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Madeleine Lacsko

Madeleine Lacsko

Reflexões sobre princípios e cidadania

Identitarismo

Militância gourmet descobre que o PT e o PSB são dominados pela branquitude

(Foto: Ricardo Stuckert/PT)

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Deve ter caído como uma bomba nos apartamentos de Marcia Tiburi e Jean Wyllys em Paris a foto oficial dos times de Lula e Alckmin. Em pleno 2022, apesar de tantas duras batalhas no Twitter e em saraus, a branquitude dominava a cena e apenas duas mulheres estavam no meio do batalhão de homens. Justo no PT, o partido mais diverso do Brasil. O que poderia ter acontecido? Bem vindos à linha de corte entre militância e sua gourmetização, o identitarismo. Convido vocês a um passeio.

Muita gente acredita que as causas de minorias são de propriedade da esquerda festiva, principalmente o parque de areia antialérgica que compõe essa esfera da sociedade. É exatamente por isso que se estabeleceu a verdade absoluta, utilizada até em decisões judiciais, de eliminar o racismo por photoshop.

Como fazer militância mesmo e ocupar espaços políticos dá trabalho, o pessoal segue com suas vidinhas e fica fazendo teatro. Mas precisa do manto da superioridade moral para poder atazanar e xingar os outros. Assim, é possível fingir que seriam pessoas civilizadas e respeitosas caso o inimigo não fosse tão poderoso. E o inimigo, claro, é a opressão, o racismo, a misoginia e tudo o que for excludente.

Parece algo impossível, mas não é onde falta matemática. É uma das razões pelas quais me convenci de que a matemática e o antidoping salvarão o Brasil. A imprensa, formadores de opinião e autoridades públicas utilizam fotos de organizações específicas para aferir se existe ou não racismo. Até aí, embora seja um dado impreciso, juntando várias temos algo a verificar.

A presença de mulheres e negros em posições de poder é uma ideia cultural muito recente. Só é ponto pacífico, escrito no papel, que somos todos iguais há 70 anos, desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Quantos anos de história cultural temos? Reconhecer igualdade racionalmente e no papel é muito mais claro e fácil do que mudar a cultura e a estrutura de uma sociedade. As duas coisas são importantes e já são um processo em curso que precisa ser continuado.

O problema do identitarismo, a ala cirandeira da esquerda, é propor soluções que não solucionam nada. Viver num universo paralelo é um direito. O problema é implementar propostas estapafúrdias na política do mundo real e querer correr das consequências quando elas inevitavelmente ocorrem.

A polêmica não é a branquitude do PT, mas as falsas promessas do identitarismo. O PT foi celebrado como o partido mais diverso do Brasil, que mais tinha candidaturas de minorias. E isso é verdade mesmo. Ocorre que o identitarismo prega que basta colocar as minorias em um lugar que esse lugar deixa de ser racista, machista, homofóbico, etc. Daí não funciona e cobram quem disse isso. Qual a reação? Dizem que é racismo.

Além do tom melodramático e da lógica em que a pessoa vale por quanto sofre, não pelo que faz, temos aqui uma confissão pública de incompetência. Para participar do jogo do poder, é preciso no mínimo entender a natureza dele. Culpar o "capitalismo dos trópicos" por não estar na cúpula do partido explica porque não está lá. Poder não se dá, se toma, na lógica da espécie humana. Está esperando receber de bandeja, é isso? Não entendi.

Mas é esta a natureza do identitarismo, uma série de teses negacionistas que formam uma capa de superioridade moral usada por pessoas divisionistas, más e cruéis. A deputada em questão critica até quem usa camisa azul na esquerda porque a estética correta seria usar vermelho. Nada mais natural que ser cobrada quando seus próprios ídolos políticos fazem uma foto só de homens brancos com camisas azuis.

Não estamos falando aqui de cobrar um adolescente que está iniciando o conhecimento na política e se apaixonou por determinada teoria. Estamos falando de uma pessoa que está na máquina política e tem mandato. É muita incompetência criticar nos demais partidos uma característica que o seu tem também. Ou não entende o jogo político ou não conhece o funcionamento do próprio partido, no caso o PT.

Você já viu Benedita da Silva pegando foto de evento, contando a proporção de brancos e denunciando por racismo? Não. Ela é a primeira mulher negra a alcançar os mais altos postos legislativos do Brasil e também quem conseguiu paridade no fundo eleitoral para candidatos negros. Talvez estudar os métodos das gerações antigas fosse mais eficiente que xingar em rede social, o problema é que dá trabalho.

