| Foto: Reprodução/Instagram
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A bancada da live veio para ficar ou os eleitores vão perceber que eles não entregam? É uma pergunta complicada e que não se restringe à realidade brasileira, repete-se em todo o mundo. A sensação de que o ambiente político se radicalizou é generalizada e não tem explicações fáceis, a não ser entre os próprios radicais. Existe uma conjunção de fatores, passando pela evolução tecnológica e economia, que acabaram contribuindo para a radicalização.

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O Think Tank "The Conversation", fundado por várias das universidades mais importantes dos Estados Unidos, acaba de publicar a análise de uma compilação de vários estudos que ajudam a explicar a radicalização política. Quanto mais radical, seja de esquerda ou de direita, mais espaço o político terá na mídia tradicional. Não se trata de opinião, mas de fato, apontado por levantamento de mais de 50 mil reportagens nos últimos 20 anos.

É possível alegar que é natural colocar no noticiário o que mais chama a atenção, mas seria uma explicação bastante simplista. Afinal, por que houve uma mudança sobretudo a partir de 2010 e antes não era assim? Sempre o noticiário foi sobre o que mais chama a atenção. Os professores universitários Johanna Dunaway, Jeremy Padgett e Joshua P. Darr acabam de publicar um artigo com exemplos práticos de como as mudanças no mercado da comunicação dos Estados Unidos têm um reflexo claro na qualidade da política, sobretudo no Legislativo. É uma análise que também vale para o Brasil.

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Quando alguém reclamava da qualidade do parlamento brasileiro com Ulysses Guimarães, ele advertia que a próxima legislatura seria pior. Sempre parecia inacreditável. Houve tempos em que o fundo do poço foi um Enéas aqui e um Tiririca acolá, o fisiologismo, a corrupção, as tantas chagas conhecidas da nossa política. A elas se somou outra, a "bancada da live". Não é apenas no Brasil que surgiu esse gigantesco serviço de inutilidade pública cada vez mais popular.

Dia desses, estava conversando com a deputada Janaína Paschoal sobre projetos e como dar visibilidade a ações dos parlamentares, já que o brasileiro sempre tende a pendurar no Executivo todos os sucessos e fracassos da política. A dinâmica de trabalho e as possibilidades de divulgação são muito diferentes nos Três Poderes. Na prática, somente o Executivo tem verba publicitária para anunciar em redes sociais e veículos de comunicação, o que costuma fortalecer ainda mais a visão já presidencialista do brasileiro. Falando da "bancada da live", a deputada ficou intrigada: "eu não consigo entender que hora esse pessoal trabalha". Pois é, não trabalha.

O levantamento de mais de 50 mil reportagens mostra que as mudanças na comunicação criaram uma nova possibilidade de criação de carreiras políticas, a de animador de torcida. Se, até 10 anos atrás, era preciso conjugar aparições públicas com entregas efetivas, hoje compensa bem mais para os políticos investir exclusivamente em declarações bombásticas. A "bancada da live", cujo trabalho legislativo é unicamente o de entretenimento sensacionalista, é um fenômeno mundial.

No dia de hoje aqui no Brasil vivemos mais um frenesi da "bancada da live", a prisão do deputado Daniel Silveira, um peso pesado da categoria. Foi eleito utilizando o discurso de policial, mas amargou dezenas de prisões administrativas e infrações disciplinares na polícia. Diz se orgulhar disso. Só não foi expulso da polícia porque emendou uma licença médica na outra. Como chegou ao parlamento? Xingando muito, é algo que funciona hoje no mundo todo. No início da legislatura, cheguei a fazer uma série especial em que o nobre parlamentar xingava os próprios eleitores para defender o Partido Comunista Chinês.

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O mais recente trabalho videográfico do nobre parlamentar inclui passagens como "qualquer cidadão que conjecturar uma surra bem dada nessa sua cara com um gato morto até ele miar, de preferência após cada refeição, não é crime" e "por várias e várias vezes eu já te imaginei levando uma surra. Quantas vezes já imaginei você, e todos os integrantes dessa corte aí, na rua levando uma surra. O que é que você vai falar? Que eu tou fomentando a violência?". Não pense que só no Brasil mesmo porque há cópias disso no mundo todo e, segundo a análise dos professores norte-americanos, razões muito objetivas para que o grotesco funcione para alavancar carreiras.

