Um monte de gente gosta de ficar perguntando para os outros por que eles não se inscrevem no Big Brother. Lógico que é o tipo da pergunta que se faz para quem a gente acha que anda mal das pernas. Vai chegar no Elon Musk e sugerir ir para um BBB da vida? Para a Fernanda Montenegro? Para o Papa? Claro que não. A gente vai sugerir agora no Natal para primos e cunhados encostados que não param em emprego nenhum.
O fã de BBB está bem mais para fumante do que para maconheiro, que é a personalidade do eterno ofendido de internet. O fumante sabe que cigarro não presta, só faz mal para ele, é gasto à toa, perda de tempo, enche a paciência dos outros. Não nega nada disso e fuma do mesmo jeito. O maconheiro não, ele precisa dizer que a maconha vai salvar a humanidade e ele é mais virtuoso que o resto da humanidade. A treta entre Ícaro Silva e Tiago Leifert é a colisão entre essas duas visões de mundo.
O Ícaro Silva saiu da periferia da grande São Paulo, de Diadema, pelos livros. É premiado pela atuação no Teatro, já foi indicado para prêmios importantíssimos. Pediu que respeitassem sua biografia e parassem de dizer para ele se inscrever no Big Brother. O pessoal já saiu falando que ele meteu a boca no BBB mas atuou em Malhação. É verdade. Percebam que os defensores do BBB também assistem malhação mas talvez não sejam tão fãs de livro nem de teatro.
Você pode gostar ou não do que o cara falou, ele não está impedindo ninguém de se candidatar ao BBB nem de ser fã. Só disse algo que é verdade, trata-se de entretenimento medíocre. É medíocre mesmo. Está mais certo ainda quanto a dividir banheiro. Aquele banheiro deve ser um nojo que já me dá coceira só de pensar nos cantinhos do box a partir do segundo mês de programa.
O Ícaro Silva trabalha na Globo. A Globo ficou triste porque disseram que o BBB é medíocre? Não, ela sabe quais produtos são medíocres e quais são sofisticados, há espaço para os dois. Eu também gosto de entretenimento de baixíssimo nível, como Housewives of Beverly Hills, La Usurpadora, Casa dos Desesperados com Sergio Mallandro, revelação de DNA no Ratinho. Gosto, vejo e sei que, além de medíocre, é cafona. E daí? Só que não avisaram o Tiago Leifert que BBB talvez não seja exatamente sofisticado como ele deve se imaginar.
A gente vive num país em que você pode descobrir a cura do câncer que não vão te valorizar. Mas se você participar de um reality show e começar a vender seu pum engarrafado, vão valorizar bastante e você junta para comprar apartamento em uma semana. Se me dessem uma pontinha a peso de ouro comentando teste de fidelidade do João Kleber eu iria sim, sabendo exatamente que não equivale a fazer reportagens investigativas que mudarão os rumos do país. Qual o problema? São escolhas que a vida nos apresenta toda hora.
Talvez o Ícaro Silva enchesse o bolso de dinheiro se entrasse no BBB, ficasse peladão na frente de todo mundo e participasse daquele chorume social que se forma para alegria geral da nação. Não é a escolha dele. Vive bem, tem orgulho da trajetória que construiu e não entende que fazer essa opção é uma coisa legal para ele neste momento. O Tiago Leifert, que fez essa opção, não gostou nada da história. Ele nem trabalha mais na Globo, só que saiu em defesa do emprego que ele mesmo largou porque não queria mais.
Fosse mentalidade de fumante, a escolha seria assumida naturalmente. Até porque ela transparece nessa postagem na hora do "provavelmente pagamos seu salário". Os produtos de uma emissora têm diferentes retornos financeiros e o BBB realmente fatura bastante. As métricas todas que o Tiago Leifert cita são valores que nada têm a ver com qualidade, mas estão presentes no Big Brother. Faturamento, repercussão e relevância são inquestionáveis. Mas a qualidade, meu amigo, francamente.
Ícaro tem uma visão de mundo povão. Tiago tem uma visão de mundo sapatênis. O ator nascido na periferia já viveu o universo da esculhambação e sabe Deus o que precisou fazer para poder ter status social e cultural. Vai se esculhambar num BBB? De jeito nenhum. O jornalista é de família rica e importante, filho de ex-diretor da Globo. Quando se enfia por opção em algo que não é sofisticado, fica ofendido quando alguém diz isso. Quer que o mundo mude para que ele não se sinta ofendido. É um comportamento cada vez mais comum e que leva ao autoritarismo.
As pessoas que se ofendem com tudo têm todo direito de ser assim. O que não têm é o direito de sair exigindo atitudes e mudanças dos outros, apontando o dedo e dando lição de moral. Esse movimento de classificar como inimigo todo aquele que não é 100% aderente à minha visão de mundo é dos mais perigosos que paira sobre a humanidade. Aliás, investir nisso é uma indicação expressa do próprio Adolf Hitler em Mein Kampf.
Há alguns meses fiz um artigo alertando para o perigo da naturalização dos justiçamentos ou cancelamentos. Isolar uma pessoa, atacar em enxame, ignorar nuances e taxar de inimigo todos os que questionem é algo que invariavelmente nos leva às páginas mais cruéis da nossa história recente. Separar a humanidade entre opressores e oprimidos com base em projeção e não na realidade dos fatos ou na individualidade é algo bem perigoso e que se mostrou nessa discussão.
Lá pelas tantas, uma defensora de Ícaro Silva, que se julga oprimida e com direito de fazer o que quiser por causa disso, mandou essa: "Sobre a polêmica com Tiago Leifert: judeu, né? (Desculpem-me os judeus legais que eu conheço. Isso não é com vocês".... Depois, tentou consertar: "Num ato impulsivo fiz um tweet generalizando estereótipos a toda uma comunidade [...] Como mulher negra sei das dores que o racismo provoca e reconheço o sofrimento de um povo perseguido e torturado ao longo da história."... E, mais uma vez, generalizou estereótipos e se colocou como vítima que tudo pode.
Onde prospera o discurso progressista que pretende separar as pessoas em castas e graus de opressão sem levar em conta a experiência real delas chegará o neonazismo. O método que estereotipa para dividir entre bem e mal, entre os virtuosos que tudo podem e a latrina da humanidade, é exatamente aquele defendido como método preferencial de comunicação no Mein Kampf. Hoje, na França, já é perigoso em determinadas regiões que crianças judias frequentem escolas públicas. São atacadas.
Aqueles vistos pelos progressistas como oprimidos são os muçulmanos, mas os números mostram uma realidade diferente. Há uma infinidade de dados sobre o tema no livro "La Traición Progresista", de Alejo Schapire, jornalista argentino radicado na França, ainda sem tradução em Português. Ele mostra como as reações tímidas às agressões de aiatolás ao escritor Salmon Rushdie acabam moldando um comportamento perigoso no progressismo. A barbárie do oprimido é justificada, mesmo se ele nunca tiver sido oprimido de verdade.
Quem recebe o carimbo de oprimido ganha o free pass da maldade. Nem precisa realmente ter sido oprimido na vida, basta vestir essa camisa e partir com chantagens emocionais e vitimismo para cima da maioria que vai se agachar. Sempre dá certo. Quando as pessoas se dão conta, já estão tão enredadas nas justificativas morais dos perversos que não encontram mais saída. Uma coisa é sempre certa: tem justificativa moral para todo tipo de gosto e ideologia. Preste atenção nos atos sempre.
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