| Foto: anônima - internet
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Tem alguém que você lê tanto e com quem interage tanto nas redes que já se julga amigo? Eu tenho vários amigos assim, inclusive alguns viraram amigos de verdade na vida real. Um deles é o Augusto de Franco, uma personalidade encantadora pela busca incansável de conhecimento, a produção impressionante de livros e também pela fé na democracia.

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Para ele isso não é fé, são estudos aprofundados e ele realmente consegue explicar por que a democracia é melhor e quais são os indícios de que está se fortalecendo ou enfraquecendo. Aliás, ele montou até um curso grátis para formar Agentes Democráticos (as inscrições encerram hoje, de nada). Eu realmente admiro a persistência.

Não estou nem na metade do caminho dele e já desisti. Sei que o brasileiro tem orgulho de bater no peito dizendo que é a favor da democracia e contra a corrupção. Todos nós sabemos que, lá no fundo, é história de pescador. A gente é a favor da democracia de fazerem o que a gente quer e contra a corrupção dos inimigos.

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Não digo que a maioria seja desonesta mesmo num país em que ser honesto é praticamente um atestado de insanidade, não compensa. Ocorre que tendemos a aliviar os defeitos daqueles que escolhemos para líderes e, ao mesmo tempo, aumentar as qualidades. Todos os líderes que nos representam são necessariamente honestos e democratas.

Como assim? Não precisa ser nem precisa parecer ser, basta ganhar nosso coração. O eleitor brasileiro é igual a homem que vive passando a perna em mulher e daí cai na mão de uma pistoleira com talento. Vai rastejar, comer o pão que o diabo amassou, mas continua idolatrando. Pode apontar ações antidemocráticas de político à vontade, para a paquita dele é tudo caso isolado e intriga da oposição.

Dito isso, informo a vocês que o PT é democrata, social democracia. Mas, gente, o partido não perde uma única oportunidade de elogiar um ditador. "São opiniões isoladas que não representam o todo", dirão as paquitas do PT. Tem também "a nota foi publicada pelo partido sem autorização do partido". Mas minha justificativa preferida é o famoso: "veja bem, é complicado".

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Outro amigo que fiz pela internet foi o Raphael Tsavkko Garcia. De tanto ler e trocar informação, já virou amigo. Por isso tomei a liberdade de roubartilhar essa linda arte que ilustra o artigo de hoje. Tanto ele quanto Augusto de Franco já foram petistas de quatro costados. Aliás, eu também. No PT e, arrisco dizer, na política brasileira, não há lugar para quem coloca a democracia e a dignidade humana em primeiro lugar.

"Ah, mas então você quer dizer que o Bolsonaro é um democrata?", perguntaria o esquerdomacho neste ponto do debate. "Então, já que o PT não é democrata, quem é? O DitaDória?". Por favor, voltem com as aulas de lógica porque eu perdi a paciência com isso. Na verdade, acho até que vou começar a usar. "Ah, mas você foi agressiva" com tal político. Vou responder: "então, para você, o Jean Wyllys é que não é agressivo?"

Somos os três frequentemente chamados de comunistas ou fascistas, a depender de quem é a turba autocrática que xinga. O Tsavkko ainda acredita na defesa dos Direitos Humanos, mas traiu o movimento e mudou de Osasco para a Bélgica. (Eu inventei isso de Osasco para melhorar o texto.) O Augusto de Franco continua nessa periferia mundial com a gente, mas também acredita na possibilidade de defender a democracia. Eu já me contentei com a área rural de Cotia e desistir de democracia e dignidade humana no Brasil. Vou morrer sem ver.

Hoje fui ler o texto do José Dirceu que o Augusto de Franco indicou. Não deveria. Tinha acabado de ver o vídeo da Associated Press informando a morte do bebê e da mãe que virou símbolo do bombardeio da maternidade na Ucrânia. A moça que comoveu o mundo sendo retirada de maca não resistiu aos ferimentos. Chegou a ver o filho morto na sala de parto e pediu para que a matassem.

O artigo de José Dirceu é um "veja bem" do tamanho do mundo. Uma mistura de direitos humanos para humanos direitos com combate ao imperialismo ianque. A platitude do texto e a criação de nexo causal entre fenômenos que não são causa e consequência um do outro persiste do início ao fim. Mas não se enganem ao pensar que é burrice e nós somos os espertos. Esperteza é bicho que come o dono.

