| Foto: Mathieu Lewis-Rolland / AFP
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Nos Estados Unidos, o terrorismo islâmico já é visto como parte do passado. São os próprios norte-americanos que assumiram a dianteira neste mercado desde 2017, especificamente aqueles radicalizados politicamente e ligados a grupos de extrema-direita nas redes sociais. Parece surreal, mas em 2019, o FBI identificou as 3 principais teorias conspiratórias partilhadas por autores de atentados: governo global, domínio sionista e rede mundial de intelectuais a favor da pedofilia. A questão não é o assunto, mas o contexto. Os grupos são formados usando técnicas de lavagem cerebral que tendem a radicalizar pessoas quanto mais contato elas tenham.

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É um processo complexo para compreender e parece quase fantasioso. No caso brasileiro, o primeiro relato desse contexto escrito por quem acompanhou o processo de radicalização está prestes a ser lançado. Michele Prado, pesquisadora, que se define ideologicamente como direita, publica no mês que vem "Tempestade Ideológica", em pré-venda. Ela relata o passo-a-passo da radicalização de grupos criados inicialmente com boas intenções e em torno de causas nobres. Foi ela, aliás, quem me alertou para o uso dos games na radicalização das crianças, possibilidade que se cogitava há algum tempo entre os desenvolvedores. Eles viam semelhanças nos gatilhos emocionais usados para tornar um game interessante e aqueles dos grupos radicais, a diferença agora é que realmente há fatos.

No Reino Unido, o governo já criou uma Comissão de Combate ao Extremismo e existem serviços de apoio semelhantes ao Alcoólicos Anônimos. Pessoas que já fizeram parte de grupos radicais políticos oferecem apoio aos que começaram a perceber o quanto foram enganados. A preocupação maior é com as crianças. Semana passada foi condenado o mais novo terrorista doméstico, um menino de 13 anos de idade. Os recrutadores usam versões de games como Roblox e Minecraft para chegar às crianças.

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Segundo o jornal britânico Guardian, nos últimos 18 meses pelo menos 17 crianças foram presas por envolvimento ativo em redes de terrorismo doméstico. Em Derby, a polícia desmantelou um grupo neonazista que era liderado por um adolescente de 15 anos. Investigando como pessoas tão novas podem se envolver em atividades tão violentas a ponto de montar bombas e fazer atentados, o governo descobriu a nova técnica: videogames.

Os algoritmos utilizados pelas redes sociais já são suficientes para radicalizar até adultos bem formados e com acesso à informação. A manipulação é emocional. Trata-se de dar uma sensação de propósito de vida às pessoas, muitas delas aparentemente de sucesso e com status. Muitas vezes não sabemos as chagas do coração de pessoas próximas de nós mas recrutadores radicais, com o objetivo de chegar ao poder, conseguem essas informações comprando das plataformas de redes sociais. Os games, uma arma ainda mais poderosa, estão sendo utilizados especificamente para radicalizar crianças e adolescentes, de acordo com o governo britânico.

Games muito utilizados até por crianças, como o Roblox, hit entre os menores de 14 anos, viram máquinas de radicalizar. Grupos extremistas criam experiências em que o usuário pode repetir atentados como o de Uttoya, Christchurch ou o assassinato da deputada Jo Cox. Videogames não foram inventados como brinquedos, mas como condicionamento de soldados para a guerra. Se utilizados deliberadamente para radicalizar, são efetivos.

O grupo radical Patriotic Alternative, que mira em adolescentes um pouco mais velhos, utiliza uma versão própria do Call of Duty para promover treinamentos de combate entre seus seguidores. A competição mais recente foi feita logo após a condenação do terrorista de 13 anos, identificado como "The Commander". Ele era o líder do braço britânico de uma organização radical que pregava o colapso social pelo terrorismo. A competição de games após a condenação foi organizada pelo fundador do Patriotic Alternative e só puderam jogar os membros pessoalmente convidados por ele.

O Reino Unido estuda agora qual a combinação de fatores emocionais, psicológicos, sociais e econômicos que deixa adolescentes tão expostos à radicalização. Um ponto pacífico é a falta de propósito na vida cotidiana, confrontada com a oferta de uma missão a cumprir pelo grupo radical. Nesses grupos, as pessoas têm um falso senso de elite, de ter um conhecimento acima dos demais e são convencidas de que têm uma missão a cumprir na defesa de algo importante para todos. O contexto é sempre de uma ameaça, um inimigo que quer suprimir algo importante para o grupo.

