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Depois trouxeram crianças a Jesus, para que lhes impusesse as mãos e orasse por elas. Mas os discípulos os repreendiam.
Então disse Jesus: "Deixem vir a mim as crianças e não as impeçam; pois o Reino dos céus pertence aos que são semelhantes a elas".
Mateus 19:13,14

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Uma decisão histórica foi tomada esta semana pelo Papa Francisco: abolir o segredo pontífício nos casos de abusos de menores, violência sexual e pornografia infantil. Não significa que esses documentos serão públicos, mas que haverá colaboração da Igreja com autoridades civis e que as vítimas terão acesso ao que ocorreu após as denúncias.

É mais uma decisão fruto do encontro sobre a proteção dos menores que ocorreu em fevereiro deste ano no Vaticano. Depois de décadas de brigas imensas, segredos injustificáveis, livros, filmes, protestos e vidas destruídas, temos uma virada de página. A Igreja Católica passa oficialmente a considerar que o bem-estar das crianças está acima da necessidade de segredo.

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Aqui se fala de investigações reais, que foram conduzidas com base em fatos e documentos, internamente pelo Vaticano. Até agora, nada disso era revelado em nenhuma circunstância. Os casos eram escondidos, alguns eram reconhecidos a depender da repercussão e do pensamento do Papa da vez, mas não se reconhecia a responsabilidade da instituição em dar satisfação aos fiéis e, principalmente, às vítimas. Agora, o padrão é este.

Estamos diante de uma revolução no andamento judicial de casos de abuso sexual de menores por autoridades católicas. E, ao mesmo tempo, vemos a Igreja cortar na própria carne para cumprir um dos ensinamentos mais importantes dos Evangelhos.

A decisão abrange documentos, não sacramentos: a confissão continua inviolável. Haverá quem questione a proteção, como há quem questione o sigilo da confissão religiosa em geral. No entanto, sob o ponto de vista prático, não há provas de que uma confissão seja verdadeira e estamos falando de colaboração ativa em casos judiciais.

A partir de agora, juízes que estejam diante de casos de abuso sexual de menores por religiosos poderão pedir à Igreja Católica sua documentação interna a respeito do caso. Existem queixas, testemunhos e documentos processuais arquivados nas dioceses e também nos arquivos dos Dicastérios vaticanos. Até a decisão do Papa Francisco, isso era sujeito ao segredo pontifício. Jamais um documento desses foi compartilhado com o Poder Judiciário.

Na prática, os juízes - ou até promotores públicos - devem endereçar diretamente ao bispo o pedido de documentos arquivados nas Cúrias diocesanas. Se houver solicitação aos Dicastérios vaticanos, o pedido é feito por parte de carta rogatória internacional, exatamente a mesma utilizada em todos os outros processos judiciais.

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Em entrevista à Rádio Vaticano, o Secretário adjunto da Congregação para a Doutrina da Fé, arcebispo de Malta, Charles Scicluna, disse no entanto, que a discussão mais profunda não foi sobre colaboração com a justiça civil. O ponto principal é a proteção da infância que, além de lei, é um dos principais ensinamentos de Jesus.

"No encontro de fevereiro passado, foi repetidamente falado sobre o segredo pontifício, quase como um impedimento à informação correta dada à vítima e às comunidades" - explicou o Cardeal à Rádio Vaticano.

O encontro de fevereiro de 2019 teve um dia inteiro dedicado a debater transparência. O segredo pontifício impedia que vítimas e comunidades soubessem que investigações foram conduzidas após as denúncias, suas conclusões e até mesmo a sentença. Depois de denunciar, essas pessoas caíam num limbo de falta de informação e, na maioria das vezes tinham de lidar com as consequências sozinhas. Agora, também é possível, independentemente dos trâmites judiciais, a Igreja Católica comunicar a uma comunidade de fiéis uma sentença após denúncia de abuso.

