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Madeleine Lacsko

Madeleine Lacsko

Reflexões sobre princípios e cidadania

O fim da terra sem lei: conheça as propostas de regulamentação de Big Techs

As gigantes de tecnologia estão na mira da reforma global de impostos, que vai dificultar o desvio de lucros para paraísos fiscais. (Foto: Maicon J. Gomes/Gazeta do Povo)

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Liberais possuem aversão ao termo regulamentação. Meu filho de 9 anos também. Quem tem filhos adolescentes, diz que mais ainda. Ah, mas quem é essa mulher para falar assim dos nossos corajosos liberais? Seus problemas se acabaram, fui atrás de um advogado e filósofo para me ajudar a falar sobre regulamentação das Big Techs. Ronan Wielewski Botelho pondera que os liberais tem razão. Chamei ele para escrever o artigo comigo. O que mais se vê é o Estado normatizar e ao mesmo tempo agir de forma arbitrária e restringindo direitos. No caso das Big Techs, já ficou claro que a acomodação natural do mercado é na direção do caos.

Há uma necessidade de atuação dos governos com base no bom senso. Deixar como está para ver como é que fica significa ficarmos sob as ordens dos empresários das Redes Sociais. Por outro lado, regulamentar demais causará abalo na liberdade de comércio e o fim de todos os avanços importantes que as Big Techs trouxeram para a humanidade. Diante do impasse e sem um modelo pronto de como agir, nada é mais urgente que retomar os valores humanos.

Alguém vai dar as cartas. Por enquanto, são as Big Techs. Os governantes, nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário têm de atuar e já começaram esse movimento em todo o mundo. Levando em conta que a dose transforma remédio em veneno, recorrer aos grandes pensadores da humanidade é uma forma de decidir com mais clareza que futuro queremos a partir da transformação que promovem as Big Techs. Nenhum de nós é a favor de abrir mão de todas as benesses que a tecnologia nos traz, na pandemia sentimos bem a diferença entre ter e não ter acesso a elas.

A decisão sobre como agir não depende de conhecimento sobre tecnologia apenas, há que se colocar adiante de tudo valores humanos e virtudes. Gostaria muito que essa ideia fosse nossa, mas não é. Nicolau Maquiavel (1469 - 1527) nos ensinou ensinou sobre a “virtu” e Anthony Giddens (1938), na sua espetacular obra “As consequências da modernidade”, que ensina sobre a necessidade de atuar com base em valores e virtudes, e sempre de forma equilibrada e imparcial. Até o momento, parece que lemos tudo isso e estamos fazendo o oposto.

Diante da omissão do Poder Executivo e inércia do Legislativo, o Poder Judiciário julga os casos nas primeiras instâncias através da livre interpretação do magistrado de piso. Isso significa que há decisões opostas para casos iguais, já que ninguém fez uma regra clara sobre o que é liberdade de expressão e a fronteira na colisão de liberdades. Já existem sussurros no Supremo Tribunal Federal, mas o debate mais acalorado por lá ainda não chegou, é embalado por um inquérito sigiloso, esse que agora envolve também o deputado Daniel Silveira.

Qualquer que seja sua opinião sobre o caso, há um ponto de vista que tem passado despercebido e é importantíssimo para qualquer regulamentação. A imunidade parlamentar atinge a internet? Caso sim, então as empresas precisarão ter duas regras? Uma para meros mortais e outra para quem possui privilégio de expressão. E, quem sabe, inventem outras categorias. Somos criativos. Parece um debate que precisamos travar em sociedade. Só que não estamos fazendo isso no momento, a não ser em tretas nas próprias redes sociais. Em vez da sociedade debater e dialogar construindo um caminho democrático e equitativo, a decisão virá de apenas 11 brasileiros investidos como Ministros da Suprema Corte, e não assim, adiantará reclamarmos da decisão, apenas seguir.

Não podemos adiar o debate franco e construtivo sobre a organização da internet no Brasil. A pandemia acelerou esta prosa, aqui no Brasil e no mundo inteiro. Geraldo Vandré já dizia: "Vem, vamos embora; Que esperar não é saber Quem sabe faz a hora; Não espera acontecer". Para não dizer que não falamos das flores, vamos saber um pouco mais sobre os modelos internacionais de regulamentação e os parâmetros legislativos que já temos e podem ser aplicados às Big Techs

Estamos diante de uma guerra inovadora da Austrália contra as empresas de tecnologia que atuam nas redes sociais. O Governo Australiano, ao perceber que as redes sociais lucram alto com o conteúdo feito por jornalistas, criou uma lei para que ocorra remuneração, de acordo com a quantidade de engajamento. Aparentemente é a mesma engrenagem remuneratória que já existe no YouTube. Pequena participação nos lucros para quem gera riqueza nas Redes Sociais. Já temos notícias sobre um acordo entre Governo e Facebook. Depois de muito confronto, o parlamento da Austrália aprovou hoje a regulamentação.

