O futebol movimenta paixões tão profundas que já foi capaz de iniciar e interromper guerras. Como entender e enfrentar o fenômeno da violência nas torcidas organizadas, que se repete em diversos países e culturas diferentes? Hoje foi sancionado um aumento de pena no Estatuto do Torcedor.
Foi aumentado de 3 anos para 5 anos o prazo em que uma torcida organizada é impedida de frequentar eventos esportivos após um ato de violência.
O Estatuto do Torcedor começou a valer no ano de 2003, depois de diversos eventos violentos e muitas discussões sobre quais providências deveriam ser tomadas. No final dos anos 90, se debateu muito sobre a forma britânica de lidar com o problema.
No Reino Unido, a violência de alguns torcedores é algo tão persistente que se criou uma palavra para descrever esse tipo social: hooligan. A solução que promoveu uma grande redução no número e alcance desses eventos, desde os anos 90, foi registrar esses cidadãos e exigir que comparececem às delegacias nos horários dos jogos.
Aqui no Brasil se tentou algo parecido inicialmente no artigo 39 do Estatuto do Torcedor:
Art. 39. O torcedor que promover tumulto, praticar ou incitar a violência, ou invadir local restrito aos competidores ficará impedido de comparecer às proximidades, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, pelo prazo de três meses a um ano, de acordo com a gravidade da conduta, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.
§ 1o Incorrerá nas mesmas penas o torcedor que promover tumulto, praticar ou incitar a violência num raio de cinco mil metros ao redor do local de realização do evento esportivo.
§ 2o A verificação do mau torcedor deverá ser feita pela sua conduta no evento esportivo ou por Boletins de Ocorrências Policiais lavrados.
§ 3o A apenação se dará por sentença dos juizados especiais criminais e deverá ser provocada pelo Ministério Público, pela polícia judiciária, por qualquer autoridade, pelo mando do evento esportivo ou por qualquer torcedor partícipe, mediante representação.
No papel, é perfeito. Não foi à toa que o Estatuto do Torcedor foi tão celebrado por especialistas na área. O problema é que a lei não levou em conta um detalhe chamado realidade, coisa que vira e mexe se passa com peças legislativas com alto potencial de mídia.
A realidade dos agentes de segurança no Reino Unido é muito diferente da nossa. Lá, eles têm tempo e condições para investigar, notificar e punir torcedores violentos. Por aqui, nós não conseguimos esclarecer a autoria de mais de 90% dos homicídios. Na prática, identificar cada um dos torcedores envolvidos num episódio violento se mostrou impossível. Resolveram tentar um novo método em 2010: punir a torcida organizada inteira.
Art. 39-A. A torcida organizada que, em evento esportivo, promover tumulto; praticar ou incitar a violência; ou invadir local restrito aos competidores, árbitros, fiscais, dirigentes, organizadores ou jornalistas será impedida, assim como seus associados ou membros, de comparecer a eventos esportivos pelo prazo de até 3 (três) anos.
Art. 39-B. A torcida organizada responde civilmente, de forma objetiva e solidária, pelos danos causados por qualquer dos seus associados ou membros no local do evento esportivo, em suas imediações ou no trajeto de ida e volta para o evento
O tamanho da pena triplicou: era máximo de 1 ano e virou até 3 anos. Também foi ampliada a gama de locais protegidos por lei contra invasão, não era mais só a área restrita aos competidores, mas também a todos os outros profissionalmente envolvidos no evento.
No entanto, retirou-se a descrição de que o episódio de violência fosse num raio de até 5 km da partida, tornando puníveis de acordo com o Estatuto do Torcedor apenas os episódios ocorridos no evento esportivo em si. Os demais são punidos de acordo com o Código Penal. É para corrigir esta mudança que o Congresso Nacional fez o projeto novo, sancionado hoje pelo presidente Jair Bolsonaro.
Já a parte de punir a torcida organizada em si continua um grande desafio devido a dois fatores: parte delas não tem nenhum registro legal e, quando há algo contra alguma delas, não é incomum que parte dos membros simplesmente mude de camisa e continue indo aos jogos. Jamais se conseguiu punir efetivamente as torcidas.
Tentou-se uma nova solução, que gera uma situação esquisita e melancólica nos jogos: a torcida única. Impossível conter os violentos? Então só vai ao estádio uma torcida por vez.
A lei sancionada agora não modifica nada nos artigos anteriores, apenas acrescenta mais alguns dados, que ampliam as possibilidades de punição e eliminam a escolha que o legislador fazia entre punir torcedor e punir torcida: agora todos podem ser culpabilizados. Além disso, o período de suspensão é ampliado para 5 anos.
Art. 39-C. Aplica-se o disposto nos arts. 39-A e 39-B à torcida organizada e a seus associados ou membros envolvidos, mesmo que em local ou data distintos dos relativos à competição esportiva, nos casos de:
I - invasão de local de treinamento;
II - confronto, ou induzimento ou auxílio a confronto, entre torcedores;
III - ilícitos praticados contra esportistas, competidores, árbitros, fiscais ou organizadores de eventos esportivos e jornalistas voltados principal ou exclusivamente à cobertura de competições esportivas, mesmo que, no momento, não estejam atuando na competição ou diretamente envolvidos com o evento.
É uma boa ideia do Congresso Nacional como técnica legislativa. Não tenta reinventar a roda, permanece com o texto original e torna mais claras e objetivas as normas do Estatuto do Torcedor. Resta saber se vai funcionar no combate à violência das torcidas organizadas.
O futebol pode iniciar guerras, como ocorreu entre Honduras e El Salvador em 1969. Os dois países já estavam estremecidos e disputaram uma vaga na Copa do México de 1970. A partida terminou numa pancadaria generalizada que virou uma guerra de 4 dias entre os dois países, com 6 mil mortos, milhares de feridos e vilas inteiras destruídas. Foi preciso construir uma zona desmilitarizada na fronteira em 1971.
Mas o futebol também é capaz de costurar momentos de paz em situações muito extremas. No mesmo ano de 1969, o Santos de Pelé fazia uma excursão pela África e, quando chegou ao Congo, se deparou com a guerra pós-independência. A diretoria queria cancelar, mas o povo ficou tão feliz com a possibilidade de ver Pelé jogando que os líderes da guerra costuraram um acordo para que ela fosse paralisada em virtude da partida. E assim foi.
Pode parecer um fenômeno que não se repete. Mas, na semana seguinte, houve uma situação parecida na Nigéria, que também conseguiu suspender a guerra para que seu povo visse o jogo do Santos de Pelé.
Qual é a diferença entre o futebol que se desdobra em uma guerra e o que promove - ainda que temporariamente - a paz? Qual a diferença entre quem torce com paixão pelo seu time e quem usa a violência para expressar essa paixão? Enquanto não descobrimos, tentamos na prática formas de lidar com os violentos.
Triângulo Mineiro investe na prospecção de talentos para impulsionar polo de inovação
Investimentos no Vale do Lítio estimulam economia da região mais pobre de Minas Gerais
Conheça o município paranaense que impulsiona a produção de mel no Brasil
Decisões de Toffoli sobre Odebrecht duram meses sem previsão de julgamento no STF