Alguns têm a ilusão, sobretudo em tempos de crise, de que há uma luta entre bem e mal fundada na igualdade de forças. Diversas das notícias que nos atingiram neste 2020 podem ter levado muitos a acreditar no triunfo do mal, em forma de peste e do caos causado pelas mentiras e ambições desmedidas de políticos ao redor do mundo.
Vivemos no Brasil uma situação que até pode, de certa forma, ser comparada com o que vivem os Estados Unidos: a mistura da pandemia com crise política e manifestações nas ruas. Os motivos são diferentes, as realidades sociais são diferentes e as histórias dos dois países são diferentes mas os três componentes, juntos, paralisam o que conhecemos como rotina.
Nos Estados Unidos há uma consciência mais clara sobre o valor da vida humana. Talvez seja a raiz cristã que permanece muito clara em todos os momentos para a sociedade, talvez seja um liberalismo que deixa muito claro o fato de não haver vidas menos valiosa que outras. Aqui nos acostumamos a comer migalhas, a aceitar que determinadas pessoas valem menos, suas vidas valem menos, seu tempo vale menos, somos colônia.
Some-se a este ponto o fato de a questão racial nos Estados Unidos ter tido uma história muito diferente da que temos no Brasil, vimos um caldeirão explodir em plena pandemia diante de mais um assassinato de cidadão negro pela polícia. Em uma cena agoniante, George Floyd grita que não consegue respirar enquanto o policial mantém o joelho sobre seu pescoço. Ele está algemado, de bruços, no chão. Morreu em 7 minutos.
A revolta percorreu o país como um rastilho de pólvora. Pela primeira vez na história manifestantes invadiram o gramado da Casa Branca, as luzes tiveram de ser apagadas e o presidente ser levado a um bunker pela equipe de segurança. É nesse contexto que surge, em todo o país, o poder irresistível do perdão.
Temos também manifestações no Brasil. Uma diferença importante é o surgimento da tal "minoria de vândalos", um grupo pequeno e muito violento que se infiltra em qualquer passeata e sai depredando tudo o que vê pela frente, queimando bandeira, batendo em gente. O brasileiro, que odeia assumir responsabilidades, fica discutindo se eles estão certos ou errados. E quem convocou a passeata? Por que permite? Se não dá conta de conter infiltrados, não tem condições de promover movimentos de rua e não deve fazer isso.
No Brooklyn, em Nova Iorque, a tal da "minoria de vândalos" tentou se infiltrar numa passeata para destruir a vitrine da Target, uma loja que vende de tudo, do tipo magazine, muito popular por lá. Em vez de chorões, fugindo da responsabilidade que têm, encontrou gente que controla o movimento:
Falei sobre responsabilidade porque o perdão, poder supremo e irresistível, também opera nesta frequência. A capacidade de perdoar está diretamente vinculada às responsabilidades que assumimos. Quando temos uma sociedade adolescente, que admite adulto se desvencilhando das consequências do que fez, das omissões e do que tirou proveito, o perdão fica impossível.
É óbvio que existe preconceito racial nos Estados Unidos, que é inadmissível o que aconteceu com George Floyd e que, mesmo não sendo racistas, as pessoas brancas acabam recebendo vantagens no dia-a-dia por viver num mundo que as favorece, ainda que repudiem essa estrutura.
Quando se fala de racismo, machismo, preconceito religioso ou qualquer tipo de preconceito numa sociedade adolescente, que foge de responsabilidade, qual é a primeira resposta? "Não generalize". A pessoa não é capaz de enxergar as dificuldades dos outros, mas imagina que foi acusada de algo e então reage imediatamente. Não suporta críticas e nem quer saber se foi a ela ou não, dane-se quem sofre. Em sociedades mais maduras, essa atitude, que coloca gasolina no fogo, obviamente não é tida como adulta.
Em diversas cidades conflagradas nos Estados Unidos, o poder irresistível do perdão tem se imposto sobre a peste, o caos político, a morte, o racismo, o desentendimento. É importante reconhecermos a grandeza dos envolvidos em cenas que nos enchem de esperança.
Esta última cena é um dos exemplos mais bonitos de liderança pacífica em meio ao caos. O xerife Chris Swanson, do interior do Michigan, chamado para controlar um protesto violento, resolve depor suas armas e perguntar à multidão como poderia ajudar. A multidão pediu que ele se juntasse ao protesto. Ele marchou junto, ganhou corações, passou a liderar, pacificou os ânimos.
As demais cenas estão acontecendo em diversos pontos dos Estados Unidos. Policiais ajoelham-se pedindo perdão a pessoas que estão revoltadas. Vizinhos brancos ajoelham-se e pedem perdão a vizinhos negros que estão revoltados. Por que eles pediriam perdão se não fizeram nada? Porque conhecem o poder irresistível do perdão.
No Brasil apelamos sempre ao cinismo de exigir de quem teve o coração ferido para esquecer, passar a borracha, fingir que não aconteceu. Quem fere, além de não se arrepender nem se desculpar, tem de ser perdoado sem querer perdão, vale mais que todos os demais que feriu. Só que isso não chama perdão, chama hipocrisia, que é um poder tremendo, mas não irresistível.
O mais provável é que nenhuma das centenas de pessoas brancas que estão se ajoelhando e pedindo perdão a pessoas negras seja racista. Racistas não fariam isso, não considerariam outro ser humano como igual. Quem pede perdão agora não quer ser perdoado mas sabe o poder de colocar o perdão no coração do outro, do que foi ferido e está sofrendo, irado. Perdão não é esquecer e muito menos permitir que os fatos se repitam, é compreensão, é empatia pela dor e a criação de uma possibilidade de convivência pacífica. É um poder irresistível.
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