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Madeleine Lacsko

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Reflexões sobre princípios e cidadania

Redes Sociais

Finalmente viraliza um vídeo político que presta: a rifa da fazendinha

Escola pública de Santa Catarina viraliza ao divulgar rifa do Dia das Crianças. (Foto: )

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Já gostei muito de jornalismo político, principalmente quando existiam política e jornalismo. Hoje vivemos um mundo em que a antipolítica substituiu a política. Em vez de procurar avançar em torno de denominadores comuns, cancelamos quem tiver uma vírgula de divergência. Esse espetáculo é retransmitido pela imprensa como se fosse jornalismo, é o shownalismo.

Sempre fui fã de grandes tribunos brasileiros e estrangeiros. Concordando ou não com o que falam, a oratória é algo que me encanta, sobretudo vinda dos que têm o poder de hipnotizar multidões. Há os que fazem pela vivacidade, mas pode ser pela espiritualidade, pelo brilhantismo, pelo caráter, pelo humor. Atualmente é pelo grito mesmo que ganham atenção, da mesma forma que Pablo, meu cachorro.

Quando alguém me indica um vídeo de política que viralizou eu agradeço porque fico alerta e evito. A falta de maracujina e o fechamento dos bingos fez com que se proliferasse o orgulho do descontrole emocional. Tem quem goste, eu gosto de política. Vocês não avaliam minha felicidade ao descobrir um vídeo viral de política que presta e alivia a alma, lembra quem somos. Você vai repassar por aí a rifa da fazendinha.

Às vezes a gente chora de felicidade, mas não com o cenário político. Aí aprendemos a rir de raiva, aquela risada que é uma vingança, não uma libertação. E esse vídeo é de uma sinceridade e de uma pureza que lembra infância em cidade pequena, gente honesta fazendo o que pode no dia a dia para melhorar a vida mais um pouquinho. E a risada é leve e libertadora porque a gente não ri dos outros, ri da gente mesmo, das nossas lembranças e costumes.

A reunião é da Câmara dos Vereadores de Nova Veneza, interior de Santa Catarina. Eu fiquei hipnotizada por esse vídeo e ele me trouxe um sentimento tão bom que me colocou para pensar. É de uma pureza como a das rifas que minha avó Maria e minha bisavó Angélica comprariam. Aliás, minhas tias comprariam também. Confesso, comprei 10 números. Se sair o porco, o nome dele será Klebim. Tenho 3 chances.

Resolvi ir atrás da história. Foi uma das melhores decisões que tomei. Divido com vocês um pouco de pé no chão, de Brasil de verdade, da retomada de quem somos e daquilo que é importante para nós. A política brasileira e a sociedade civil brasileira nunca foram e não são essa luta insana entre irmãos, essa briga virulenta em que nos negamos. Nova Veneza trouxe o casamento perfeito da política com a sociedade civil e a brasilidade.

A Escola Pública Municipal Mario Bortolotto é a maior do município e atende o Ensino Fundamental, principalmente alunos da zona rural. E por que uma escola pública faria uma rifa? Cogitei muitas coisas, mas fui atrás de quem sabia, o jornalista Vitor Netto, produtor da Rádio Som Maior de Criciúma. Ele é o epicentro da viralização do vídeo.

A produção recebeu o vídeo na terça à noite, mas parecia corriqueiro demais. Estamos todos focados nos "grandes temas". De qualquer forma, ele insistiu no caso e levou o vídeo ao ar, mesmo sem a entrevista com a diretora da escola. O jornalista conta que rapidamente perceberam ter virado "uma coisa meteórica". Talvez tenha viralizado pelo caráter anedótico, mas é uma peça profunda e poderosa. Tem história ali.

A vereadora Elisabete Bortolotto, que desaba em gargalhadas no vídeo, não está rindo da simplicidade do povo, está rindo de si. Ela é professora da escola que fez a Rifa da Fazendinha. Há um dito antigo que alguns dizem ser um provérbio africano: "It takes a village to raise a child" (É preciso uma aldeia para criar uma criança). Aqui vemos brasileiros colocando isso em prática, a despeito do "nós contra eles" que impera na política nacional.

Todos os anos, pais e professores acabam tirando do próprio bolso para fazer a festa do Dia das Crianças. Neste ano de tantas dificuldades, resolveram organizar a Sociedade Civil. Pais da região rural doaram o que tinham para rifar. Todos tentaram levar a notícia da rifa o mais longe que pudessem. A história foi contada em detalhes no programa Adelor Lessa, da Rádio Som Maior.

É zona rural do interior de Santa Catarina. Estão rifando o que chama-se na região de "produtos coloniais". Cada um deu o seu melhor para tentar fazer uma festa bonita para as crianças que viveram o pesadelo da pandemia. Professoras contratadas do Poder Público uniram-se à Sociedade Civil. É algo que, na política nacional, leva o nome pomposo de "parceria público-privada". Foi tão poderoso que despertou o melhor das pessoas até nessa curva de rio das redes sociais.

Antes mesmo da entrevista na rádio, a escola foi beneficiada pela viralização do vídeo. Segundo a diretora da escola, Jussara Savio, hoje de manhã já havia mais de 15 MIL números vendidos da rifa e não só para o Brasil. Teve gente que ajudou em Portugal, Espanha, Inglaterra, Alemanha, Itália, Áustria e Austrália. As redes sociais podem revelar o lado mais cruel do ser humano, mas também trazem à tona a maravilha da cooperação na era da hipercomunicação.

Publicações de ataques a grupos opostos viralizam nas redes sociais por escolha das plataformas, que programam assim seus algoritmos. Eu não tenho dúvidas de que o vídeo da Câmara de Vereadores de Nova Veneza viralizou pelo caráter anedótico. O fato é que ele foi capaz de, mesmo nessa era de tretismo, trazer à tona o melhor das pessoas. Nem houve campanha para comprar a rifa. As pessoas viram o vídeo, morreram de rir, entenderam profundamente e resolveram ajudar.

Eu não sei de que partido é cada um ali, quem é de direita e quem é de esquerda. Sinceramente, nem quis saber, não me interessa. Estão ali a união do Poder Público com a Sociedade Civil e uma preocupação pura e genuína com o bem estar das crianças que frequentam aquela escola municipal. A rifa, divertidíssima, traz também o orgulho da cultura local, da forma como as famílias colocam o pão na mesa.

Em algum momento, substituímos o Brasil real pela lógica das grandes metrópoles, em que não temos raízes. Parece que todas as pessoas são reduzidas a ideologias ou conceitos, despidas de humanidade. É algo que pode ter sido convertido em um discurso de formadores de opinião, mas não é nosso cotidiano. O Brasil não é o bate-boca ideológico, é Nova Veneza cuidando de suas crianças.

Eu sinceramente espero que a Rifa da Fazendinha seja um sucesso sem precedentes na história de Nova Veneza. E que todas aquelas crianças aprendam como suas tradições são capazes de tocar os corações de gente de todos os cantos do mundo. Que Nova Veneza nos ensine a gostar de quem somos em vez de tentar vender a imagem de quem gostaríamos ser.

Essa é a política real, a pólis, o dom de reger nossa rotina e nossos destinos. Ninguém mora no país ou no estado, moramos no municípios. A pequena Nova Veneza, uma cidade de 13 mil habitantes, conseguiu quebrar a internet para fazer uma festa de Dia das Crianças. Imagino quanto podemos conseguir quando descobrirmos como usar as redes em vez de deixar que elas nos usem.

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