![Matemática antirracista: por que ensinar que 2 + 2 = 5 formula matemática](https://media.gazetadopovo.com.br/2022/01/14133357/matem%C3%A1tica-960x540.jpg)
Você já deve ter ouvido falar em Afromatemática. É um dos melhores exemplos de como o identitarismo, movimento de elite que esculhamba pautas identitárias, consegue apodrecer tudo aquilo em que põe a mão. O conhecimento matemático, abstração para explicar o universo de forma lógica e mensurável, é talvez o maior fenômeno transcultural.
Em todas as culturas a matemática é rigorosamente a mesma, não muda. Pessoas somam, subtraem, dividem, multiplicam, explicam a natureza, as estações, a posição dos astros, calculam regime de chuvas, tempo de gravidez, idade de crianças em todas as culturas. Então o que seria essa tal de Afromatemática?
Ela surge originalmente no continente africano e não é questionando a matemática, é para que os métodos de cálculos criados lá, berço da matemática (até onde se sabe), também fossem utilizados em outros países. Isso já acontece, por exemplo, com o ábaco, que existe nas escolas até hoje. A origem nunca foi comprovada, mas pode ser da região onde hoje é o Iraque (Mesopotâmia), Egito ou Índia. O desenvolvimento para versões mais atuais começou na China.
O instrumento matemático mais antigo do mundo é o Osso de Lebombo, com idade estimada entre 43 mil e 44.200 anos. Ele tem entalhes que seriam usados para cálculos matemáticos exatamente iguais aos que fazemos hoje no mundo todo. Há um outro famoso, o de Ishambo, com 20 mil anos, que tem já aritmética clássica.
Nessa época, outros povos também já haviam desenvolvido sistemas matemáticos simbólicos, inclusive aritméticos. O cálculo não muda e continua igual até hoje. A variação está nos símbolos utilizados.
Eu pensava que os nossos números, que aprendi serem indo-arábicos, hoje eram universais. Descobri que não quebrando a cara. Viajei sozinha ao Egito e imaginei que ia me virar como sempre em países cujo idioma não domino. Aprendo algumas coisas e me viro com dinheiro olhando os números. Doce ilusão. Veja como eles representam os números em tudo: casas, ruas, preços, placas de carro, etc.
E o que o continente africano poderia nos oferecer em termos de matemática? Métodos diferentes de calcular as mesmas coisas que podem ser interessantíssimos, sobretudo para despertar o gosto pela matemática nas crianças. Você certamente aprendeu tabuada como eu, na decoreba. Outro dia descobri a tabuada em matriz e fiquei encantada para sempre.
A representação visual da abstração matemática tem um efeito mágico sobre a nossa cognição. Não precisamos de palavras para entender. Imagine, por exemplo, estudar algoritmos por meio das imagens. É uma possibilidade que existe usando a escrita matemática Sona, hoje patrimônio imaterial de Angola. (Aqui mais completo).
![](https://media.gazetadopovo.com.br/2022/03/17114821/image-26.png)
Os Sona eram originalmente uma forma do povo Tchokwe contar histórias escrevendo na areia. Eles são, na verdade, gráficos delineáveis feitos sem levantar o dedo nem passar duas vezes por cima da mesma linha. O primeiro passo é criar os pontos equidistantes, os chamados tobe. Eles formam uma grelha de pontos que dá suporte à linha, a lusona. O gráfico acima é a palavra amizade.
E como vai usar isso na matemática? "Serve, no campo da matemática, para ajudar os alunos a fazer cálculos de todos os níveis. No processo de aprendizagem, são jogos matemáticos que os mais velhos utilizam na região para transmitir conhecimentos e experiência. Daí o seu impacto no processo de aprendizagem", explica o reitor da Universidade Lueji A'Nkonde, Carlos Yoba, em entrevista ao New Journal.
Há matemáticos e linguistas do mundo todo que estudam os Sona, uma integração fantástica entre a matemática e a linguagem ainda não decifrada completamente. É um fenômeno parecido com o da intersecção entre a matemática e a música. Não há dúvidas de só há benefícios em conhecer mais formas utilizadas para compreender conhecimento abstrato.
Um livro fantástico sobre isso é o "The Universal Book of Mathematics", do professor David Darling, que hoje também tem uma página de internet e um canal no YouTube que ensina ciência de uma forma encantadora. Ele explora as várias soluções matemáticas que o ser humano desenvolveu para compreender o universo. Tem exemplos do mundo todo e de diversas épocas históricas diferentes.
E como o identitarismo conseguiu esculhambar algo tão encantador e, acima de tudo, objetivo e mensurável? Nunca duvide do parque de areia antialérgica da sociedade. A prioridade é sinalizar virtude, dizer ao coleguinha "olha prá mim, eu sou tão legal porque protejo minorias". Danem-se a realidade, a verdade objetiva e até as próprias minorias. É assim que a Afromatemática virou uma espécie de Matemática Antirracista.
O identitarismo transformou a Afromatemática em Matemática Antirracista
Agora entramos no campo da militância identitarista, então esqueça as contribuições das diversas culturas para o conhecimento e a realidade objetiva. Para o tal do "wokeísmo", que eu chamo de identitarismo, a realidade não existe. Tudo o que nós vemos e pensamos é moldado por um sistema de oprimidos contra opressores.
O domínio dos brancos, do patriarcado e do eurocentrismo é inescapável. Quer dizer, se você começar a apontar patriarcado até em barraquinha de cachorro-quente, estão você escapa sim. Passa a ser uma pessoa desconstruída que reconhece seu privilégio (mesmo que não tenha) e luta pelas minorias (mesmo que não lute).