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A teoria é a de que, após o fim da URSS, os Estados Unidos teriam se convertido em um império muito longe das teorias liberais. Não teriam se conformado com a Nova Ordem Mundial imposta por China e Rússia e, então, começaram a desafiar esses anjos. A guerra híbrida contra a China e a expansão da OTAN deixaram o pobre Putin, esse democrata, sem saída. Perfeito para explicar às paquitas de político por que é nobre e moral defender a invasão da Ucrânia.

No mesmo artigo, defende que o Brasil reveja seu posicionamento e deixe de submeter sua economia e segurança nacional aos Estados Unidos, já que a realidade agora é outra. Gente, mas o Bolsonaro não estava justo com o Putin na semana antes da guerra? O nosso principal parceiro comercial há anos é a China, passou faz tempo os Estados Unidos. José Dirceu sabe, mas deixa a semente plantada para quem segue o PT cegamente.

Tente defender democracia ou direitos humanos no meio desse salseiro. Você vai ouvir a tradicional "mas as coisas não funcionam assim". Quem sabe como o mundo funciona é Valentina, 26 anos, moradora da Vila Madalena, sustentada pelos pais e petista de carteirinha. Nunca brigou nem no videogame mas acha que bombardear civis tem alguma justificativa. Ah, também acha que o genocida é Bolsonaro, não quem limpa na base da bomba a população de um país inteiro.

Dizer que o mundo não funciona assim é um truque de linguagem bem maroto. Faz o interlocutor parecer ingênuo e defender coisas impossível na vida real. Seria impossível respeitar, por exemplo, a democracia, os direitos humanos e a dignidade humana. Se você não parar para pensar quando recebe esse argumento, pode até embarcar.

Não é impossível respeitar esses princípios, mas dizer que é alivia a culpa moral de admitir esse tipo de atrocidade. Na verdade, Valentina quer ser vista como democrata e defensora dos direitos humanos. Só que não é isso que ela pensa. Para ela, se o lado em que acredita for ditatorial, tudo bem. Se precisar botar uma bomba numa maternidade aqui e uma creche acolá, tudo bem. Mas dizer isso é chato, melhor dizer que não é possível evitar essas coisas. 7

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Se puder botar a culpa nos Estados Unidos ainda, muito melhor. O mestre Nelson Rodrigues já explicava que o Che Guevara dos condomínios tupiniquins tem nojo de pobres, negros, mulheres que pensam, gays que não concordam com eles e assemelhados. A defesa só sai se der para falar mal dos Estados Unidos. Claro, emendando que tem conhecimento para falar isso porque vai todo ano a Miami.

É para esse público que José Dirceu escreveu o que pensa. E muita gente pensa assim no Brasil. Como ele próprio diz no artigo, outubro é a nossa oportunidade de mudança. Quem está realmente na liderança da disputa política aposta pesado na polarização e na desumanização dos adversários. É uma forma de evitar nuances e novas candidaturas. Além disso, é ótimo para concentrar poder.

Não vejo possibilidade de mudança nas eleições de outubro, de novo vamos votar contra alguém e não a favor. Novamente teremos políticos inflando o lado mais autoritário e cruel de suas paquitas. O outro é o mal absoluto, vai destruir tudo o que você tem e o único que pode salvar você é esse fulano aqui. Quem aguenta isso? Já deu.

O tecido social está rasgado pela estratégia da polarização tóxica, que manipula emoções e usa muito as redes sociais. É algo mundial, mas o Brasil conseguiu seu lugar no Top 5 com muito orgulho. Às vezes a gente reclama que não tem em quem votar. Claro que não, a gente não exige, acaba defendendo político porque teme que outro seja ainda pior.

Talvez realmente o Augusto de Franco e o Raphael Tsavkko estejam certos e ainda adianta persistir. Se mais brasileiros compreenderem que democracia vai além de eleições, souberem os conceitos e história, talvez a gente avance. Caso a gente realmente se aferre aos Direitos Humanos como princípios de defesa da dignidade e irrevogáveis, pode ser que tenhamos um parâmetro civilizatório.

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Mas, e se isso não acontecer? E se nós coletivamente continuarmos bovinamente aceitando esse espetáculo dantesco que se tornou a política nacional? Vamos rumar para uma autocracia, um regime de exceção? Eu já tenho um plano. Não para o Brasil, para mim.

Vou me inspirar em Raul Seixas, desdizer tudo aquilo que eu disse antes, aderir ao regime e jurar que ele é democrático, respeita os direitos humanos, mas é complicado, a vida real não funciona assim. Seria cínico e covarde, eu sei. Mas já tem gente fazendo isso a rodo sem nem precisar de uma ditadura para dar motivo.