Quando se fala em pedofilia e Igreja Católica, imediatamente as pessoas pensam no mais óbvio e no que provoca mais indignação: o abuso de meninos por padres. Mas a decisão de agora vai além e atinge também formas transversais de abuso, como a posse de pornografia envolvendo menores de 18 anos. A decisão inseriu essa conduta na categoria de "delicta graviora", a dos crimes mais graves para o Direito Canônico.

O comunicado assinado pelo Secretário de Estado do Vaticano, Pietro Parolin, diz que está abolido o segredo pontifício sobre os seguintes crimes: "casos de violência e de atos sexuais cometidos sob ameaça ou abuso de autoridade; casos de abuso de menores e de pessoas vulneráveis; casos de pornografia infantil; casos de não denúncia e cobertura dos abusadores por parte de bispos e superiores gerais dos institutos religiosos."

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Quando o documento diz que "não pode ser imposto algum vínculo de silêncio" sobre os casos, toca numa chaga aberta da Igreja Católica, o acobertamento de abusadores por parte de autoridades canônicas. Muitos deles eram sequencialmente realocados após cometer os mesmos crimes. E falar sobre a responsabilização de quem acobertou e se omitiu era algo repelido até agora. A nova determinação estipula aos clérigos a obrigação de relatar suspeitas ou indícios desses casos.

A instrução é muito cuidadosa ao detalhar a forma de compartilhamento das informações. Estamos lidando com casos delicados, muitos de décadas atrás, e cada uma das vítimas já escolheu uma forma específica de lidar com essa história - isso será respeitado pela Igreja Católica. Nenhum caso será tornado público automaticamente por essa decisão.

Há uma preocupação com o bom nome, a imagem e a privacidade de todos os envolvidos neeses casos e, por isso, se determina que as informações devem ser tratadas "de modo a garantir a segurança, a integridade e a confidencialidade". Esse sigilo não impede o cumprimento das obrigações legais nos diversos países e a execução dos pedidos das autoridades judiciais civis por parte da Igreja Católica.

Outra grande mudança é a forma como serão tratados os casos mais graves no âmbito do Direito Canônico, internamente pela Igreja Católica. Até agora, somente sacerdotes participavam dessas apurações e julgamentos, tanto como procurador quanto como advogado. Isso gerava muitas suspeitas sobre acobertamento e favorecimento dos clérigos denunciados. A nova decisão estipula que leigos com doutorado em Direito Canônico também passarão a ter o direito de atuar nos casos mais graves.

"Os crimes de abuso sexual ofendem Nosso Senhor, causam danos físicos, psicológicos e espirituais às vítimas e lesam a comunidade dos fiéis. Para que tais fenômenos, em todas as suas formas, não aconteçam mais, é necessária uma conversão contínua e profunda dos corações, atestada por ações concretas e eficazes que envolvam a todos na Igreja, de modo que a santidade pessoal e o empenho moral possam concorrer para fomentar a plena credibilidade do anúncio evangélico e a eficácia da missão da Igreja.", escreveu o Papa Francisco.

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No âmbito da Igreja que exige de seus sacerdotes a castidade e estende aos fiéis regras de domínio próprio muito claras, é ainda mais absurda a ocorrência de crimes sexuais envolvendo menores. Não estamos mais falando apenas da torpeza humana, mas de colocar em questão as doutrinas e o respeito aos ensinamentos mais sagrados.

Durante muito tempo, como em diversos casos nos quais a realidade diverge da teoria, se considerou que a Igreja Católica estaria protegida como instituição se simplesmente calasse as vítimas e varresse tudo para baixo do tapete. A verdade inevitavelmente bate à nossa porta. E foi assim em todo o mundo conforme os casos e a revolta se multiplicaram.

Temos um novo capítulo da Igreja Católica não só na questão dos abusadores e da proteção à infância, mas também na negação da hipocrisia. Pregar uma vida com santidade e acobertar a maior das torpezas fere de morte a fé cristã. Ao determinar a imposição da luz da verdade sobre quem faz e quem acoberta, também se propõe uma nova forma de viver a fé. Não pode ser mais só de aparências.