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Madeleine Lacsko

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Reflexões sobre princípios e cidadania

Keira Bell: arrependida de transição sexual aos 16 anos vence na Justiça

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Experimente fazer qualquer pergunta sobre transexualidade nas redes sociais. Não importa qual seja sua dúvida nem se ela é legítima, o carimbo da transfobia será colocado sem dó sobre a sua testa pela militância lacradora. Dias atrás uma conhecida, militante de esquerda, reclamava comigo de um cancelamento desse tipo ao tentar tirar uma dúvida. A postura radicalizada, sem empatia e indiferente aos fatos não prejudica apenas cancelados. Prejudica também as pessoas trans, em nome de quem a militância diz agir.

Há em diversos países um número crescente de pessoas que reclamam de diagnósticos apressados, malfeitos e com tratamentos irreversíveis. Ocorre principalmente com adolescentes. Keira Bell, diagnosticada aos 14 anos com disforia de gênero após 3 consultas médicas, arrependeu-se da transição. Entrou na Justiça e garantiu um novo tratamento a todos os adolescentes do Reino Unido.

As reclamações não entram no embate maldoso e superficial sobre transexualidade que tomou conta das redes sociais. A questão é a relação médico-paciente e o respeito à dignidade humana. É correto sugerir um tratamento sem eficácia comprovada e irreversível a um paciente que ainda não tem idade para entender as consequências do que vai ocorrer? Isso foi feito com Keira Bell pelo serviço de Saúde Pública do Reino Unido, o NHS, único autorizado a fazer transições sexuais no país.

Ela e outra mulher, que não quis se identificar, resolveram ir à Justiça e, embora não haja uma forma de reverter o que aconteceu com elas, a partir de hoje isso não vai mais se repetir com crianças e adolescentes no país. A sentença da Suprema Corte é duríssima e questiona seriamente a falta de comprovação científica da eficácia de uma intervenção tão precoce e a falta de preocupação em buscar qualquer comprovação científica.

Segundo o American College of Pediatricians, é abuso infantil iniciar terapia com bloqueadores hormonais ou fazer cirurgia de redesignação sexual antes do final da adolescência. Ainda que tenham dúvidas nesse período, 98% dos meninos e 88% das meninas superam a confusão sobre gênero ao final da puberdade. Entre os que fazem intervenções, a taxa de suicídio é 20 vezes maior que na população em geral. Difícil compreender por que fazer as intervenções precoces.

A Suprema Corte do Reino Unido perguntou à clínica Tavistock and Portman os motivos e considerou a resposta insuficiente. Até o ano passado, embora tivesse todos os dados dos pacientes adolescentes, a clínica não sabia nem dizer quantos de cada idade passaram pela transição sexual a cada ano. "Frisamos aqui que consideramos surpreendente que tais dados não tenham sido recolhidos em anos anteriores, dada a pouca idade do grupo de pacientes, a natureza experimental do tratamento e o impacto profundo que tem", diz a sentença.

"O Documento de Avaliação do Estudo de Intervenção Precoce no GIDS, referido no parágrafo 25 acima, fornece algum material (embora limitado) sobre o resultado desse estudo. Resumiu um documento de reunião apresentado pelo Dr. Carmichael e Professor Viner em 2014 (mas não publicado em um jornal científico com peer review) da seguinte forma: 'Os dados qualitativos relatados sobre os resultados iniciais de 44 jovens que receberam supressão puberal precoce. Ele observou que 100% dos jovens afirmaram que desejavam continuar no GnRHa, que 23 (52%) relataram um melhora no humor desde o início do bloqueador, mas que 27% relataram um diminuição do humor. Observou que não houve melhora geral em humor ou bem-estar psicológico usando psicológico padronizado medidas.' (grifo da corte)", observou a Suprema Corte Britânica.

Mesmo tendo evidências dos males e não providenciando nenhuma evidência sobre vantagens do tratamento experimental, o sistema de saúde britânico continuou indicando cada vez mais transições sexuais a menores de idade. Do ano passado para cá, a recomendação para uso de bloqueadores de puberdade - o mesmo remédio utilizado na castração química - foi dada a 161 menores de idade. O mais novo tinha 10 anos. Revisando os artigos desde 2009, o paciente mais novo encontrado tinha 5 anos de idade.

