| Foto: reprodução tela Globonews
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Diversos jornais noticiaram que houve um "climão" - sim, com esse termo - na primeira edição do programa "Em Pauta" da Globonews porque Demétrio Magnolli e Gerson Camarotti discutiram ao vivo. Não vou negar que fiquei animada ao ler as manchetes, como sempre, enganosas. Esperava no mínimo uma mãe xingada, um palavrão, um dedo no olho, um golpe abaixo da cintura. Nada de diversão para mim, eles só divergiram e um tentou compreender o ponto de vista do outro e explicar o próprio, um tédio.

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Se quiser passar raiva, como eu, acompanhe os vídeos postados pelo tuiteiro médio da nova geração, essa que não brigou na rua e foi proibida de cantar "Atirei o Pau no Gato". Para a geração floco de neve, essas cenas são de uma briga, um bate-boca, uma "torta de climão". Meus colegas jornalistas endossaram a narrativa e me fizeram entender mais uma vez as razões pelas quais me apelidaram pelas costas de Darth Vader.

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O espanto diante de uma discordância, a ponto de colocá-la nas manchetes, como eu estou fazendo neste momento, é o mais legítimo suco de Brasil. Não somos campeões mundiais de hipocrisia à toa, aqui o correto é concordar ou fingir que concorda. Discordou? Ah, é encrenqueiro, gosta de treta, precisa parar de criar treta. Discordar saiu de moda, tem de escolher entre abaixar a cabeça e cancelar. Não se preocupe que não tem a menor chance de dar certo.

O que mais me irrita em qualquer discussão é a pessoa que tenta colocar panos quentes ou mudar de assunto. E isso tem um motivo científico: sou alérgica a gente sonsa. Ao interromper uma troca como essa entre Magnoli e Camarotti, a pessoa pode posar de pacifista, mas na prática está estendendo a duração do conflito e evitando um entendimento. Aliás, foi o que aconteceu e por isso eu ainda estou falando do assunto.

Os debates nas redes sociais após a discussão seriam infantis até mesmo para o pessoal da 5a série C. Imaginando ver duas visões radicalmente opostas de mundo, rapidamente formaram-se dois times cujo objetivo era esculachar uma das partes. Os "progressistas" esculachando Magnoli e os "conservadores" esculachando Camarotti. Coloquei entre aspas porque são termos utilizados para debates políticos de adultos, não para brutalidade infantil.

O ponto central da discussão são as aglomerações nas festas de final de ano. O que é considerado sensato no Brasil? Dois tipos de comportamento. O primeiro é mentir que está isolado de todo mundo e furar a quarentena escondido. O outro é fingir que o vírus não existe, que existe tratamento ou que já foi vacinado e depois fugir das consequências. O comportamento mais errado é debater por que agimos assim, coisa que os dois estavam fazendo ao vivo na TV. Um crime.

Gerson Camarotti tem um ponto importantíssimo que é o da epidemiologia. Não há como negar que nós enfrentaremos consequências trágicas das festas de final de ano e que muitas vidas poderiam ser salvas caso não houvesse tantas aglomerações. Demétrio Magnolli tem outro ponto importante a adicionar, a dinâmica do comportamento humano. Embora saibamos da realidade do COVID, como lidar com o fato de muita gente já ter se aglomerado para trabalhar o ano todo? É muito complicado convencer essas pessoas a não celebrar seu final de ano quando artistas, políticos, celebridades e a alta sociedade celebram.

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Não dá para saber qual seria a conclusão dos dois caso tivessem levado o debate adiante. Houve quem dissesse que se exaltaram, trocaram farpas, essas coisas. Sinceramente, não vi assim. E obviamente é por essas e outras que tenho fama de mal educada e tretista. No último momento da interrupção, Gerson Camarotti compreendeu o ponto de vista de Demétrio Magnoli e passou a ponderar com o seu. Teria sido interessante ver o desenrolar do raciocínio.

Fingir que está tudo bem é um dos luxos mais caros que há. Não creio que temos mais tempo, energia, dinheiro, sangue, suor e lágrimas para investir nisso. Se queremos um 2021 melhor do que esse agosto interminável que foi 2020, o primeiro passo é discutir mais e parar de varrer coisas para baixo do tapete.

