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Vivemos uma geração "coach", um grande faz-de-conta em que é possível construir uma imagem de vencedor enquanto se agoniza numa poça de sangue. É só pensar positivo, focar no positivo, abandonar as crenças limitantes que se consegue o sucesso. Entendemos como sucesso conquistas financeiras e profissionais que podem vir de uma alma profundamente atormentada.
Não consideramos que haja sofrimento ou dores da alma daqueles que julgamos bem sucedidos. Embora todos os sinais pudessem estar presentes na relação, ainda temos dentro de nós uma ideia de que doença mental é ligada a falta de inteligência e organização. Claro que racionalmente não falamos isso, mas ignoramos os sinais de sofrimento de quem consegue ser bem sucedido.
O caso tristíssimo do Procurador da Fazenda Nacional Matheus Carneiro Assunção é o exemplo claro de como o sucesso profissional e financeiro abafa os sinais de sofrimento pessoal. Nas redes sociais, o rapaz de 35 anos postava as fotos de baladas caras e viagens ao exterior. No dia-a-dia, era super positivo. Um amigo pessoal, também Procurador da Fazenda, relatou ao jornal Metrópoles: "Assim como eu, ele não gosta de reclamar da sorte, reclamar do trabalho, para não passar uma imagem de fraco, indicar um sinal de fraqueza”.
Quem reclama é fraco, para parecer a força que não temos precisamos esconder o sofrimento em vez de lidar com ele e superá-lo. É assim que forjamos tragédias.
Matheus Carneiro Assunção foi um prodígio em sua área profissional desde quando passou no concurso. Competentíssimo, ultrapassou rapidamente na carreira colegas mais velhos e todos sabiam que estava sendo preparado para vôos ainda maiores. Nas redes sociais, comemorava os inúmeros fatos que consolidavam seu sucesso profissional e acadêmico.
Nada indicava que esse homem seria declarado inimputável pela Justiça. "Ante o laudo psiquiátrico apresentado, tanto por perito oficial como pelo próprio assistente técnico da defesa, o réu, no presente momento, é pessoa incapaz, sem condições mentais de tomar decisões corriqueiras da vida em sociedade, salvo para situações mais simples e de reduzida expressão jurídica ou econômica", decidiu o juiz Alessandro Diaféria.
Após uma declaração esdrúxula do ex-Procurador Geral da República Rodrigo Janot, Matheus Carneiro Assunção teve um surto psicótico. É aquela tal história de que ele havia ido armado a uma sessão do STF para matar o ministro Gilmar Mendes. O Procurador da Fazenda era mais um cidadão exaustivamente empenhado no combate à corrupção. Havia ido a um congresso com o tema no prédio do Tribunal Regional Federal da 3a Região.
Não houve um fato que desencadeou a reação, pelo menos na visão das outras pessoas. O Procurador da Fazenda tentou ser atendido por um desembargador, mas este estava em julgamento. Procurou outro, que estava em férias. Entrou no gabinete e tentou esfaquear a juíza que o substituía, acertou perto da jugular, ela o empurrou, ele jogou uma jarra de vidro nela. O barulho alertou a segurança do TRF-3, que o deteve. Ele gritava que havia ido ali terminar o trabalho que Janot não terminou.
Primeiro foi para a cadeia. A defesa tentou alegar insanidade, mas parecia uma forma de fugir da culpa: como um rapaz tão inteligente e bem sucedido seria inimputável? Era. Passou por uma penitenciária, um hospital público e, no final do ano passado, permitiram que fosse transferido para uma clínica psiquiátrica particular, custeada pela família. Era monitorado eletronicamente.
Semana passada, uma funcionária da clínica não conseguiu entrar no quarto dele para entregar o café da manhã. Porta trancada, o Procurador da Fazenda não respondia quando chamavam. Arrombaram a porta, havia uma poltrona impedindo a passagem. Matheus estava morto no quarto.
Os colegas relatavam que ele não falava da vida pessoal. Era solteiro convicto, filho de uma família tradicional de Recife. Muitos colegas ficaram surpresos ao saber que ele convivia com a irmã e o cunhado em São Paulo, nem imaginavam que ele tivesse família na cidade. Era obcecado pela imagem de homem bem sucedido que cultivava nas mídias sociais. Seriam esses os sinais de que algo não ia bem? Difícil dizer.
Vivemos em uma sociedade hedonista e muito apegada a dinheiro, em que os dramas pessoais e as dores da alma parecem não ser uma parte importante do ser humano, mas um entrave para o sucesso.
As pessoas que padecem de dores terríveis temem não ser compreendidas se demonstrarem. As pessoas que poderiam ajudá-las prestam mais atenção em dinheiro e sucesso financeiro do que em laços afetivos e estabilidade psicológica. Adicione-se a essa receita a possibilidade de construir uma falsa imagem de felicidade pelas redes sociais e temos o explosivo.
