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Madeleine Lacsko

Madeleine Lacsko

Reflexões sobre princípios e cidadania

Fake News e a parábola do travesseiro de penas

Muitos cristãos conhecem a parábola moderna do travesseiro de penas, geralmente utilizada para ensinar às crianças a diferença entre o perdão de Deus e lidar com as consequências dos nossos atos. Para mim, é a chave da análise do fenômeno de inundação dos norte-americanos por Fake News um ano antes das eleições.

A parábola tem diversas variações. Basta uma busca na internet para verificar em vários sites cristãos. Eu vou apresentar aqui a que me cala mais fundo, a mais fiel ao que eu aprendi no colégio de freiras passionistas nos anos 80.

PARÁBOLA DO TRAVESSEIRO DE PENAS

Um jovem, muito bravo com um desafeto, resolveu se vingar e espalhou meias verdades sobre ele. Obteve o efeito desejado: o desafeto começou a ser prejudicado e não conseguia se defender. O rapaz se arrependeu do que fez e resolveu se confessar.

O velho padre ouviu a história, deu a absolvição mas pediu, além das orações, um exercício curioso. Mandou o jovem levar um travesseiro de penas no último andar de um prédio, rasgá-lo na janela e voltar no dia seguinte para a próxima parte da tarefa.

O jovem fez tudo conforme o prometido, mas se espantou com a segunda parte da tarefa: recolher todas as penas. Disse ao padre que era impossível. O padre explicou que as penas eram a representação da difamação que ele fez. Jamais pode se prever ou deter as consequências de mentiras ou meias verdades.

O perdão infinito de Deus absolveu o jovem na confissão mas, entre os homens, ele continuará lidando com as consequências de seus atos.

Com esse pensamento de que uma mentira jamais é completamente desmentida, o que esperar das próximas eleições nos Estados Unidos, já inundados por fake news?

A ONG Avaaz fez o levantamento das 100 fake news que mais ganharam alcance no Facebook. Não bastava qualquer boato para entrar na lista, precisava ser algo já desmentido com fatos e documentos por agências de checagem.

É assustadora a forma como a desinformação se espalha e imprevisível saber que impacto terá nas pessoas. Nos últimos 3 meses, os artigos de desinformação tiveram 86 milhões de views, o triplo registrado no trimestre anterior.

Desde foram criadas, essas 100 fake news foram postadas 2,3 milhões de vezes, atingindo 158,9 milhões de visualizações (não são usuários únicos) e 8,9 milhões de interações como compartilhamentos, likes e comentários (entram na conta os bons e os ruins, ambos aumentam o alcance da postagem).

Não se sabe se é de forma orquestrada ou não, mas os americanos já foram inundados com fake news que miram nas próximas eleições. Aqui segue a lista das 5 mais acessadas, sendo que a grande campeã é tentando manchar a reputação do presidente Donald Trump. Todas estão com o link dos fatos que as desmentem:

Além da mentira, essas fake news têm alguns elementos em comum:

  • Todas são publicadas em sites que imitam o design de sites jornalísticos
  • Partem de algo que o povo já pensa sobre alguém para elencar mentiras que reforcem essa visão
  • Sugerem uma conspiração: aquela informação deveria ser pública, mas a imprensa, governo ou partido a escondem.
  • Tocam em temas que geram a reação de ódio e medo naqueles que lêem.

São técnicas de propaganda utilizadas há muito tempo por governos como o da Rússia e da China. Servem para muitas coisas além da política e têm sido utilizadas largamente no debate político após o advento das redes sociais no mundo inteiro por pessoas de todos os espectros ideológicos.

Há diversas agências de fact-checking no mundo e é evidente que não dão conta do recado. Nunca darão. Fact checking serve para contrapor notícia errada, não uma inundação desenfreada de propaganda travestida de notícia. Não falamos do racional, mas do emocional.

Gostamos de acreditar que todas as nossas decisões são tomadas racionalmente, mas não são. O emocional, principalmente os sentimentos mais primitivos, nos cega para a racionalidade. .

O objetivo desse tipo de Fake News não é convencer ninguém de nada, é provocar sentimentos negativos com relação a alguém. Suponhamos que alguém não goste do Trump ou teve um parente que é imigrante ilegal deportado. Essa pessoa recebe no Face, no Twitter e no Whatsapp, de várias outras pessoas, a "notícia" de que o pai dele era supremacista branco e o avô era cafetão. O que essa pessoa sente?

Ainda que a informação seja desmentida, o sentimento negativo com relação à pessoa difamada é reforçado porque o cérebro não tem como "desler". Ele cataloga como possibilidade.

Se o fluxo de desinformação triplicou nos últimos 3 meses, ninguém sabe a que ponto pode chegar nas vésperas das eleições do ano que vem nos Estados Unidos. Pior ainda: qual será o efeito desse movimento no estado de espírito da população diante da política?

O Poder Público dos Estados Unidos está muito mais avançado do que nós na investigação desse tipo de fenômeno, mas não consegue uma coisa: comprometimento das plataformas. Se o algoritmo do Facebook permite que a pessoa se dê bem usando esse tipo de estratégia, quem não usa fica em desvantagem. Todos nós saímos perdendo.

Quem se beneficia da desinformação irá se arrepender um dia e mostrar disposição para recolher todas as penas que espalhou? Eu, sinceramente, duvido.

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