No último sábado, o Renova BR formou mais de 1400 alunos com uma cerimônia na suntuosa Sala São Paulo. Havia gente de todos os Estados, muitos deles orgulhosos com suas bandeiras. Uma companhia aérea financiou as passagens dos que não tinham condições financeiras de arcar com o custo. Confesso que era uma plateia muito diferente e bem mais diversa do que imaginei ver quando iniciei esse experimento.
Não há melhor forma de conhecer um movimento do que ser parte dele. Fiz minha matrícula no Renova BR no último dia do prazo, sem me apresentar como jornalista. Descobri com dias de atraso que havia sido aprovada e finalmente teria a chance de saber o que existe por trás dos parlamentares estrelados, empresários que demonstram confiança e uma programação visual de primeiro mundo.
Muitos dos deputados mais badalados da nova geração vieram da formação do Renova BR que, na fase nacional, tinha uma bolsa para que todos pudessem se dedicar exclusivamente à capacitação. Estão no rol nomes como Tábata Amaral, Vinicius Poit, Marcelo Calero, Felipe Rigoni e Joênia Wapichana. São 16 eleitos para o legislativo que participaram do curso de formação. Todos têm atuações de destaque, sempre descolada da bancada da pancadaria e moral de chiqueiro.
Na nova edição, com 30 mil inscritos e mais de 1500 selecionados, o esquema foi diferente. Em vez de dedicação total e bolsa, um curso de Educação à Distância durante 16 semanas. As taxas de conclusão dos cursos de EAD no Brasil não chegam à metade, oscilam em torno dos 40%. No Renova BR, foram 80% os que concluíram o curso com sucesso, fazendo todos os testes, provas e trabalhos.
O material tem 96 horas de vídeo, divididas em 203 vídeos. São 103 textos, que misturam conteúdo teórico com bases de dados práticas sobre a realidade dos municípios, formas de pesquisas de dados e legislação eleitoral. Cada aluno teve de fazer, entre 5 de agosto e 24 de novembro, 11 provas. A aprovação não se dava pela nota, mas pela entrega das tarefas.
É justo que eu deixe claras minhas desconfianças iniciais. Pensei se tratar de um programa com nítido viés liberal - foi criado por empresários - que traria uma tônica política travestida de técnica. Também duvidei que fosse possível acompanhar o progresso dos que estavam sendo treinados. Nada disso acontece.
A confirmação da matrícula custa R$ 200 e o valor é devolvido na conclusão a menos que o formando queira doar para o Renova BR. A turma foi subdividida em diversos grupos, cada um a cargo de um monitor, conectados o tempo todo por whatsapp. As comunicações são feitas tanto ao grupo quanto individualmente e, pelo menos no meu caso, o monitor sempre esteve disponível, respondia rápido e realmente tentava resolver.
O monitor acompanha o desenvolvimento de sua turma, tem os dados dos vídeos vistos e exercícios feitos na plataforma. Conversa individualmente com cada candidato sobre as dificuldades que tem encontrado e dá dicas. Há casos em que eles acabam dando apoio e conselhos em dramas da vida pessoal de quem faz o curso. Mostram compreensão e tentam encontrar um meio de encaixar os estudos nas exigências e emergências da vida real.
O conteúdo político do curso não é partidário. No Renova BR se fala sobre poder, formas de exercer poder, técnicas (lícitas) de negociação e fatos históricos. Vários professores fazem defesa da democracia e do regime democrático, lembrando que nele cabe a diversidade ideológica.
O curso é realmente voltado para os municípios, explicando o que fazem vereador e prefeito, qual a realidade dessas duas formas de representação no tabuleiro político brasileiro e onde obter informações sobre as necessidades da população e as leis que já regem os municípios. Segundo o Renova BR, o objetivo do curso é:
1. Apontar o contexto brasileiro atual e compreender as atribuições dos municípios e as competências dos Poderes;
2. Conhecer os problemas cotidianos dos municípios brasileiros e identificar iniciativas capazes de impactar na superação dos desafios;
3. Aplicar estratégias, técnicas e ferramentas que proporcionem inserção, atuação e relevância política
4. Identificar atributos e práticas da boa política.
Embora o debate político acalorado esteja em alta e muita gente se eleja com essas pautas nos municípios, o curso mostra que o dia-a-dia da Câmara Municipal e da Prefeitura tem pouco a ver com os debates que mitam nas redes sociais. São 40 professores diferentes em 30 disciplinas que falam sobre os desafios das cidades, liderança e comunicação política.
Nenhum professor propõe fórmulas prontas para candidatos e cidades, nem mesmo os de comunicação. Não há um pacote sendo vendido, mas uma ideia de valorização do conhecimento e da política feita com base em dados, ciência e custo-efetividade das iniciativas. O feedback das provas é individual e vai muito além de uma nota. Os professores fazem um pequeno relatório mostrando que parte do material entregue está dentro das expectativas e por quê. Também aponta o que falta no material e de que forma essa carência poderia ser suprida.
