Domingo é o dia mais tradicional para as celebrações religiosas cotidianas dos cristãos, a missa dos católicos e o culto dos evangélicos. É apenas um dos momentos em que pessoas religiosas relacionam-se com a comunidade de sua igreja e um momento sagrado, devotado à espiritualidade e à transcendência.
Cada vez ouço mais gente dizer que deixou de ir à igreja porque o culto ou a missa foram transformados em comícios. Alguns líderes religiosos transformam o altar em palco convidando seus políticos de estimação. Não discuto aqui se o líder religioso tem ou não uma posição política, mas se transforma celebrações religiosas em showmícios.
Não é uma discussão nova. O encontro entre religião e poder político é uma constante na história da humanidade. São poderes diferentes, no entanto. A política é o poder sobre as coisas do nosso tempo, lida com o jogo de forças imediato e o conhecimento sobre ele. A religião é o que nos religa ao Criador, ao que é eterno, acima do tempo em que vivemos.
Há quem diga que todo ato é político. A forma como uma igreja se conduz, acolhe as pessoas e faz obras sociais é política. Não discordo. É algo diferente, no entanto, da política partidária. Temos muitos religiosos no meio político, a bancada evangélica, até partido de igreja. Essa é uma discussão quente, sobretudo entre ateus e inteligentinhos, a da entrada ou não de religiosos na política.
Recomendo um documentário feito em 2015 sobre o tema, ouvindo lideranças evangélicas das mais diversas vertentes políticas, "Púlpito e Parlamento". O jovem Felipe Neves, criado em família evangélica na periferia de São Paulo, apresenta diversas nuances do encontro entre política e religião. Talvez a mais interessante seja a de que pessoas religiosas passam raiva quando vão a uma cerimônia sagrada e vêem um comício.
O início do filme mostra o autor e diretor do documentário, Felipe, entrevistando a própria mãe. Ela conta que ficou afastada da igreja por uns anos e voltou quando ele era pequeno, perto da virada do milênio. O menino chorava com medo que o mundo fosse acabar e foi na igreja que a família encontrou conforto.
Parentes e vizinhas vão juntas à igreja várias vezes por semana, formam uma comunidade unida. Já ouvi muita gente falando daquela história de fé e obras. A obra é uma missão de atuar no nosso tempo movidos pela fé. Todas as denominações religiosas têm o costume de estender a mão aos mais vulneráveis. É parte importante do exercício de viver de acordo com a fé, mas não é a fé.
Eu conheço ateus que fazem trabalhos sociais maravilhosos. Isso não quer dizer que sejam movidos pela fé sem saber. São pessoas boas, preocupadas com o mundo em que vivem, sentem empatia pelas demais pessoas e desejo de ajudar a aliviar o sofrimento alheio. A fé é outra coisa, algo místico e transcendente, a ligação com o sagrado, o divino.
Conheço pessoas muito religiosas que não têm nenhuma dedicação a atos de sociais, vivem cultivando o espírito e sua ligação com o sagrado. Há quem condene, que não veja a possibilidade de fé sem obras. Confesso que essa fé completamente desconectada do nosso tempo não é a minha pegada, mas há grupos religiosos inteiros que vivem da dedicação plena ao espírito, como as Carmelitas Descalças ou alguns monges budistas.
Para as pessoas que têm fé, a dedicação às disciplinas espirituais é sempre necessária. Uns precisam mais e outros menos, mas todos precisam. O momento em que isso acontece entre os cristãos é no encontro semanal das comunidades. Juntos alimentam a alma, o espírito. É normal e muito tradicional que avisos sobre outras atividades da igreja sejam feitos durante o culto. Mas o que temos visto é outra coisa, as demais atividades substituem o encontro com o sagrado.
Imagino o que serão missas e cultos neste final de semana antes da passeata. Quem não é religioso ama os videozinhos de idolatria política dos líderes religiosos. Eu prefiro religiosos que ficam acima da política. Não sendo possível, fico com os que são sinceros e declaram suas preferências. Esses precisam levar a sério a espiritualidade do próprio rebanho e parar com essa brincadeira de política em púlpito e altar. Os cristãos ficam desigrejados para líder religioso idolatrar político. Isso não está certo.
Esses dias contei em um artigo o caso da moça que foi desesperada à casa dos pais chorar porque o marido teria de fazer uma cirurgia cardíaca delicadíssima. Eles mal ouviram a filha, interrompiam toda hora para falar com ela sobre a passeata. (Se você já quer saber qual das duas, vigie que a coisa está perigosa). É essa sensação de abandono que muitos cristãos têm sentido em tempos de líderes religiosos completamente consumidos pela polarização política.
Tenho vários amigos fazendo tour por igrejas até chegar à que tem ou culto ou missa mesmo e não comício. Meu amigo Antonio Carlos Costa, pastor protestante, fez um chamado em sua rede aos desigrejados pela idolatria política. Está publicando relatos comoventes de gente que desistiu de ir à igreja e resolveu fazer encontros religiosos em casa porque não aguentava mais ouvir falar de política.
O relacionamento mais óbvio que vemos é de Jair Bolsonaro com os evangélicos, já que vários líderes importantes o apóiam e ele é o presidente da República. Ocorre que vejo este fenômeno também com amigos que vêem a pauta identitária tomar o lugar da Bíblia em algumas comunidades. Tanto uma quanto outra posição são muito tentadoras para os líderes religiosos, já que rendem poder e visibilidade. Padres e pastores são humanos.
As três grandes religiões monoteístas entendem que onde há vaidade não sobra espaço para Deus. É por aí que muitos líderes religiosos foram completamente sugados pela política. Conheço pastor que é deputado e não fala de política no culto, não entendo por que um religioso coloca substitui Jesus em seu altar. Se você for religioso, desejo que este final de semana tenha a sorte de encontrar uma celebração que eleve seu espírito. Eu também torço por isso.
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