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Madeleine Lacsko

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Reflexões sobre princípios e cidadania

Nova Constituição: relembre as últimas vezes em que ouvimos essa proposta

Constituição do Brasil veda textualmente a reeleição de presidentes da Câmara e do Senado em uma mesma legislatura.
Constituição do Brasil veda textualmente a reeleição de presidentes da Câmara e do Senado em uma mesma legislatura. (Foto: Beto Barata/PR)

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Desta vez, o escalado para vir com a brilhante ideia de uma nova Constituição foi o líder do governo, Ricardo Barros, do PP, partido que fez parte de todos os governos desde sua criação. O político brasileiro é o exemplar mais bem acabado da adolescência tardia, vocalizando sempre a intenção de mudar as regras que não quer ou não consegue cumprir. A moda criada pela esquerda brasileira, de copiar Hugo Chávez e brincar de Constituição à la carte chegou ao governo Bolsonaro.

A nossa Constituição Federal tem problemas? Tem, claro, foi feita por humanos. São muito maiores, no entanto, os problemas das desculpas esfarrapadas dos políticos para tentar uma Assembleia Constituinte. Quem começou com a história aqui no Brasil, ainda no governo Fernando Henrique, foi Lula. A ladainha prosseguiu na boca do PT até as últimas eleições e agora volta a entrar na moda.

O deputado Ricardo Barros recorre a algo que ronda o imaginário popular e mexe com os brios dos políticos para justificar um cheque em branco, que poderia mudar todas as regras que conhecemos: a elite do funcionalismo. Judiciário e Ministério Público têm regalias demais e responsabilidades de menos, concordam? A solução proposta é dar aos políticos o poder de mudar todas as regras que você conhece, todas mesmo. Direito à propriedade, todos os contratos assinados, igualdade, direito à vida, pense em qualquer coisa: tudo pode mudar numa nova Constituição.

Antes de começar a pesar prós e contras, uma informação que geralmente falta quando se apresenta o tema: não precisa mudar a Constituição Federal para corrigir os problemas que o deputado aponta. Uma PEC, Proposta de Emenda à Constituição, que pode ser feita sem dar superpoderes a políticos ou deixar o país sem segurança jurídica, é suficiente. Aliás, isso já foi feito antes, é a Emenda Constitucional 45, aprovada em 2004 depois de anos de trabalho conjunto e suprapartidário, que promoveu alterações significativas.

Há quem compare o que ocorre agora no Chile ao que se pretende no Brasil. Só me surpreende que esse pessoal não fique nem vermelho. Os chilenos estão fazendo agora o que nós fizemos em 1988, mas com uma distância histórica maior. Vão substituir a Constituição em vigor durante o regime Pinochet por uma nova, mais adequada ao regime democrático. É melhor ter feito como nós fizemos, mudando assim que houve a troca do regime ou esperar décadas de maturação da mudança? O tempo dirá, agora podemos apenas fazer apostas.

Nos governos Collor e FHC não se falava em mudança de Constituição. Aliás, a própria Constituição previu uma revisão em 1993, que acabou com apenas 6 emendas. Comentávamos muito, aliás, como seria bom ter tido menos constituições no Brasil, à semelhança dos Estados Unidos. Foi após a emenda da reeleição e de perder no primeiro turno para FHC, que Lula deu uma entrevista à Folha de S. Paulo falando pela primeira vez em derrubar a Constituição de 88. Virou moda.

No dia em que tomou posse, 2 de fevereiro de 1999, Hugo Chávez já convocou o plebiscito pedindo uma nova Assembleia Nacional Constituinte. Alegava que a anterior havia sustentado um regime que, durante 40 anos, tirou direitos do povo e, por isso, era necessário começar do zero. Na época, 70% dos venezuelanos foram favoráveis a assinar um cheque em branco para Chávez e os políticos, acreditando na melhoria da democracia e das condições de vida.

Em julho de 1999, a Assembleia Nacional Constituinte foi eleita, com ampla maioria chavista. Foi dissolvido o Senado e ampliaram-se os poderes políticos e de intervenção econômica do presidente. Convocaram-se novas eleições para 30 julho de 2000, vencidas por Hugo Chávez, que também teve maioria na Câmara dos Deputados. Imediatamente o Legislativo aprovou uma lei dando a Hugo Chávez o direito de legislar, as chamadas "leis habilitantes". Na prática, a partir daí, o regime chavista estava instalado institucionalmente.

