Sim, o bar é isso mesmo. Um estacionamento com chão de brita com umas cadeiras de praia.| Foto: Instagram
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"Eu só consegui me dar conta da violência que tinha sofrido quando entrei no carro e pude chorar à vontade". Essa frase faz parte de reportagens publicadas na imprensa nacional. Lendo isso, que história você imagina? Vou adiante com mais uma pista. "A cena do meu filho segurando a minha mão, com olho lacrimejando, na porta do Miúda, não foi fácil de elaborar". Que coisa terrível teria ocorrido com a criança de 5 anos?

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Antes de tudo é necessário um esclarecimento: o que é o Miúda? É uma das maiores provas de que, enquanto houver otário, malandro não morre de fome. Pegaram um estacionamento, espalharam cadeira de praia e luz de neon num piso de brita, improvisaram mesa com caixote de supermercado e cobram R$ 90 por uma cachaça e duas cervejas long neck.

A foto que ilustra esta coluna é do Miúda. O bar exige comprovante de vacina para entrar e também o RG. Menor de idade não entra de jeito nenhum porque os donos do estabelecimento sabem que não é ambiente seguro para criança. Se você vê a foto e lê as declarações da mãe, já sente aquele aperto no coração. Será que alguém escapou daí de dentro e atacou a criança? Não, a mãe é que queria enfiar a criança aí. Não conseguiu e agora o jornalismo kamikaze diz que é discriminação. O parque de areia antialérgica está em polvorosa.

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A história saiu primeiro no Universa, do UOL, depois no Nexo e então se espalhou para G1, Metrópoles e Veja São Paulo. Quando saiu na revista especializada Pais & Filhos, considerei prova científica da imbecilização do jornalismo tupiniquim. Todas as publicações partem de uma mentira, um erro factual que compromete a conclusão. A informação de que o estabelecimento "não aceita crianças" é diferente da realidade. Ele só aceita pessoas comprovadamente maiores de idade. Isso não é um detalhe.

A partir de uma distorção proposital, as publicações entrevistam especialistas induzidos a erro. A situação apresentada a eles é como se fosse, por exemplo, um restaurante ou um bar com ambiente familiar que decidiu não receber crianças. Muitos estabelecimentos fazem isso no mundo todo, tem até hotel que não aceita crianças. E realmente existe uma discussão sobre essa prática. Ocorre que não é esta a situação.

Suponha que você queira levar seu filho de 5 anos ao Café Photo, ao Bahamas, a um motel ou a um clube de swing. Não vai entrar, são estabelecimentos proibidos para menores de idade. Aliás, não precisa nem ir tão longe. Tente levar seu filho de 5 anos à área de musculação de uma academia de ginástica. Não vai entrar também, é perigoso para criança. Essa era a situação e não foi essa a exposição feita pelos jornalistas aos entrevistados.

É assim que chegamos a pérolas em defesa da presença de crianças nos ambientes proibidos para menores. "O artigo 5º da Constituição Federal aponta que todos são iguais perante a lei, além disso, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) também determina que é direito das crianças o convívio comunitário", disse um especialista consultado. Seria essa a fala dele caso fosse informado que o local exige comprovação de maioridade para entrar? Não sabemos. Só sabemos que isso chama jornalismo kamikaze.

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Há uma diferença importante entre colunistas e repórteres. Colunistas, como eu, expõem sua opinião e têm princípios e métodos diferentes. Alguns nem jornalistas são. Repórteres não, eles reportam fatos. Quando grandes veículos têm repórteres que pensam ser colunistas numa jihad pela inclusão, o jornalismo comete suicídio. Se não é possível confiar na apuração dos fatos, as pessoas passam simplesmente a ouvir as opiniões de que mais gostam e ponto final, adeus realidade objetiva.

E há também um componente preocupante de infantilidade e total incapacidade de avaliar a diferença entre violência e regra. Dizer não é sempre uma violência. Não importa o que a pessoa faça, ela vai sacar da manga uma carta qualquer de minoria oprimida que lhe dará o free pass de fazer o que quiser.

A tendência do público nesse caso será de crucificar a mãe. Só de olhar a foto do lugar a gente já quase pega micose, avalia enfiar uma criança ali. Mas é o jeito dela de viver e quem já teve filho dessa idade sabe como a gente fica cansada e às vezes julga mal.

Não dá para levar criança num lugar sem antes se informar como o lugar recebe crianças. Mas eu já fiz isso, você provavelmente também, quem nunca? Ela pensou que ia ter um momento de diversão com os amigos, preparou tudo na gambiarra e ficou frustrada porque não deu certo. Talvez tenha ficado irritada, postou na rede social, tudo bem.