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O governo do Reino Unido está fazendo uma revisão da legislação para verificar se é ou não capaz de lidar com o novo extremismo, descrito por três características básicas:
1.Que pode incitar e amplificar o ódio, ou se envolver em ódio persistente, ou se equivocar e fazer da violência algo moralmente necessário;
2.Que se baseia em crenças odiosas, hostis ou supremacistas dirigidas a um grupo externo que é percebido como uma ameaça ao bem-estar, sobrevivência ou sucesso de um grupo interno;
3.Que causam, ou podem causar, danos a indivíduos, comunidades ou sociedade em geral.

Há muitos críticos que relacionam a radicalização de crianças e adolescentes à falta de supervisão ou de boa convivência com pais e familiares. Pode haver alguma relação, mas não custa lembrar que outras gerações também têm se radicalizado e encontram muito mais dificuldades em entender a tecnologia do que os adolescentes. O ponto mais importante a ter em mente é que o problema não está nem na tecnologia em si, como os games, nem com o debate de alguns temas, mas com o contexto. A grande pergunta é: qual o vínculo daquele adolescente dá a ele seu grande propósito de vida? Se for com o grupo radical, estamos diante de um problema enorme.

No Brasil e nos Estados Unidos, adultos bem formados têm integrado ou financiado grupos radicais. Felizmente, o fenômeno ainda não chegou às crianças. A raiz, no entanto, é sempre a mesma: qual o grupo ao qual somos vinculados que mais dá sentido às nossas vidas. Pessoas que não se sentem úteis e reconhecidas na família ou no trabalho, mesmo que sejam, agarram-se facilmente a grupos radicais. A diferença dos adolescentes é que nesses grupos adquirem um tipo de poder impossível para eles fora da radicalização.

Adultos têm muito mais possibilidades e formas do que os adolescentes para assumir protagonismo e ter status social. Imagine quando falamos de adolescentes que se sentem sem chances ou sem propósitos. Horrorizar as pessoas liderando movimentos violentos ou de terrorismo dá a adolescentes e jovens adultos frustrados um tipo de poder, exposição, influência e protagonismo que jamais esperaram ter. É por isso que se agarram cada vez mais ao grupo e passam a se convencer de toda e qualquer teoria estapafúrdia dos radicais, porque precisam de um senso de missão.

As missões mais comuns são defender sua cultura de um governo global oculto; defender pessoas brancas da dominância de asiáticos, negros e árabes; defender a masculinidade contra o movimento feminista; defender a cultura local contra o avanço do sionismo; defender a cultura local contra as investidas do islamismo. No serviço de resgate oferecido por ex-integrantes de grupos radicais, as histórias se repetem. Mistura-se uma ponta de verdade com uma teoria que exagera riscos para dizer que eles precisavam cumprir uma missão.

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É possível questionar regras transnacionais, respeito à cultura local, exagero de movimentos identitários e formas de integração de imigrantes. Não é isso, no entanto, que fazem os grupos radicais. Eles interditam a discussão e miram nos adolescentes mais frágeis, utilizando elementos da cultura, como videogames, para fazer com que se imaginem soldados com uma missão. Familiaridade é mais importante que verdade para o nosso cérebro. Um game é uma ferramenta excelente de aprendizado, mas pode ser usado também para radicalização.

Outro problema enfrentado no Reino Unido é a utilização de fóruns de games, principalmente no Telegram, para passar instruções práticas de atentados. Como o Roblox e o Minecraft são jogos de construção e muito famosos, os radicais passam instruções para construir bombas reais fingindo que se trata de dica de jogo. Por exemplo, deixam mensagens como "você quer aquela dica de como fazer a bomba do Roblox para a caixa de correio?", só que a instrução é para a vida real. Vários adolescentes já executaram esses planos e passam a ter status nos grupos extremistas.

O grande desafio é como identificar o potencial de radicalização e recuperar essas pessoas. A recuperação, pelas experiências até agora, depende de criar situações que façam a pessoa enxergar sozinha o quanto foi enganada. Duas táticas são fazer procurar trechos do alcorão ou o tal "Decálogo de Lênin", mas trata-se de um processo longo. Já o potencial de radicalização tem 3 indicadores importantes:
- o adolescente crê que sua única alternativa de vida está naquele grupo específico;
- o grupo fornece sempre soluções simples e indiscutíveis para questões muito complexas;
- pessoas de fora do grupo não são respeitadas.

Nunca foi tão necessário dar atenção à saúde mental de adolescentes e adultos jovens, principalmente aqueles que se sentem sem possibilidades de sucesso ou reconhecimento social. Aprendemos historicamente a identificar sinais de radicalização que dependem de aderir a um grupo, ir a lugares, participar de manifestações. Hoje é possível radicalizar um jovem via computador ou celular. Ele sai direto do quarto para a bomba. A única prevenção é chegar neles antes de quem tem sede de poder. A alma humana é faminta por propósito e aceitação. Se um grupo ou família cancelam um jovem, sempre haverá quem o aceite.