Menos de um mês depois da instalação da Assembleia Nacional Constituinte da Venezuela, Lula disse em entrevista à Folha de S. Paulo: "Aprovamos uma Constituição em que aprovamos mais recursos para os municípios e Estados, e o Fernando Henrique Cardoso rasgou essa Constituição. Então, veja, você não faz uma Constituição a todo ano, a todo momento, a toda hora. Você faz uma Constituinte quando a sociedade brasileira começa a perceber que é necessário convocá-la. Os partidos políticos e a sociedade podem chegar em algum momento e falar: 'Bom, esta Constituição já não atende mais às necessidades do país. Temos que consultar a população para saber se quer uma nova Constituição'."

Não havia sido preciso fazer uma nova Constituição nem para instituir a reeleição presidencial, que não era prevista originalmente. Precisaria fazer para redistribuir recursos para Estados e Municípios? Além do pacto federativo, Lula também citava direitos sociais tendo sido rasgados pela política econômica de FHC, sem explicar como uma nova Constituição resolveria e por que seria necessária.

Aliás, o PT votou contra o texto final da Constituição de 88. Muitos dos principais acordos só foram fechados devido ao talento político do mais novo cristão conservador e aliado de primeira hora do presidente Bolsonaro, Roberto Jefferson, que criou o chamado "bloco do centrão". No mesmo dia em que Lula esculachou a Constituição num discurso da tribuna, Roberto Jefferson fez um discurso emocionado sobre a grandeza do espírito público de Ulysses Guimarães.

Se você acha que nós temos problemas com uma Constituição Federal feita sob a batuta de Ulysses Guimarães, imagine que beleza seria a regência de um Rodrigo Maia ou Davi Alcolumbre. E, por que não pensar alto, um dos filhos do nosso presidente ou o inseparável Hélio? Sabe-se lá se, de repente, o próprio Lula, Dilma, um Jean Willys de volta do exterior, Maria do Rosário. E, por que não, novatos como Alexandre Frota, os meninos do MBL, promotores-artistas, Guilherme Boulos. Talentos políticos não nos faltam e de tédio o Brasil não morrerá jamais.

Em 2006, durante seu primeiro mandato, Lula veio com uma ideia que seria utilizada pelo PT na imprensa até esgarçar: a Constituinte Exclusiva. Trata-se de algo que não existe, mas foi debatido à exaustão durante doze anos, até as eleições de 2018, todas as vezes em que Lula ou Dilma vieram com essa ideia. Na posse do primeiro mandato, em 2003, o PT prometeu Reforma Tributária, Reforma Previdenciária e Reforma Política. Na campanha para a reeleição, a última não havia sido concretizada e Lula era cobrado o tempo todo.

Em 2 de agosto de 2006, sem ter mais o que dizer à imprensa sobre por que a Reforma Política não havia sido feita, Lula voltou com a ideia da Constituinte: comprometeu-se a mandar ao Congresso Nacional, logo após as eleições, uma proposta de "Constituinte Exclusiva" só para fazer a Reforma Política. A ideia não foi dele, foi de 10 representantes do Conselho Federal OAB que haviam conseguido uma audiência com o presidente no Palácio do Planalto. A ideia foi utilizada à exaustão na campanha de Lula à reeleição, afinal, ele não tinha culpa pela não aprovação da Reforma Política, o Congresso é que não seria capaz de fazer algo contra seus próprios interesses.

Reeleito, Lula nunca mandou proposta nenhuma. Terminado o governo sem reforma política, na boca da primeira campanha presidencial de Dilma Rousseff, o deputado Marco Maia (PT-RS) apresentou a PEC 384/2009 prevendo a convocação de uma "Constituinte Exclusiva" para a Reforma Política no ano de 2011, logo após as eleições. Foi arquivada em 2011, sem nunca ter tido qualquer andamento além das assinaturas de 306 dos 513 deputados favoráveis a apresentação da proposta. Não chegou a ser analisada pela Comissão de Constituição e Justiça, mas tinha um vício insanável: não pode o Congresso propor revisão da Constituição, tem de ser por plebiscito necessariamente.