Receberam bloqueadores de hormônio de 2019 para cá: 3 crianças entre 10 e 11 anos, 13 de 12 anos, 10 de 13 anos, 24 de 14 anos, 45 de 15 anos, 51 de 16 anos e 15 entre 17 e 18 anos. Bem mais da metade dos pacientes tem menos de 16 anos e 26 deles têm menos de 13 anos. "Além da distribuição de idade, existem outros aspectos do grupo de pacientes que são relevante para este caso. O número de encaminhamentos para a clínica aumentou significativamente nos últimos anos. Em 2009, foram encaminhados 97 crianças e jovens. Em 2018 isso o número era 2519", disse a Suprema Corte.

Os juízes observaram mais uma mudança importante no público que não foi objeto de investigação científica. "Em 2011 a divisão de gênero foi de aproximadamente 50/50 entre meninos e meninas nascidos. No entanto, em 2019 a divisão mudou, de modo que 76 por cento das pacientes eram nascidas mulheres. Essa mudança na proporção de meninas natais para meninos é refletida nas estatísticas da Holanda (Brik et al “Trajetórias de Adolescentes Tratados com Análogos de hormônio liberador de gonadotrofina para disforia de gênero 2018). O réu não apresentou nenhuma explicação clínica sobre o motivo de ter havido mudança significativa no grupo de pacientes em um período de tempo relativamente curto".

O questionamento mais importante sobre o que se deixou de investigar cientificamente é quanto ao número de autistas submetidos a bloqueios hormonais e cirurgias de redesignação sexual. "A especificação da clínica diz: 'Parece haver uma maior prevalência de transtorno do espectro autista (ASD) em adolescentes diagnosticados com disfunção de gênero do que na população geral de adolescentes. Holt, Skagerberg e Dunsford (2014) constatou que 13,3% dos encaminhamentos para o serviço em 2012 mencionaram comorbidades ASD (embora seja provável que seja uma subestimativa). Isso se compara com 9,4% no serviço holandês; enquanto no serviço finlandês, 26% de adolescentes foram diagnosticados como estando no espectro do autismo (Kaltiala-Heino et al. 2015). ”

"O tribunal pediu estatísticas sobre o número ou proporção de jovens a quem a clínica prescreveu terapia com bloqueadores hormonais que têm diagnóstico de autismo. Sra. Morris disse que tais dados não estavam disponíveis, embora estivessem em registros de pacientes individuais. Nós portanto, não sabemos qual a proporção daqueles que a clínica considerou terem idade de consentimento para o tratamento tinham autismo ou qualquer outro diagnóstico de saúde mental. Mais uma vez, consideramos essa falta de análise de dados - e a aparente falta de investigação deste problema - surpreendente", disse a Suprema Corte Britânica na sentença.

O argumento de Keira Bell era exatamente o que a Suprema Corte viu comprovado. Não há dados científicos que sustentem os tratamentos prescritos para menores de idade e se confunde com dismorfia sexual uma série de outras questões mentais e psicológicas. Além disso, mesmo sendo informados de que é um tratamento experimental, os pacientes não têm ideia das consequências. Aliás, a própria clínica assumiu não saber as consequências totalmente.

“Pouco se sabe sobre os efeitos colaterais de longo prazo do hormônio ou bloqueadores da puberdade em crianças com disforia de gênero. Embora o Gender Identity Development Service (GIDS) aconselhe que é um tratamento fisicamente reversível se interrompido, não se sabe o que efeitos psicológicos podem ser. Também não se sabe se os bloqueadores hormonais afetam o desenvolvimento do cérebro do adolescente ou dos ossos das crianças. Os efeitos colaterais também podem incluir afrontamentos, fadiga e alterações de humor. ”, diz documento de julho deste ano do próprio Serviço GIDS, administrado pela clínica Tavistock, o único a tratar de dismorfia de gênero no Reino Unido.

Os mesmos questionamentos são feitos em vários outros países do mundo. Na Escandinávia, por exemplo, já há uma associação de pais de crianças e adolescentes que foram submetidos a cirurgias de redesignação sexual. "Nossos filhos viviam em harmonia com seu gênero biológico na infância e adolescência antes que se revelassem trans. Eles tinham, no entanto, lutado com outros desafios mas nunca foi oferecido tratamento ou terapia para esses diagnósticos estruturais até que decidiram se identificar como trans, e então ofereceram na hora o tratamento de confirmação sexual", diz o grupo.

