A nova novela das 7h da Globo, Cara e Coragem, teria - ou, de repente, terá - na abertura a sensacional "Vida Louca Vida", de Lobão e Bernardo Vilhena, um hino para quem cresceu nos anos 1980 e 1990. Seria regravada nas vozes de dois ícones da nova geração musical, Iza e Emicida. Segundo informam os jornais do grupo Globo, os dois se recusaram a gravar por divergências políticas com Lobão.
Iza e Emicida não são obrigados a gravar nada. Mas aqui não se trata de gravar ou não, é outra a decisão. Ambos decidiram vocalizar publicamente que têm divergências políticas com Lobão e, por isso, desprezam e boicotam a obra dele. Minha pergunta é: qual posicionamento político? Só se eles inventaram. Há anos Lobão decidiu não se meter mais em política e se dedicar à música, à sua Regininha e aos gatos.
Eu achei louco ver as notícias de "divergências de posicionamento político" com alguém que anunciou publicamente que não mais iria se posicionar. Tão louco que pensei que a louca era eu. Será que eu sonhei isso e para mim virou realidade? Resolvi tirar a prova com o próprio Lobão. Mandei um zap perguntando se era impressão minha ou ele realmente tinha abandonado o barco da política. Graças a Deus eu estava certa.
"Sim, acho um desaforo prosseguir falando sobre algo que já se mostrou comprovadamente insolúvel. E, quando não há solução, não há mais problema. Estou muito feliz com esse procedimento e o resultado é que nunca produzi tanto na minha vida.", respondeu Lobão. A divergência de Iza e Emicida é com isso? E é grave ao ponto não só de não gravarem a música, mas de resolverem ir a público dizer isso?
Quanto ao Graças a Deus por Lobão não estar na política, preciso me explicar. Não é pelo fato em si mas por eu não estar louca o suficiente para ter confundido. São tempos bicudos em que ninguém sabe o que ocorreu e o que inventaram sobre outras pessoas. Fiquei aliviada ao saber que a imagem do Lobão que tenho é sobre coisas que ele realmente faz. Avalia eu estar agora feito Iza e Emicida cancelando os outros por causa da minha imaginação e meus preconceitos. Antes eles do que eu.
Talvez Iza e Emicida tenham decidido punir Lobão pelo apoio que ele deu a Jair Bolsonaro nas últimas eleições. Então vamos ter de decidir quem define o marco temporal das ações passadas. Lobão é o ÚNICO artista que comprou briga com a Globo por defender Lula abertamente no Faustão quando isso era transgressão, não obrigação da tchurma. Já que o momento presente, apolítico, não conta, quem vai definir qual o momento que conta? A lacração?
Lobão demorou mais de 10 anos para voltar à Globo por causa disso. Estamos falando de uma época em que não havia internet. Ele foi cancelado por todas as gravadoras. A ida ao Faustão no ano 2000 era para lançar um disco que ele viabilizou de forma independente, uma ação pioneira no Brasil. Qual dos nossos grandes heróis de hoje faria um sacrifício desses em nome do que acredita politicamente?
Vou além. Quem viveu os anos 1980 vê o Lobão como a pessoa mais transgressora que pode existir. Diz a lenda urbana a respeito dele que andava com algemas no bolso para já adiantar no serviço quando ia preso. Quando eu era criança, teve até passeata pedindo para soltarem o Lobão em uma de suas maiores temporadas de cadeia. O Cazuza era comportado perto do Lobão, absolutamente incontrolável.
O que mudou? Nada, ele seque incontrolável até hoje. Lobão é um espírito livre. Nessa fase livre da política, em que dá bom dia a todo mundo nas redes, tem sido a acolhida de centenas de pessoas com a saúde mental dilacerada pela pandemia. É um talento absurdo, que já gravou com Nelson Gonçalves, Gilberto Gil, Caetano Veloso, ganhou um Grammy Latino. A música do Lobão lê o tempo e toca a alma. Em 2021, Lobão é uma das coisas mais transgressoras que um homem pode ser, um marido exemplar para Regininha. Senhores, eu vivi para ver isso.
