso Etna. A empresa de móveis deliberadamente inventou uma história sobre a origem da palavra. Todo designer - e lá há inúmeros - sabem que é mentira, fake news para criar público, passar imagem de antirracista sem precisar ser, e um novo argumento autoritário para admoestações públicas.
"Em 1820, os escravos que faziam os serviços domésticos eram chamados de criados. Alguns desses homens e mulheres passavam dia e noite imóveis ao lado da cama com um copo d’água, roupas ou o que mais fosse. Porém, alguns senhores achavam incômodo o fato de eles falarem, e muitos chegavam a perder a língua. Outros sofreram duras punições para “aprender" a nunca se mexer quando houvesse alguém dormindo. Um dia, surgiu a ideia de uma pequena mesinha para ficar ao lado da cama, usada basicamente para apoiar objetos. Esse móvel exercia a mesma função do escravo doméstico e foi chamado de criado. Então, para não confundir os dois, passaram a chamar o móvel de criado-mudo. Dois séculos depois, sem nos dar conta, ainda carregamos termos racistas como esse, mas sabemos que é sempre tempo de mudar e evoluir", mentiu a empresa Etna.
O móvel tem origem inglesa, atestada desde o ano de 1749. Tratava-se no início de um móvel auxiliar para dispor pratos e talheres, chamado de "dumbwaiter", que seria "garçom mudo". Hoje, dumbwaiter é aquele pequeno elevador comum em restaurantes para transportar pratos e talheres.
No Brasil, o termo foi registrado pela primeira vez no final no século XIX e queria dizer duas coisas: bidê e velador. Esse último é o que virou o único chamado de criado-mudo mesmo.
Racismo é um problema. Inventar que algumas práticas têm origens racistas só para patrulhar outras pessoas é outro problema. Juntos, diminuem a autoconfiança de pessoas negras. É o que acaba de revelar uma pesquisa do cientista político Erik Kaufmann para o Manhattan Institute, think tank progressista. Ser exposto a literatura "antirracista" diminui em 15% a sensação de pessoas negras sobre conseguir controlar a própria vida. Se o negócio é perpetuar o racismo para manter o mercado, estão no caminho certo.
"Nada disso significa que o racismo seja um problema imaginário. No entanto, os esforços para reduzi-lo devem ser baseados em fortes evidências empíricas e medidas livres de viés. Os riscos de ignorar o racismo são claros: a injustiça pode persistir e crescer. No entanto, também há perigos claros em exagerar sua presença. Isso vai muito além do ressentimento e da polarização da maioria. Uma narrativa gerada pela mídia sobre o racismo sistêmico distorce a percepção das pessoas sobre a realidade e pode até prejudicar o senso de controle dos afro-americanos sobre suas vidas", diz o estudo.
Segundo Erik Kaufmann, "John McWhorter regularmente aponta que o trabalho de autores de Teorias Raciais Críticas como Ibram X. Kendi, Ta-Nehisi Coates e Robin DiAngelo tende a dotar os brancos com o poder de mudar a si mesmos enquanto retrata os negros como sujeitos passivos cujo destino depende da boa vontade de pessoas brancas". Ele apresentou passagens de um dos autores a pessoas negras. A autoconfiança delas caiu 15% na fase seguinte do estudo.
A explicação do estudo não é racial, é ideológica. Todo o discurso do Justiceiro Social Antirracista consiste em um bando de coitadinhos negros esperando a defesa de brancos heroicos via lacração em rede social e patrulhamento de linguagem. E eles estão bem firmes nisso. Como vemos, brancos e hispânicos moderados, liberais e muito liberais vêem o racismo como um "Problema Muito Grande" nos Estados Unidos. Ocorre que os negros desses grupos ideológicos não vêem tanto problema em racismo quanto os negros de grupos conservadores.
Verifique hoje quantos ignorantes orgulhosos da própria ignorância estão dizendo que "inveja branca" é uma expressão racista usada pela participante do Big Brother. Vão arrumar mil justificativas para a suposta boa intenção. Que a levem ao lugar historicamente lotado de boas intenções do gênero. Distorcer e mentir para humilhar publicamente outras pessoas é bom para criar mercado e ganhar likes em grupos autoritários. Transpor essa picaretagem para a realidade é algo que cobra um preço alto e já estamos pagando.