Já nos Estados Unidos, berço do liberalismo moderno, a abordagem da concorrência saudável em todos os ramos da economia é o centro da regulamentação. A maioria dos procuradores dos Estados do país (48 dos 50) e a Federal Trade Commission | Protecting America's Consumers – FTC processaram o Facebook no ano passado. A intenção era frear a voracidade em comprar concorrentes e cultivar o monopólio. Descobriram que a empresa de tecnologia dirigida por Mark Zuckerberg mantinha seu “monopólio” no setor de redes sociais há anos por meio de condutas empresariais que atentam contra o livre exercício da concorrência.

A maior potência liberal mundial mais uma vez deixou de lado a birra com regulamentação para evitar o mal maior, o monopólio. É um arranjo em que sempre haverá abusos, mesmo que não ocorra no momento da formação. O risco de ter monopólio no futuro é péssimo negócio para os cidadãos. Fora as interações pessoais, muitos cidadãos estão na internet promovendo seu trabalho. Por isso deixar monopolizar é virar refém dos empresários.

No Brasil temos adequada e robusta legislação que resguarda abusos de usuários a usuários e direitos e deveres para usuários (pessoa física ou jurídica) e as empresas de tecnologia. O nomeado Marco Civil da Internet, esculpido na lei 12.965/14 incluiu a liberdade de expressão como fundamento da disciplina do uso da internet (art. 2º, caput), como princípio a ser seguido (art. 3º, inc. I), e como condição para o pleno exercício do direito de acesso à internet (art. 8º, caput).

A Constituição Federal brasileira além de também garantir liberdade de expressão como princípio capital e necessário, traz o Direito à ampla defesa e ao contraditório caso o usuário seja notificado pela operadora de internet ou Rede Social. O Estado precisa atuar na regulamentação necessária para evitar atos ilícitos e arbitrários. Já temos os Princípios elencados que devem ser respeitados, temos os meios para debater caso ocorram incidentes. Falta definir legalmente o que é Liberdade de Expressão.

Regulamentar os limites da Liberdade de Expressão ou alinhavar direitos e deveres das empresas de tecnologia, principalmente as que atuam em redes sociais no Brasil, não é coisa do Partido Comunista Chinês. É um problema, atual e urgente, que os adultos precisam enfrentar e debater. Os pés no chão dizem que hoje, o Estado existe e tem função fundamental para a vida em sociedade. Há divergência nas ideias pares de teorias do Anarquismo ou comunismo e suas ramificações, principalmente o Anarcocapitalismo, que virou frenesi na alta cultura adolescente. Ocorre que essas teorias não existem na prática.

É importante ressaltar que o foco não deve ser em vedações ou proibições, mas em responsabilização em consequência. O Estado precisa atuar para conter violações aos direitos dos cidadãos na internet, sejam aquelas cometidas pelas Big Techs ou por outros cidadãos. Um exemplo de diretriz é o próprio Código Penal. Ninguém é proibido de matar, mas homicídio é crime punido com pena de privação de liberdade. Cabe também ao Estado garantir o funcionamento livre e responsável das empresas.

Por causa da facilidade e agilidade de informações, estamos diante um período muito fértil de ideias e pensamentos. Há fake news, desinformação e campanhas de ódio em número insuperável. Mas a quantidade de bons conteúdos é muito superior ao ruim. Há muita gente dedicada a produzir material responsável e útil e uma possibilidade de acesso ao conhecimento nunca antes experimentada pela humanidade. Concordamos com o pensamento de Mario Sérgio Cortella, dito ao apresentador Marcelo Tas no programa lendário Provocações (dezembro, 2019), “acredito que a quantidade de gente boa, é superior aos canalhas”. Mas nem tudo são flores.

O sempre atual filósofo, Thomas Hobbes (1588-1679), dizia que o homem não é um animal político ou social, como narrou Aristóteles, mas um lobo egoísta e interesseiro, que sempre quer saciar seu apetite. Sua frase síntese é “O Homem é o Lobo do Homem”.Apesar do filósofo defender a Liberdade, também nos avisava sobre as consequências de tê-la, considerando a natureza maldosa e competitiva humana. Temos um contrato natural de cooperação, mas muitos não seguiram por ganância e desejo de Poder.

Os produtores de bons conteúdos sofrem com o comportamento errático e misterioso das Big Techs. Na prática, são afetados em suas vidas profissionais e pessoais por uma série de fatores, desde arbitrariedades das Empresas de Tecnologia até impactos de sanções impostas de forma generalizada para quem não usa a internet com boas intenções. Atribuir regras claras e limites responsáveis evita principalmente o controle da opinião pública pelas empresas gestoras das redes sociais, e ainda inibe o autoritarismo delas.

Não há escolha entre regulamentar e não regulamentar, a diferença é entre quem vai fazer isso. Ou discutimos enquanto sociedade como impor balizas entre o que é liberdade e o que é abuso nas redes sociais, as Big Techs é que decidirão por nós. Dizia disse Margaret Thatcher que o "socialismo dura até acabar o dinheiro dos outros". Da mesma forma funcionam as ideologias que imaginam um mundo sem Estado. O discurso de uma sociedade sem Estado dura até um indivíduo mais forte esbulhar a liberdade do anarquista.

* Ronan Wielewski Botelho é advogado e filósofo em Londrina, Paraná.

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