Nos Estados Unidos, a parlamentar Marjorie Taylor Greene perdeu várias funções no Congresso após uma coleção de atuações do mesmo estilo. Entre elas, apoio à ideia de matar a colega Nancy Pelosi com uma bala na testa e enforcar Barack Obama. Fez bullying contra um adolescente que sobreviveu a um tiroteio escolar, dizendo que ele é covarde, e atraiu uma horda de ataques ao garoto. Espalhou todo tipo de teoria da conspiração maluca. Após a punição, tuitou que "acordou gargalhando" ao perceber que seus colegas eram "um bando de retardados" por dar visibilidade às suas ideias. Agora, já pediu desculpas por tudo e se diz arrependida. O fato é que funcionou para conseguir se eleger.

Outro caso emblemático é do jovem deputado Madison Cawthorn, de 25 anos de idade. Sem nenhuma realização que justificasse, acabou ganhando um enorme espaço de mídia por declarações bombásticas e rapidamente conseguiu se reposicionar após a invasão do Capitólio. Até o dia anterior parecia apoiar os manifestantes, mas saiu-se muito bem com uma versão em que considerava que houve uma distorção do conceito de patriotismo. Também teve destaque nacional. Em um email para os próprios colegas deputados, explicou que construiu a equipe de mandato muito mais focada em mídia do que em atividade legislativa.

O declínio da imprensa local é um fator importantíssimo para a radicalização política, segundo o levantamento dos acadêmicos norte-americanos. Ainda que tivessem projeção midiática com temas nacionais, parlamentares ganhavam voto pelo que realmente entregavam em suas bases. Essa cobrança era feita pela mídia local, que ficou cada vez mais enfraquecida com a nova dinâmica da comunicação, combinando redes sociais e veículos tradicionais. A solução para o político é chegar à mídia nacional, o que ele consegue radicalizando o discurso, sendo violento ou brigando com jornalistas.

O fenômeno não é o surgimento das redes sociais, mas a relação íntima entre o poder político e a forma de divulgar informações. O primeiro registro dessa interferência é feito no livro "The Image", de Daniel Boorstin, em 1962. Ganhador do Pulitzer e diretor da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, ele cria o conceito de pseudo-eventos para definir a mudança na cobertura jornalística da década de 1950 e início da década de 1960.

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Nesse período começaram a surgir as entrevistas coletivas à imprensa convocadas por membros ou comissões do Congresso. Na dinâmica de trabalho dos veículos jornalísticos, isso significava necessariamente destacar um profissional ou uma equipe para aquele evento. A notícia deixava de ser um evento que se avaliava de interesse público por critérios jornalísticos, mas um pseudo-evento, a entrevista coletiva em si. Como todos os veículos cobririam, uma equipe havia sido destacada e era preciso preencher o espaço do jornal ou tempo de rádio e televisão, o pseudo-evento era promovido a evento. Foi o primeiro passo da distorção, segundo Daniel Boorstin.

O novo estudo aponta um outro marco na história norte-americana em que a mídia remodelou a estrutura do poder do Congresso, o caso Watergate. Logo após ele, foram eleitos 93 parlamentares apelidados de "Watergate babies" porque eram diretamente beneficiados pelo processo. Desta vez, o benefício não era exatamente no equilíbrio de forças políticas, mas nas novas possibilidades de conquistar poder. Até aquele ponto os políticos dependiam da combinação entre o trabalho de bastidores com outros políticos e o bom relacionamento com suas bases. Depois da transmissão televisiva do Watergate, discursos políticos incisivos sobre questões nacionais passaram a ser uma forma de chegar ao poder.

Os "Watergate babies" fizeram com que todas as reuniões de comitês passassem a ser televisionadas, o que leva um passo adiante a equação de mídia com poder político. "As táticas que fazem uma boa televisão são muito diferentes daquelas para ter sucesso no sistema de comitês. Romper com a linha do partido gera punições se os comitês são a forma de progredir e os líderes do partido controlam as atribuições. Mas essa mesma divergência com relação à linha do partido é recompensada quando a exposição na mídia se torna uma moeda valiosa: destacar-se da multidão pode atrair a atenção dos meios de comunicação que buscam destacar a controvérsia para atrair espectadores. Depois, há a mídia social, que permite aos políticos contornar repórteres e editores. Em vez de apenas esperar que os repórteres publiquem suas citações, os representantes podem tweetar e postar o que quiserem, alcançando um grande público de apoiadores e doadores", concluem os pesquisadores.

