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Madeleine Lacsko

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Reflexões sobre princípios e cidadania

Facebook x Trump: o que não te contaram sobre esse divórcio

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(Foto: MANDEL NGAN/AFP)

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Estamos observando uma variedade de divórcios entre milionários famosos das Big Techs. Jeff Bezos e Mackenzie Scott acabam de perder o posto de divórcio mais caro do mundo para Bill e Melinda Gates. O deles é de 5 vezes o valor, aproximadamente US$ 146 bilhões.

O dono da Amazon ainda não acabou de dividir na prática o dinheiro com a ex. Especula-se que parte nem vai ser dividida, ficará em um fundo ao qual os dois terão acesso controlado. Imaginem US$ 38 bilhões. Bilhões. É muito acima do nível espiritual do meu círculo de relacionamentos, onde se bate boca até por faqueiro em separação.

O divórcio mais quente, no entanto, é entre o milionário ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump e o Facebook. O amor tórrido que levou o casal ao topo do mundo se desfez diante do final da presidência. Trump tomou block do Facebook. Hoje houve mais um capítulo em que o Supremo Tribunal do Facebook meteu a colher fingindo manter a separação, mas era só jogo de cena. Acendeu-se a luz de uma reconciliação. Quem sabe logo.

Showman nato, Donald Trump deu um jeito de ocupar espaço na mídia bancando o indignado. Não se conformava com a decisão tomada hoje pelo Supremo Tribunal do Facebook, que o mantém ainda fora da rede social e também do Instagram.

O Facebook também se beneficiou ao posar de bonzinho diante do público anti-Trump. Parece que está moralizando as coisas, botando ordem na casa. Ninguém nem questiona que história é essa de Supremo Tribunal do Facebook, já ficou naturalizado. Quando o pessoal gosta da decisão prefere não criar encrenca.

Ocorre que a decisão não foi continuar o banimento de Trump, muito pelo contrário. O Supremo Tribunal do Facebook inovou ao dizer que ninguém mais poderá ser banido para sempre da plataforma e que o caso de Trump tem de ser revisto até julho. Todo mundo que já foi expulso poderá voltar um dia. Me pergunto qual será a regra para o pessoal do Estado Islâmico.

Faço questão de traduzir os primeiros parágrafos da decisão do tal "Oversight Board" do Facebook, que eu costumo chamar de Supremo Tribunal de Internet, cujo funcionamento expliquei em detalhes neste outro artigo e retomo mais adiante.

"O Board manteve a decisão do Facebook de 7 de janeiro de 2021 de restringir o acesso do então presidente Donald Trump para postar conteúdo em sua página do Facebook e conta do Instagram.

No entanto, não era apropriado que o Facebook impusesse a pena indeterminada e sem padrão de suspensão por tempo indeterminado. As penalidades normais do Facebook incluem a remoção do conteúdo infrator, a imposição de um período de suspensão com limite de tempo ou a desativação permanente da página e da conta.

O Conselho insiste que o Facebook analise este assunto para determinar e justificar uma resposta proporcional que seja consistente com as regras que são aplicadas a outros usuários de sua plataforma. O Facebook deve concluir sua análise deste assunto dentro de seis meses a partir da data desta decisão.

O Conselho também fez recomendações de políticas para o Facebook implementar no desenvolvimento de políticas claras, necessárias e proporcionais que promovam a segurança pública e respeitem a liberdade de expressão".

A primeira missão do tal "Oversight Board" do Facebook foi cumprida com maestria. Você viu alguma crítica ao julgamento de hoje? Os maiores críticos do Facebook foram contratados a peso de ouro para fazer parte desse órgão independente que revê decisões seguindo um processo quixotesco e anedótico. Pouco importa que a única decisão seja dizer que quem manda é o Facebook, o importante é naturalizar o conceito de empresa-Estado.

A relação de Donald Trump com o Facebook é especialmente problemática porque se trata de uma relação nebulosa e muito promíscua envolvendo a política da maior democracia do planeta. Ocorre que promiscuidade com político e manipulação emocional e psicológica do eleitorado não é o prato do dia dessa rede social só nos Estados Unidos. Além disso, há problemas sérios de facilitação de atividade criminosa e crime organizado no mundo todo.

Em todo o mundo há esforços de regulamentação das Big Techs. São o único ramo da economia que obedece lei onde e se quiser, escolhe onde paga imposto, não paga por matéria-prima nem toda mão de obra e, quando causa dano, dá uma de louca e bota a culpa em alguém.

Além disso, é um mercado que opera de forma completamente predatória, inviabilizando o crescimento de novas empresas. As que se recusam a ser compradas pelas gigantes são sistematicamente aniquiladas por elas. Nenhum outro ramo da economia opera assim porque todos os demais obedecem regras legais e regulatórias que as Big Techs simplesmente escolheram não obedecer.

Um truque muito eficiente para manter tudo como está é jogar a carta da liberdade de expressão. O Facebook diz que cada um é livre para dizer o que pensa. Brinca com o imaginário do cidadão comum, que usa a rede para isso mesmo e não será defendido pela empresa. Pouco importa o conteúdo, o Facebook defende o contexto em que faz o que quiser com seus dados e distribui informações criando bolhas, falsos consensos e falsas polarizações.

Há quem defenda que basta sair das redes para deixar de pensar em tudo isso. O mundo já foi assim, não é mais. As Big Techs são tão grandes, poderosas e com uma capilaridade tão impressionante que interferem na vida real de todos. Até quem se recusa a fazer parte de redes sociais pode ser afetado pelo que se passa ali.

Um exemplo trágico que todos conhecem, o da moça assassinada no Guarujá ao sair da igreja. Nem perfil no Facebook ela tinha. Uma foto dela circulou com o boato de que seria satanista e faria rituais para matar crianças. Foi linchada por pessoas que acreditaram na história. Anteontem a tortura e assassinato de Fabiane Maria de Jesus completou 8 anos e ainda tem gente achando que é só sair da rede social para resolver o problema do fanatismo e radicalização.

As redes sociais tentam fazer analogias com outros serviços, como Correios ou companhias telefônicas para se isentar de responsabilidade. Já não cola mais. Como as redes sociais coletam todas informações sobre você e sua família, escolhem qual informação você vê, de qual grupo faz parte e quem vê qual informação que você publica, o tipo de responsabilidade é diferente.

Mark Zuckerberg deve acreditar que seu Supremo Tribunal do Facebook pode decidir o que é ou não liberdade de expressão. É chocante que o comunicado fale de maneira tão natural sobre uma empresa acreditar que pode aplicar penalidades, criar penas e estabelecer dosimetria de penas. Em que mundo estamos? Desde quando empresa aplica punição a cidadão? Isso é função de Estado, de autoridades constituídas.

É muito interessante para o Facebook empurrar a discussão da opinião pública para os limites da liberdade de expressão e o que pode ser ou não dito. O business da empresa não é conteúdo, é contexto. Tanto faz o que se diga ou quem diga, importa quem paga para se criar o contexto da hipersegmentação e da polarização. O nó dessa história é que ninguém sabe ao certo que dados são coletados e até onde vai a manipulação emocional e psicológica.

Ainda teremos muitas emoções nesse divórcio. Só não esqueça que o "Oversight Board" foi criado pelo próprio Facebook para mandar no Facebook. E o Facebook não precisa obedecer, só obedece se quiser ou tiver vontade. Não vou me atrever a separar o que é realidade do que é teatro nessa história.

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