De qualquer forma, foi mais uma campanha eleitoral em que a tal história esgarçada da "Constituição Exclusiva" para a Reforma Política surgia em tudo quanto é debate. A diferença desta vez estava no vice da chapa, Michel Temer, um dos maiores constitucionalistas do Brasil. Num debate público, em 24 de agosto de 2010, ele contrariou a candidata à presidência e disse que a ideia era inviável e inconstitucional, como já havia afirmado antes, em documento que assinou como presidente da Câmara. Mas o Brasil tem memória fraca.

Dilma Rousseff tomou posse em 2011 e também não fez a tal da Reforma Política. Adivinhe o que Lula começou a defender já no início da campanha? Sim, a tal da "Constituinte Exclusiva" para realizar a Reforma Política, já que também não era culpa da Dilma que ela não tinha sido feita. Culpado era o Congresso Nacional, que não tinha capacidade de fazer e não queria mexer nos próprios interesses. Na verdade, havia uma comissão com discussões bem adiantadas sobre financiamento, voto distrital, voto em lista e cláusulas de barreira.

A própria candidata voltou com essa conversa, mais uma vez na corrida eleitoral de 2013, aquela em que João Santana inaugurou magistralmente no Brasil uma outra tendência, a das fake news de campanha e uso de robôs de internet. A tal história da "Constituinte Exclusiva" para a Reforma Política chegou a ter um episódio muito pitoresco no programa eleitoral. Foi feita uma votação pela internet, coisa em que acreditávamos naquela época, e deu que 97% do povo brasileiro era favorável ao plebiscito para a nova Constituinte. A Gazeta do Povo chegou a fazer um editorial sobre o espetáculo.

Em 2018, tanto Fernando Haddad quanto Jair Bolsonaro colocaram em seus programas de governo propostas de uma nova Constituição Federal. A apresentada agora pelo líder do governo, curiosamente, é a do petista. Bolsonaro propôs que uma comissão de notáveis escreveria uma nova Constituição. Isso, em tese, é possível, mas precisa da autorização do parlamento.

"O golpe aprofundou a crise de representação política e agravou o desequilíbrio no sistema de pesos e contrapesos das instituições republicanas. A refundação democrática implicará em mudanças estruturais do Estado e da sociedade para restabelecer o equilíbrio entre os Poderes da República e assegurar a retomada do desenvolvimento, a garantia de direitos e as transformações necessárias ao País", dizia o programa de governo de Fernando Haddad. A ideia da Constituição feita por notáveis foi vocalizada pelo vice de Bolsonaro, General Mourão, durante a campanha.

Nas entrevistas ao Jornal Nacional, tanto Haddad quanto Bolsonaro disseram que não queriam uma nova Constituição. "Jamais eu posso admitir uma nova Constituinte, até por falta de poderes para tal.", declarou o atual presidente durante a campanha. Talvez nem os próprios políticos aguentem mais essa ladainha repisada de fazer outra Constituição. Mas, ao levar a base de apoio de Dilma para o seu governo, Bolsonaro acabou importando também alguns dos vícios de discurso.

Uma curiosidade: você sabia que a Constituição de 88 jamais foi implementada na íntegra? Ela não foi entregue pronta e acabada, tinha uma revisão prevista e 415 regulamentações pendentes. Caso nossos políticos tivessem dedicado ao trabalho metade do tempo que dedicam a polêmicas, a gente soubesse como é para a Constituição funcionar.

No site da Câmara dos Deputados, você pode acompanhar quais são os dispositivos da Constituição Federal que ficaram pendentes de regulamentação. Alguns deles jamais saíram do papel porque não foram regulamentados. Dos 415, 26 são emendas constitucionais, os demais são todos pontos a definir do texto original. Até o momento, apenas 263 foram regulamentados, dos 152 pendentes de regulamentação, 59 não têm até hoje nem proposta apresentada para regulamentar. A vida é muito corrida, não deve ter dado tempo.

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