Goste você ou não de Benedita da Silva, ela conseguiu deslanchar sua carreira política, abrir portas e arrancou do PT algo extremamente raro, uma cláusula de consciência. Evangélica, ela é radicalmente contra o aborto e o partido expulsa quem vota contra a orientação da liderança. Benedita tem a concessão do PT para votar de acordo com a sua fé neste caso. É alguém que consegue coisas, do seu jeito.

Já outra militante antiga do movimento negro do PT, Lélia Gonzalez, pioneira na fundação de entidades negras incluindo o Olodum, entendeu que o partido não tinha no seu horizonte este tipo de causa. Isso foi há 36 anos. Em uma carta pessoal a Lula e uma carta aberta ao partido, anunciou a desfiliação para procurar um lugar onde avançasse mais a pauta do movimento negro, que era seu principal objetivo.

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São duas formas diferentes de avançar objetivos semelhantes. Creio que o ponto comum mais importante é que tanto Lélia Gonzalez quanto Benedita da Silva são de famílias muito pobres do Rio de Janeiro e trabalharam desde crianças como empregadas domésticas. Ambas concluíram que só a educação mudaria suas vidas, entraram para a política depois de dar nó em pingo d'água para conseguir uma formação universitária. Aí se coloca a linha divisória entre militância e identitarismo.

Concorde você ou não com o movimento negro dos anos 1970 e 1980, ele era composto de gente consciente de que militância política significa ter objetivos no mundo real. O primeiro ponto era conseguir estudar, ter empregos melhores e uma situação financeira que possibilitasse a entrada na vida política para defender a ideia que fosse. As ideias podem ser diferentes, mas sem a base educacional em primeiro lugar, nenhuma delas prospera.

Na vida política real, há o conhecimento de que o valor de uma liderança é medido por aquilo que ela é capaz de fazer acontecer. No identitarismo - ou movimento woke - o tanto de opressão ou sofrimento que alguém passa dará o valor àquela pessoa. E isso se confunde com trabalhar por mudanças, como vemos na declaração de Marcia Tiburi.

São grupos que, por não fazer nada, exageram nas tintas de tudo para parecer que estão matando o Hitler a tuitada. Quando interagem com alguém de fora do grupo, sempre apelam a uma mistura de vitimismo e agressividade. A lógica é que uma pessoa está certa ou errada pelo tanto de opressão que seu grupo social sofre. Quanto interagem com alguém de dentro do grupo, exageram em elogios imerecidos. Não há nuances.

Não duvido que a vereadora tem méritos e merece elogios. Ocorre que ela não está trabalhando para mudar o cenário e, caso esteja, apesar dos autoelogios, não está tendo muito resultado. Quem cobrou dela que faça a mudança que promete foi chamado de racista. Para revolucionários como Marcia Tiburi, este é um método eficiente de enfrentar racismo e misoginia dentro do PT.

A revolta de muitos militantes parece e é a apoteose da superficialidade. Mas eles não inventaram esse conceito de branquitude nem de que diversidade se mede em qualquer foto de qualquer contexto. Faz anos que o PT vem estimulando o identitarismo, que é a antipolítica. Uma hora, ela se volta contra todos da política, inclusive quem se julgava blindado na esquerda.

Essas postagens são de 2017, quando já tinha gente começando a reclamar de racismo dentro do PT. O conceito de racismo não é propriamente racismo, é não ter determinada taxa de pessoas negras nos cargos de direção. O PT, naquela época, dizia que as pessoas precisavam atuar no partido para chegar aos cargos de direção.

Desde o impeachment de Dilma Rousseff, em 2017, o PT abriu cada vez mais espaço para a militância identitarista. Isso não quer dizer abrir espaço para diversidade política, mas exatamente o oposto. Aquele que pertence à elite urbana, age de maneira radical e divisionista mas se diz um revolucionário contra a opressão ganha no PT o status de defensor da diversidade. Um exemplo é esta fala de Marcia Tiburi, que incrivelmente foi candidata do Partido dos Trabalhadores ao governo do Rio de Janeiro. (Reparem na expressão de Tarcisio Motta, à esquerda).

Apostar em lideranças que vêem a política apenas como forma de provar sua superioridade moral perante os demais tem seu preço. Elas exercem suas atividades xingando os outros nas redes e tocando a própria vida, não compreendem um projeto de partido. É evidente que essas lideranças, divisionistas e intolerantes por excelência, não vão galgar a cargos executivos dentro de um partido político e a "branquitude" na foto vai continuar.

O mais curioso do petismo, no entanto, é a característica de fidelidade quase religiosa à figura de Lula. Se, no passado, houve militante que saiu do partido perseguindo as próprias convicções de mundo, hoje tem gente que se julga militante gritando muito nas redes. Vai saber quantos anos mais vamos aguentar desse pessoal reclamando da branquitude do PT, votando no Lula e continuando ineficiente para mudar o que pretende até mesmo dentro do próprio partido.

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