Como o identitarismo raciocina? A matemática foi construída pelo homem branco de olho azul. (Sei que não foi, mas a ordem é esquecer fatos, eles não importam nem existem). Assim, toda a matemática é a representação de um sistema eurocêntrico e racista do patriarcado.
Agora é que vem o pulo do gato: o negacionismo sobre identidades humanas. Todos nós temos uma identidade individual e várias identidades sociais, que podem inclusive se alternar ao longo do dia. Eu sou mãe, mulher, jornalista, professora, liberal, cristã e outras coisas inconfessáveis. Em cada situação específica uma identidade social será mais importante que a outra.
No identitarismo, esse fato científico nem existe. Todas as situações são vistas e analisadas sob o prisma de identidades sociais, opondo sempre oprimidos e opressores. Os grupos são sempre tratados como homogêneos, ignorando tanto a individualidade quanto a vida real e as ações de cada pessoa.
Para o identitarismo, a base do ensino não é o conhecimento, fórmulas e ferramentas para compreender o mundo em que vivemos. Transformar o mundo de acordo com a visão identitarista é a base do ensino. Todas as matérias têm de falar de oprimidos e opressores. Existe aí um porém: como você transforma um mundo que se recusa a conhecer? Não transforma, senão acaba a profissão de justiceiro social.
Surge então a ideia de que até na matemática a questão da opressão e do poder deve estar acima dos cálculos. O pessoal fala isso e a lacração bate palmas, diz que fulana é maravilhosa, que pessoa necessária, está educando todos nós e outras rasgações de seda vazias.
Este círculo de negacionismo e autoajuda não teria problema nenhum se não quisesse impor ao mundo suas crendices. Há anos existe um empenho em calar vozes dissonantes e carimbar com estereótipos de racista, machista, homofóbico, fascista e nazista. Não creio que a maioria acredite, ocorre que a maioria não reage com medo de ser a próxima vítima.
Nos Estados Unidos, existe uma disparidade entre os resultados de matemática dos estudantes brancos e dos negros e latinos. É algo histórico e ocorre sobretudo nos anos mais avançados. Qual a explicação woke para isso? Como a matemática é branca e eurocêntrica, o ensino vai contra as raízes culturais das minorias. Mas e os asiáticos, que têm performance melhor que a dos brancos nos EUA? Tudo bajulador do opressor.
Qual é a solução proposta pelos woke? Não cobrar mais resultados corretos dos alunos latinos e negros porque isso seria racismo. Vejam o raciocínio de Rajan Mehta, professor de Matemática e Estatística do Smith College:
"Eu diria que é menos importante saber que 2 + 2 = 4 do que saber quando este é o modelo apropriado. A razão? Está nas suas mãos agora. Telefones/computadores/calculadoras podem fazer somas para você. Eles ainda não são tão bons em dizer quando você deve somar", explicou. Entendeu? Nem eu.
Tem mais. O raciocínio da professora de matemática Laurie Rubel (que ME bloqueia no Twitter sabe Deus por que) é ainda mais interessante:
"Repita SEM PARAR 'claro que matemática é neutra porque 2 + 2 = 4. Confie nesse suposto axioma para depois mirar em pessoas (& especialmente mulheres) para assédio e ridicularização coordenados. Nunca saia desse loop porque é um que engaja fácil todo e qualquer um.
A ideia de que matemática (ou dados) são neutros culturalmente ou em qualquer forma objetivos é um MITO. Eu estou pronta para ir adiante com esse entendimento. Quem vem comigo?"
Você não entendeu errado. A proposta dos professores de matemática é NÃO ENSINAR MAIS MATEMÁTICA. Até acho meio racista eles pensarem que negros e latinos são incapazes de aprender. O pior é que estão chamando esse delírio de Afromatemática, o mesmo nome de algo completamente diferente.
O que você acha que está chegando com mais frequência às escolas? É o disparate de dar aula de matemática sem matemática ou a sofisticada ideia Sona para ensinar matemática? Claro que é a de não ensinar nada. Seria racista corrigir resultados errados dos alunos porque a matemática é uma construção social do patriarcado eurocêntrico.
Eu não estou brincando. Existe uma publicação com a qual foram gastos milhões de dólares para pregar isso. "Dismantling Racism in Mathematics Instruction" (completo aqui) diz textualmente que alunos negros e latinos não devem ser corrigidos quando errarem os resultados em matemática.
Quando você não ensina matemática a determinados grupos de alunos, que serão divididos por raça, o que vai acontecer? Quem não aprendeu matemática terá piores resultados, piores oportunidades. É algo cruel e tende a aumentar preconceitos e estigmas. Por que então os woke estão tão interessados nisso? Por sobrevivência.
A razão de viver do woke e do justiceiro social de internet em geral é chamar atenção para si como uma pessoa moralmente superior. Ele vai falar de ações que favorecem minorias e vai se gabar de cada ajuda que ele der a alguém no mundo. Ocorre que essas pessoas jamais podem andar com as próprias pernas.
O woke vive para ser o gatekeeper de minoria. As minorias oprimidas terão direitos mas só porque o justiceiro social decidiu qual direito dar a cada minoria, como e quando. Imagine que os professores sérios realmente consigam melhorar o desempenho de negros e latinos em matemática. Avalia se eles ficam iguais aos asiáticos, por exemplo. Não precisarão mais de flanelinha de minoria.
Além dessa perversidade, trazem de brinde uma outra, a estigmatização de boas ideias. Tem gente que já arrepia ao ouvir palavras como Afromatemática. O justiceiro social tende a ser chato, narcisista e com muito tempo livre. Seu trabalho de maior sucesso é fazer a maioria das pessoas pegar uma birra danada de tudo aquilo em que ele toca.
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