Os pesquisadores dividiram o Congresso dos Estados Unidos em 5: centro, esquerda, direita, extrema-esquerda e extrema direita. Analisaram mais de 50 mil reportagens dos principais veículos sobre temas nacionais e concluíram que os políticos dos extremos recebem muito mais atenção da mídia do que os moderados ou de centro. Conflito faz sucesso na televisão e mais ainda nas mídias sociais. Os políticos recebem hoje todo incentivo para não trabalhar e passar o dia causando. Não há nenhum retorno positivo por trabalhar atendendo os eleitores, já que esse tipo de exposição é típico de um jornalismo local cada vez mais em crise. A alternativa é buscar espaço na mídia nacional, que efetivamente dá mais oportunidades aos mais radicais.

Desde 2008 os veículos locais de mídia dos Estados Unidos cortaram metade do pessoal. No Brasil, 62% dos municípios nem têm mais cobertura local. Todos os repórteres mortos ou desaparecidos durante o trabalho e por razões de trabalho no Brasil nos últimos 10 anos são de veículos locais. O jornalismo local fortalece os eleitores porque tem o foco no que interessa, o trabalho realizado pelo parlamentar. Quando ele deixa de existir, o político vai usar as armas que tiver para se manter na mídia. Fazer absurdos, xingar, causar e perseguir jornalistas tem dado bem certo. Por que vão parar?

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Houve um breve período em que se imaginou uma rivalização entre veículos tradicionais e mídias sociais, mas o mercado é rápido em se acomodar. Não foi diferente desta vez. Atualmente, um dos principais motivos de uso de redes sociais, troca de mensagens, likes e comentários é o compartilhamento de notícias. Por outro lado, a maioria dos acessos a noticiários é feito por meio das redes sociais. A situação se acomoda assim também por questões econômicas. Empresas de telecomunicação dão acesso gratuito às redes sociais pelo celular, mas cobram o acesso aos sites dos veículos de comunicação.

A mudança no cenário também teve impacto na forma como os veículos nacionais se comportam, dando cada vez mais visibilidade aos mais radicais, sejam entrevistados ou nos próprios quadros. Para os pesquisadores, se esse processo não for enfrentado, não é possível enfrentar a radicalização política. "Qualquer solução exigiria mudança no noticiário nacional de TV. As redes poderiam apresentar uma variedade de pontos de vista em vez de ir para os extremos, incluir mais perspectivas de jornalistas locais ou dar holofotes a acordos tanto quanto às divergências,o que ajudaria a reverter essa dinâmica", dizem os pesquisadores.

Hoje, a Câmara dos Deputados distribuiu as relatorias do orçamento da União, começou a discutir a obrigatoriedade do teste do pezinho ampliado no SUS, iniciou discussões sobre crédito para pequenos e médios produtores rurais, apresentou uma proposta nacional para renegociação de aluguéis não residenciais atrasados na pandemia, entre várias outras coisas. O que faz mais diferença na sua vida, esses temas ou a nonagésima primeira prisão de um deputado que só não foi expulso da polícia porque conseguiu se eleger xingando e fazendo ameaça? Qual informação foi mais entregue a você, a mais importante ou a que faz um entretenimento melhor?

Está muito na moda buscar o pecado original em tudo, quem foi o primeiro culpado. Se foi golpe ou não, se apoiou Lava Jato, se fez o impeachment do Collor, se esteve ao lado da ditadura militar. Nada disso nos tirará desse atoleiro. O que está em discussão não é uma competição por culpa na radicalização entre políticos e mídia, mas uma solução para esse hospício em que nos metemos. É fato que compensa muito mais para um parlamentar fazer vídeo xingando do que trabalhar no orçamento do país, aliviar empreendedor que naufragou na pandemia ou garantindo a saúde das próximas gerações. Isso não vai mudar se ninguém der o primeiro passo.