Todo o material continua à disposição dos formados depois do término do curso. Não tenho dúvida de que, caso haja novamente eleitos vindos do Renova BR, será uma ferramenta para implementar uma lógica diferente nos projetos políticos, a da política com base em dados. Em todas as áreas somos inundados por projetos com excelência midiática e que não entregam o que a população espera deles. Mudar a forma de legislar focando em instrumentos para real solução de problemas é uma necessidade do Brasil.
Nos grupos de whatsapp, surpreendentemente não se debate política. Os alunos compartilham experiências e conquistas pessoais, falam do conteúdo do curso, trocam ideias, tiram dúvidas. Pesquisei sobre alguns colegas e concluí que estava em um grupo que, em condições normais das redes sociais, jamais teria um diálogo civilizado como aquele.
O nome de Luciano Huck apareceu uma única vez no grupo do qual eu fazia parte. Foi quando se espalhou feito pólvora uma "notícia" feita para este fim, conteúdo tecnicamente conhecido como "click bait". O título dava a entender que o apresentador emprestou seu jatinho a Lula, sem dizer com todas as letras - na matéria se via que não era nada disso.
Meia dúzia de pessoas queria que o monitor do grupo explicasse essa história, uma narrativa falsa que certamente rendeu muitos cliques e retorno financeiro. Aproveitei para bancar a jornalista e expliquei a técnica de comunicação utilizada nesses casos. A notícia em si é feita de forma correta, mas a chamada é bem apimentada, às vezes dando a entender algo muito diferente da notícia em si. A intenção é convencer sobre a mentira apenas pelo tempo necessário para obter compartilhamento. Muitos se arrependem depois de cair na pegadinha.
A reação do grupo à minha intervenção foi muito tranquila. Alguns agradeceram e muitos começaram a observar quando recebem informações que não foram feitas para informar, mas para obter compartilhamentos ou chocar as pessoas.
A troca de informações no meu grupo de whatsapp continua. Hoje, um colega manda as fotos da audiência da qual participa em Brasília, sobre as candidaturas avulsas no STF. Os demais, em vez de comentar o que pensam do assunto, como é automático nas redes sociais, dão parabéns a ele pela oportunidade de presenciar um momento tão importante para o Brasil.
Não sei se devido aos conteúdos ou à convivência, muitos de nós fomos aprendendo a apurar o olhar para a realidade do outro. Esse exemplo, de um colega, mostra um tipo de preocupação que a maioria de nós não mostrava no início do curso.
"Por mais esdrúxulo que pareça, tem gente sim que não tem os macetes básicos de viajar de avião. Assim como, por exemplo, teve gente que andou aqui em SP pela primeira vez de metrô. Ou seja, fica esse aprendizado para que pensemos em gerar conteúdo para instruir todas as pessoas. Quem tem costume de viajar, avião, Uber, metrô, nem percebe, vai no automático, mas tem gente que, por não saber, literalmente se apavora", escreveu depois de conversar com colegas que passaram por constrangimentos porque não sabiam onde começar para fazer um check-in ou pagar um Uber.
É interessante pensar que, se não fossem iniciativas como o Renova BR, vindas da camada mais abastada da sociedade, pessoas que não têm experiência em pegar avião jamais seriam vistas como potenciais líderes políticos.
Apesar de isso não estar em nenhum ponto do conteúdo, considerei a parte mais importante do curso a mudança de visão sobre quem pode ser um líder no Brasil. Se, no princípio, a diversidade é vista por muitos com um quê de condescendência, os benefícios da multiplicidade de visão são sentidos. As pessoas que não teriam lugar como líderes são preparadas para isso, vistas assim e, principalmente, se vêem como líderes. É tendência em muitas empresas da nova economia se beneficiar de quadros compostos por material humano diversificado, pessoas de vários tipos de origem, cultura e costumes fazem equipes mais eficazes e criativas.
Os alunos formados pelo Renova BR cidades são identificados por um badge, uma certificação emitida por blockchain, intransferível e contra falsificação, que pode ser inserida nas redes sociais e assinatura de email. Ser formado pelo curso não significa que o aluno partilhe da visão de mundo ou da ideologia da cúpula do Renova BR, significa que foi formado na parte técnica. Por isso, internamente se orienta a diferenciar o "aluno" das "lideranças" Renova BR - um líder da organização é necessariamente alguém alinhado com seus objetivos.
O encerramento da formatura foi um vídeo com diversas autoridades falando aos formandos do Renova BR sobre a importância de gente comum ocupar a política. Os aplausos mostraram que há muito além da Faria Lima e do sapatênis no grupo. Falaram o ministro do STF Luís Roberto Barroso, Luciano Huck, os deputados do Renova BR, os empresários que apóiam a iniciativa, todos aplaudidos.
Palmas efusivas mesmo, daquelas de apontar ganhador de concurso do Programa Silvio Santos, só duas personalidades receberam: Joênia Wapichana (deputada pela REDE) e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Não há dúvidas de que conseguiram um grupo diversificado. Resta ver se a política brasileira realmente dará lugar a gente comum ou a narrativa do político antipolítica ainda dominará o país no ano que vem.
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