Suponhamos que tenha amigas jornalistas, ficou revoltada porque ainda não se acostumou à vida de mãe, queria muito ir ao pé sujo da moda, resolveu desabafar com uma delas. Vai que ela pega pilha e a chata do bar recebe o que merece. "Mãe solo vive sendo discriminada, nem isso eu posso". Como desabafo de uma amiga frustrada, normal. Mas quem é a mente genial que resolve fazer disso uma reportagem? Não falo aqui de opinião, coluna, blog, mas de reportagem nos principais jornalísticos do país. É a falência intelectual completa.

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O labirinto mental do identitarismo (ou wokeísmo)

Entender o sistema de crenças que nos leva a esse nível de imbecilização é fundamental para que nós possamos reverter esse processo. Um dos pontos mais importantes é nunca ceder a nenhum capricho do identitarismo por mais besta e inofensivo que ele pareça. Pedir desculpas pelo que não fez, por exemplo, não adianta e não pacifica nenhuma situação.

Esse grupo vê tudo no mundo a partir da perspectiva de um grupo de opressores e outro de oprimidos, que muda conforme a situação. Não existe exatamente uma lógica. Preconceitos que realmente existem, como o racismo, serão submetidos a uma distorção completa. De repente, não dizer publicamente que uma frase de alguém é racista passa a ser racismo. Mesmo se a frase não for racista.

É um sistema de poder e controle por meio do bullying e do ataque em massa. O identitarismo é uma crença que cobre pessoas más com o manto da superioridade moral. Assim, elas podem cometer todas as perversidades com as quais sentem prazer sem peso na consciência e sem ônus social.

No caso específico, qual é o raciocínio? Uma pessoa que provavelmente não aprendeu a respeitar regras ou a ouvir não tentou uma gambiarra parental. Não deu certo, ela fica frustrada. E agora? Ali é praticamente um santuário do identitarismo, com linguagem neutra em todos os cantos, conversinha mole sobre inclusão entre drinks de R$ 90 e adoção completa da fluidez de gênero até para pets.

Não importa o quanto você ceda ao identitarismo, sempre poderá ser um alvo. E isso ocorre porque a sua adesão não modifica a realidade, apenas serve para assegurar a você que você tem superioridade moral. O Miúda é inclusivo ou não? Ninguém sabe porque a avaliação não depende de dados objetivos, como incluir pessoas ou não. Depende de usar gênero neutro, gostar de bicicleta, ter cabelo colorido, essas coisas.

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Barrada na porta com o filho de 5 anos, a moça pensou qual minoria ela poderia representar. É a chave para virar notícia hoje, em que o moralismo de quinta categoria e a dramatização transformam qualquer regra em violência. Bom, ela é mãe solo. Basta lançar a carta que as mães solos são excluídas pelo bar que se diz tão inclusivo. Pronto, ninguém vê mais nada. É praticamente a reencarnação do Hitler.

Um grupo de pessoas pode escolher viver assim. O direito à alienação e à imbecilidade é universal e irrevogável. O problema é quando essa começa a ser a pauta do noticiário de grandes veículos nacionais. Esqueçam os fatos, vamos olhar quem é a minoria e contar a história de um jeito em que negar qualquer capricho da pessoa seja um ato de violência.

O mais curioso é que não estamos falando nem de violência nem de minoria oprimida mas este é o coração de todas as reportagens sobre o assunto: discrimina mães solo. Se a pessoa faz parte da seita do identitarismo, será praticamente obrigada a endossar essa insanidade nas redes sociais. Caso não faça, será xingada do mesmo jeito que o Miúda está sendo xingado agora. Mas isso não impede que ela seja xingada amanhã.

As redações dos principais veículos brasileiros estão coalhadas de adeptos da seita do identitarismo. São pessoas que dão como fatos coisas como racismo estrutural, cultura do estupro e necessidade de descolonização da cultura. Eu não vejo problema em estarem nas redações nem em escreverem colunas. É como se eu escrevesse colunas sobre a fé cristã relatando minhas experiências de fé. Para mim, elas são reais: encontros inesperados, revelações impossíveis, salvações de último minuto, coincidências que parecem de filme.

Mas seria diferente eu me meter a fazer uma reportagem, por exemplo, sobre um sequestro. Lá pelas tantas eu digo que Nossa Senhora Desatadora dos Nós intercedeu pela vítima e revelou a um investigador a localização do cativeiro. Não teria revelado ao delegado, que estava até mais perto, porque ele é ateu. Essas reportagens do bar foram feitas exatamente dessa forma.

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Quando vão chamar os adultos de volta para o jornalismo? Termino com uma frase de um anônimo que vi ontem no Twitter: "se 10 pessoas estão sentadas numa mesa de bar, chega uma criança e ninguém se levanta, há 11 crianças sentadas numa mesa de bar".