O México está aprendendo de maneira amarga os resultados da experiência explosiva de misturar arte com glamurização da vida criminosa. Agora, os Estados Unidos querem embarcar nessa.
Emma Coronel, mulher do megatraficante e assassino em massa Joaquin El Chapo Guzmán, vai ser estrela do reality show "Cartel Crew", da emissora norte-americana VH1. O programa reúne familiares de diversos traficantes de drogas, mas incluir na trupe a mulher de um dos traficantes mais famosos do mundo é um outro patamar.
El Chapo, chefe do cartel de Sinaloa, foi durante décadas o homem mais procurado do México. Poderoso, se mantinha fora do controle da lei por meio de muito dinheiro e assassinatos em massa. Foi a paixão pelas celebridades e pela fama que selou seu destino de condenado à prisão perpétua nos Estados Unidos.
Ele se encantou pela atriz mexicana Kate del Castillo, um dos grandes nomes das telenovelas, quando ela interpretou "La Reina del Sur", uma chefe de quadrilha. Passou a trocar mensagens com ela. Ela conheceu o ator de hollywood Sean Penn, que disse ter a intenção de fazer um filme biográfico de El Chapo. Os olhos do barão do crime brilharam.
Na verdade, Sean Penn queria fazer uma entrevista para publicar na revista Rolling Stone. Num episódio conturbado e quase irracional, os dois atores vão ao encontro do traficante sem saber que estão sendo monitorados pela inteligência dos Estados Unidos. Finalmente o barão do crime seria deportado.
(Essa história, que realmente parece mais novela mexicana que realidade, é muito bem retratada em duas séries documentais que estão disponíveis na Netflix: "The Day I Met El Chapo" e "El Chapo". A primeira conta especificamente sobre o encontro, a outra é a história de crimes e fugas do traficante.)
Emma Coronel tem 32 anos, é 30 anos mais nova que o megatraficante e casou-se com ele ainda adolescente. Mais uma vez a fama entra na história. Ela era rainha de concursos de beleza infantil e adolescente no México, encantou o traficante e isso acabou em casamento. Ela é mãe de gêmeas de 7 anos de idade. Estima-se que seja a quarta mulher do criminoso, que teve pelo menos 10 filhos.
A esposa e os dois filhos pequenos de El Chapo vivem nos Estados Unidos, mas não têm acesso a ele. Devido à periculosidade, o megatraficante está no presídio de segurança máxima do Colorado, lugar onde está preso, por exemplo, o Unabomber.
Outro apelido de Joaquín El Chapo Guzmán é "The Last Godfather", o último poderoso chefão. Faz sentido. Mesmo que esteja cumprindo prisão perpétua nos Estados Unidos, o pesadelo de todo chefão criminoso latinoamericano, seu nome continua sendo símbolo de poder. O cartel de Sinaloa hoje é comandado por seu filho, Ovidio Guzmán.
No mês passado, o filho de El Chapo, também chefão do crime, foi preso no México. Foram tantos os atentados contra policiais nas horas subsequentes que o governo mexicano optou por soltar Ovidio Guzsmán. O policial que o prendeu apareceu morto dias depois: levou 150 tiros.
No meio de tanta violência parece que a rainha da beleza juvenil é refém do marido criminoso, mas as coisas não são tão simples assim. Emma Coronel virou uma figura conhecidíssima nos Estados Unidos devido à performance durante os 3 meses de julgamento do marido e tem noção da atração que muitos sentem pela vida criminosa.
Ela chegou a registrar a marca "El Chapo Guzmán" para comercializar uma linha de roupas, bonés e capas de celular e anunciou isso quando foi entrevistada no final do julgamento. As cenas de Emma Coronel no reality show já foram gravadas e a estreia é na próxima segunda-feira.
O senador conservador John R. Kennedy, eleito pela Louisianna, postou em suas redes sociais a carta que enviou ao presidente da VH1 pedindo que reconsiderasse a participação da mulher de El Chapo na atração.
Na próxima segunda-feira, Emma Coronel será apresentada na atração da VH1 a bordo de um iate em Miami, usando uma blusa decotada branca e óculos espelhados. O episódio mostrará o encontro dela com Michael Corleone Blanco, filho de um traficante do Cartel de Medellín, e o namorado dele, Ramirez Arellano.
No meio da mistura explosiva entre crime e fama há duas meninas de 7 anos que vivem nos Estados Unidos, não têm contato com o pai e são criadas somente pela mãe. O próprio seriado mostra como é difícil para famílias de criminosos conseguir viver de dinheiro honesto. É necessário cruzar a fronteira entre dois mundos, cheia de obstáculos.
Acredito em redenção. Não há dúvidas de que o melhor caminho para Emma Coronel é superar seu passado, viver honestamente e criar suas filhas num universo diferente daquele em que ela viveu no México. Aí vem a questão: quem vai dar emprego para a mulher de El Chapo? Você daria?
Outra questão é a glamurização do crime. Vivemos a era da hipercomunicação e dos grupos formados com base nas frustrações e ressentimentos, com muito contato por redes e pouco contato humano.
É uma geração que tem na insegurança sobre o futuro e na sensação de derrota fontes de ressentimento. Na geração nascida em 1940, 9 em cada 10 norte-americanos ganhavam mais que seus pais quando chegavam aos 30 anos de idade. Na geração nascida em 1980, segundo o cientista político Yascha Mounk, são somente 5 a cada 10.
O futuro dos pais dessa geração teve a busca por independência financeira, casa própria, carro. E qual é o objetivo dessa geração? Incerto ainda. É nesse contexto que familiares de criminosos estão virando estrelas de TV. Quais serão as consequências? O showbusiness está pagando para ver.