Recentemente, o Chile passou a povoar nosso imaginário não apenas pela poesia, o bom vinho, as paisagens e os mariscos, mas pela economia. Diversos políticos, economistas e especialistas em mercado financeiro bradavam aos quatro ventos que estávamos diante de um modelo perfeito de país aqui na América Latina. De repente, esse lugar tão maravilhoso explode em protestos violentíssimos e o povo não sai das ruas.
Temos visto todo tipo de análise e considero difícil que, no calor do momento, se consiga captar em toda sua extensão o que move os chilenos a abdicar de suas vidas no dia-a-dia para ir às ruas protestar. Vivemos fenômeno semelhante em 2013, quando um pequeno grupo foi às ruas protestando contra o aumento de R$ 0,20 nas passagens de ônibus em São Paulo. Depois, o povo não saía mais das ruas e até hoje não vejo gente séria que arrisque dizer que decifrou todos os motivos.
Avaliar à distância a satisfação ou insatisfação de um povo com a vida é tarefa apenas para os irresponsáveis ou desumanos. Muitas vezes, políticos e analistas esquecem que a função de um governo é dar bem estar e possibilidades de felicidade às famílias, não fechar planilha nem bater meta. Essas ações, tidas por alguns superficiais como as mais importantes, são apenas meios para garantir a realização plena dos indivíduos e devem sempre ter o elemento humano como norte, jamais como obstáculo.
Dois institutos de pesquisa resolveram perguntar aos chilenos o que eles pensam das manifestações. Muitas das opiniões destróem mitos que nossos políticos criam por aqui querendo puxar a sardinha para a própria brasa. O International Advertising Bureau do Chile, associação criada para o desenvolvimento do Marketing Digital, encomendou uma pesquisa ao Instituto Ipsos. O Instituto Activa Research faz periodicamente uma pesquisa chamada "Pulso Cidadão" e resolveu fazer uma edição extra dedicada às manifestações. Vamos a alguns números:
83% dizem que as manifestações são motivadas por cansaço com as condições de vida e o fato de os políticos não ouvirem a população.
93% dão a mesma resposta - cansaço com condições de vida e políticos que não ouvem - entre os jovens de 15 a 25 anos.
Entre os pontos específicos que representam essas condições de vida que "cansam a população", foram elencados:
- Salários por 87,1%
- Preços dos serviços básicos (água, luz, telefone) 86,3%
- Aposentadorias baixas 85,7%
- Desigualdade econômica 85,2%
- Custo da saúde 79%
23,8% dizem que as manifestações têm motivações delitivas.
73,2% das pessoas que se dizem de direita concordam com as manifestações.
83,6% da população em geral concorda com as manifestações.
90,5% concorda com a teoria de fazer manifestações para defender demandas sociais.
57% têm esperança de que virá um longo processo de mudanças.
10% acham que as manifestações não vão mudar nada.
78% pensam que as manifestações afetam negativamente a imagem do país e 45% deles acham que isso será revertido em pouco tempo.
13,9% apenas aprovam o governo atual no Chile.
7,9% dos jovens de 18 a 30 anos aprovam o governo atual no Chile.
59% acreditam que a democracia está em risco no país.
50,3% crêem que as manifestações foram pacíficas.
49,7% crêem que as manifestações foram violentas.
66,3% dos jovens de 18 a 30 anos dizem que as manifestações foram pacíficas.
60,5% das pessoas com mais de 51 anos dizem que as manifestações são violentas e atos de vandalismo.
O que resolveria a crise?
- 88,6% dizem que é subir o salário mínimo.
- 77,5% dizem que é congelar os preços de serviços básicos.
- 74,1% dizem que é melhorar o "pilar solidário" das aposentadorias, complemento destinado aos 60% mais pobres
- 65,8% dizem que é diminuir a verba dos parlamentares
Nem entre quem vive a realidade chilena há consenso sobre os motivos e a natureza das manifestações, menos ainda sobre as soluções. É muito fácil para técnicos que estão distantes de um país, diante de uma planilha, justificar por que tal medida é boa ou ruim para a planilha. Mais complicado é saber o que é realmente bom ou ruim para as famílias.
A aposentadoria chilena, bem diferente da nossa Reforma da Previdência, foi tida por alguns técnicos como modelo - mas o fator humano não era levado em conta na análise. Diferentemente dos números, pessoas não são previsíveis nem controláveis. O governo do Chile se encontra agora diante de um desafio gigantesco. Políticos acostumados à lógica de que o povo está feliz se a planilha fecha vão ter de aprender a lidar com gente. Tomara que sejam rápidos.
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