Keira Bell era uma menina que, aos 4 ou 5 anos de idade, gostava muito de brinquedos de meninos. Sempre teve problemas de sociabilidade na escola e, aos 14 anos, começou a tomar pílula anticoncepcional para não menstruar mais. Não gostava do próprio corpo. Então, encontrou vídeos sobre dismorfia de gênero no YouTube e se autodiagnosticou: “Achei que finalmente tinha encontrado a resposta de por que eu me sentia tão masculina, desconfortável com meu corpo feminino e por que estava muito mais semelhante a um menino estereotipado do que a uma menina estereotipada na expressão física e interesses.”, declarou à corte.

Aos 15 anos, ela chegou à clínica e a primeira pessoa que a atendeu disse que ela não deveria submeter-se a procedimentos médicos. Depois, teve mais 3 consultas de uma hora cada e indicaram terapia com bloqueadores hormonais, que começaram quando tinha 17 anos. Ela começou a ficar insegura diante da mudança na voz, crescimento de barba, pêlos no corpo e das mudanças nos órgãos genitais. Mais uma vez, a decisão foi tomada pela falta de ciência unida ao excesso de baboseira dita por quem faz curandeirismo travestido de militância. Keira submeteu-se a uma dupla mastectomia.

"Comecei a ter minhas primeiras dúvidas sérias sobre a transição. Essas dúvidas foram provocadas quando percebi pela primeira vez como fisicamente sou diferente dos homens como uma mulher biológica, apesar de ter testosterona correndo pelo meu corpo. Houve também muitas experiências em que eu não me encaixava em grupos de homens devido a ser biologicamente feminina e socializada na sociedade como uma menina. Havia um 'código' não falado que muitas vezes eu pensava não estar compreendendo. Eu me lembro de dizer a um amigo próximo na época sobre essas dúvidas de transição, ele respondeu dizendo que era normal e acreditei nele. Isso foi reforçado pelo fóruns online em que naveguei, onde o consenso era que a maioria pessoas transexuais têm dúvidas e isso é uma parte normal do em transição, então as dúvidas devem ser ignoradas. Eu continuei empurrando as dúvidas no fundo da minha mente e elas pararam de me assustar por um tempo.", relatou Keira Bell.

Ela parou de tomar testosterona no ano passado e agora luta para ser considerada oficialmente mulher novamente. "Só recentemente comecei a pensar em ter filhos e, se isso for uma possibilidade, tenho que conviver com o fato de que não vou poder amamentar meus filhos. Eu acho que ainda não processei completamente a mastectomia e quão importante realmente era. Eu tomei uma decisão precipitada quando adolescente, (como muitos adolescentes fazem) tentando encontrar confiança e felicidade, mas agora o resto da minha vida será afetada negativamente. Eu não posso reverter nada do físico, mudanças mentais ou legais pelas quais passei. A transição foi uma solução muito temporária e superficial para um problema de identidade muito complexo.”, disse a autora da ação à Suprema Corte Britânica.

A partir de agora, pessoas com menos de 16 anos só podem passar por terapia de transição sexual no Reino Unido se compreenderem completamente o tratamento. "Haverá enormes dificuldades em uma criança com menos de 16 anos compreender e pesar essas informações e decidir em consentir em o uso de medicação bloqueadora da puberdade. É altamente improvável que uma criança de 13 anos ou menos seria competente para dar consentimento à administração de bloqueadores da puberdade. É duvidoso que uma criança de 14 ou 15 anos possa entender e pesar os riscos de longo prazo e consequências da administração de bloqueadores da puberdade", adverte a sentença. Na prática, os tratamentos foram suspensos.

No universo paralelo da militância simbólica, qualquer questionamento sobre transexualidade é transfobia. Isso ocorre porque pessoas reais que estão sofrendo agora e precisando de ajuda não importam para a lacração. Na vida real, há muitas pessoas questionando os erros de diagnósticos. Os dois principais problemas são mulheres lésbicas diagnosticadas como homens trans e pessoas autistas diagnosticadas como tendo dismorfia de gênero. É assustador que não haja interesse em investigar isso cientificamente.

O caso Keira Bell é um dos primeiros do gênero que documenta em uma sentença da Suprema Corte do Reino Unido o peso das redes sociais sobre os destinos reais das pessoas. Ela relatou como os fóruns online e vídeos sobre dismorfia sexual pesaram em duas decisões tomadas com uma cabeça de adolescente. Foram adultos os que selaram o destino dela, movidos pela união em torno de crenças que estão na moda, mas desprezam a realidade objetiva, a ciência e a dignidade humana.

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