Muita gente acha que Vida Louca Vida é música de Cazuza. Aliás, houve em 2013, ano do início do cancelamento político de Lobão pela militância gourmet, um episódio engraçadíssimo. Decidiram fazer uma homenagem a Cazuza no Rock in Rio e Paulo Miklos, dos Titãs, cantou Vida Louca Vida como se fosse do morto. "Me sinto o morto homenageado", reagiu Lobão, que não foi convidado para a homenagem.
Sinceramente, um sacrilégio. Todo mundo que cresceu nos anos 1980 sabe que os pais da gente aceitavam tudo menos Lobão e Cazuza. Liberavam um Cabeça Dinossauro dos Titãs para descomprimir, Rita Lee à vontade, Engenheiros do Havaí, Ira, tudo bem. Mas não me venha com um Vida Bandida para dentro de casa que a coisa esquenta. E, fora isso, os dois tiveram várias parcerias sensacionais.
Uma delas mostra como Lobão e Cazuza lidavam com essa coisa de alguém não querer estar na música do outro ou em homenagem ao outro. Quando já lutava contra o HIV, Cazuza quis escrever uma música em homenagem a Rogéria, que estrelava um musical famoso na época. "Quero ele" era um trocadilho com o nome da peça, "Querelle". Lobão não quis fazer a letra, Cazuza não se conformava. Não houve parceria. Depois da morte de Cazuza, Lobão recebeu direitos autorais que não sabia de onde vinham. O amigo enfiou o nome dele na composição mesmo contra a vontade. Isso é atitude rock 'n roll, amigos.
E como reagiu Lobão com essa história de Iza e Emicida inventarem que ele tem um posicionamento político que não tem para resolverem se opor e essa oposição ser um boicote à música Vida Louca Vida que até o Google achar ser de autoria do Cazuza? "Eu não faço ideia de quem se trata. Apenas faço questão de respeitar suas escolhas", disse o compositor.
Respondeu isso quando informei a ele que gosto bastante dos dois, tanto da Iza quanto do Emicida. Fiquei triste ao ver essa posição, espero sinceramente que seja mais um golpe publicitário do identitarismo tentando promover a novela. "Eu não quero que os dois sofram retaliações. Estou farto dessa ciranda perpétua de ressentimentos e rancores. E se ninguém se apresenta para arrefecer essa sanha, pra mim é muito fácil fazê-lo, pois minhas preocupações e metas são tão distantes e distintas desse burburinho", disse Lobão.
Todos vocês sabem que na eleição passada eu não apoiei Bolsonaro e disse pessoalmente a ele por que não o faria. Lobão e eu divergimos nessa época, mas ele nunca deixou de ser meu ídolo de adolescência e um marco importantíssimo da minha cultura musical. Vote, não vote, desvote, faça campanha para quem quiser, ele é parte importantíssima da história musical e da cultura rebelde do rock brasileiro, que não existe mais.
Agora o capachismo político invadiu o mundo artístico. Ninguém é contra tudo, contra o sistema, a favor de uns candidatos malucos e sem chance. Na música, os grupos são divididos como feudos de poderosos. Artistas decidem agachar diante desse ou daquele e ponto final. Rebeldia não existe mais. Tentar botar cabresto em outro artista para ser capacho de político é visto como virtude no meio. Triste, mas também será parte da nossa cultura.
Eu sinceramente espero que Emicida e Iza, que têm trabalhos interessantíssimos, encontrem formas mais interessantes e originais de posicionamento político e social. Ou que realmente tenham feito parte de uma campanha publicitária do identitarismo, bombem bastante essa novela e fiquem ainda mais ricos. Merecem. Da minha parte, já estou quase na do Lobão, desistindo da política. Só não desisto porque graças a ela é que conheci ele e o Claudio Manoel.
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