Arrumar desculpa para malandro e encostado é um esporte nacional, eu sei. Infelizmente, vamos ter de aderir a outras modalidades se quisermos sair desse atoleiro em que nos metemos. Vai precisar de vacina, seringa, agulha, logística e um plano econômico que funcione no mundo real. Dessa vez, não vai adiantar live, tuitada e factóide.

Egocêntricos, os políticos brasileiros querem dar a entender que sair da crise do COVID é uma competição entre eles. Até pode ser, dentro da cabeça deles. A competição do Brasil é com os demais países, nossa recuperação depende da nossa capacidade de trabalhar e manter viva a esperança. Estamos começando o ano, mais um, sem que o Governo Federal tenha orçamento. Não conseguimos comprar nem as seringas e precisamos das vacinas. Não está tudo bem. Só que isso não será resolvido com bravata de rede social contra ou a favor, só com trabalho duro.

Não há como ter bons resultados de um trabalho sem dar atenção às divergências e problemas levantados ao longo do caminho. Um exemplo? O debate entre Magnoli e Camarotti. Tem como implementar uma política de saúde pública eficiente sem entender de comportamento humano? Não. A maioria das nossas decisões não é racional e mentimos para evitar que nos confrontem com elas. O desafio é compreender as maiores necessidades de cada um e encontrar a alternativa menos pior.

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Um ponto que a deputada Janaína Paschoal levanta frequentemente é por que nossos anúncios de medidas contra a pandemia são feitos tão em cima da hora. Tem razão. Ao julgar ser mais fácil implementar restrições sem aviso prévio, governantes plantam a semente da revolta, que tem raízes mais profundas. Se cada restrição significa um desabamento de tudo o que a pessoa queria reconstruir, ela vai encontrar um caminho mental de vingança e desobediência, não de colaboração.

Não está tudo bem São Paulo mandar fechar o comércio entre Natal e Ano Novo bem em cima do fechamento do mês, muita gente contava com esses dias, tanto patrões quanto empregados. Avalie o que significou no comportamento deles ver o governador indo para Miami. E, cereja do bolo, presenciar o presidente se jogando de sunga na água do litoral paulista no meio do povo. Parece deboche. Aliás, cenas tão distópicas que o povo leva o celular no mar. Eu, que não deixo o meu nem na pia para escovar os dentes, já não sabia mais em que prestar atenção.

Agora temos o carnaval, uma época importantíssima do ano para diversos segmentos no Brasil. Já se sabe - ou se imagina - que não haverá carnaval. Existe uma hipótese de adiar as comemorações para depois da vacinação que ainda nem começou. Não está tudo bem ficar nesse suspense a pouco mais de um mês da data. Todas as pessoas envolvidas no carnaval e nas indústrias que se sustentam em torno dele têm o direito de receber um aviso claro e direto sobre datas, possibilidade de adiamento, políticas para consumidores, viagens e reembolsos.

Infelizmente, cobrar poderoso saiu de moda. Agora a moda é cancelar ou idolatrar. E pouco importa o que o poderoso faça, importa quem ele é. Quem entra em um time precisa defender cegamente tudo o que um político faça e condenar com veemência tudo o que qualquer desafeto dele faça. No final das contas, quem atende a torcida não vai fazer é nada porque só erra quem faz e o grande líder não erra nunca. Melhor assim. Se errasse, teria de ser cancelado.

Qualquer divergência virou espetáculo com um tom proibitivo, pecaminoso até. Erros não são mais corrigidos, são comparados a erros de desafetos para que ou sejam os dois cancelados ou tudo seja esquecido. É exatamente assim que caminhamos a passos largos rumo à estupidez individual e coletiva. A boa notícia é que não é obrigatório, temos feito isso voluntariamente.

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Ao receber o Prêmio Nobel da Paz de 1964, Martin Luther King disse que "paz não é a ausência de conflitos, é a presença de justiça". Há uma diferença entre o conflito que deseja solucionar algo e o conflito gerado unicamente pela intenção de ferir o outro. O primeiro pretende trazer a justiça e tem chances disso, o segundo não. Evitar o primeiro conflito e calar diante do segundo é compactuar com o lado violento e prolongar o problema. Que em 2021 consigamos verdadeiramente aprender este conceito. Caso contrário, que eu aprenda a fingir melhor.