Ouça este conteúdo
ATUALIZAÇÃO SOBRE A FRAUDE NO CURRÍCULO
Como diversos leitores pediram que me manifestasse a respeito da fraude no currículo do ministro da Educação, o faço. Ela não altera em nada a comparação porque Aloisio Mercadante cometeu exatamente a mesma fraude no currículo quando foi candidato ao governo do Estado de São Paulo em 2006. No debate da TV Gazeta, disse ser doutor em Economia. Não era. Fez doutorado em 2010. Portanto, a comparação feita no texto não poderia ser mais perfeita. Considero as duas fraudes injustificáveis e assim me manifestei nas duas vezes. Precisamos ser rigorosos com quem desrespeita regras, não somos.
Ainda não sabemos a que veio o novo ministro da Educação. Caso consiga repetir a performance das últimas décadas no serviço público, nossas crianças terão muito a comemorar no futuro. A última semana política foi atípica, talvez a primeira que passamos sem aquele festival de bate-boca político. Algo está diferente e ainda não é possível saber com certeza o que e nem por quanto tempo.
Não é possível fazer análises muito aprofundadas neste momento sobre o ministro da Educação porque faltam dados concretos sobre ações dele durante a gestão. As informações sobre origem, personalidade e como chegou ao cargo podem ou não determinar a maneira como Carlos Decotelli irá agir de agora em diante, não sabemos. É impossível que alguém tenha alguma opinião sobre como ele irá agir porque não há dados suficientes para opinar, as pessoas podem imaginar, projetar ou desejar e são livres para isso, mas não podem mentir dizendo que se trata de opinião ou análise.
O que temos de fatos sobre o ministro da Educação? Carlos Decotelli é o primeiro negro a ocupar a pasta, é seguramente um dos mais preparados a ser escolhido para a tarefa na história do Brasil e já se declarou a favor das cotas. Nem o Lula foi tão progressista. Por que a esquerda está malhando o ministro?
Compreendo que políticos de oposição utilizem esses momentos para fazer marketing pessoal. Marcar posição atacando quem está no governo é sempre muito interessante para aumentar a aderência da militância nas redes e conseguir aparecer na imprensa, algo que quem está na oposição precisa muito porque a falta de proximidade com o governo impede certas benesses - entregues via emendas parlamentares - de que o eleitorado gosta muito. Estamos em ano eleitoral, não esqueçam. Mas gostaria de analisar o discurso utilizado e imaginar duas coisas:
1. Por que o mesmo argumento não foi utilizado com ministros brancos na mesma situação?
2. E se fosse a direita que fizesse essa crítica à indicação de um negro para o mesmo posto em um governo petista?
A discussão de problemas importantes da sociedade brasileira foi sequestrada nos últimos anos pelo parquinho de areia antialérgica do progressismo. Os direitos de mulheres, negros e homossexuais passaram a ser um brinquedo, uma desculpa para ofender os outros e fingir ter o monopólio da virtude.
Quando se acusa alguém de ser racista por usar a palavra criado-mudo, é muito provável que essa pessoa passe a dizer que não existe racismo. O parque de areia antialérgica não quer superar uma chaga que vem de séculos, quer apenas fingir que presta para se livrar da culpa de nunca ter vivido como prega. Durante milênios, a humanidade tolerou a violação à dignidade de determinados grupos de seres humanos pela origem ou cor da pele. O avanço civilizatório do respeito à dignidade humana é historicamente recente e toda mudança cultural demora e exige muita persistência.
O ministro Carlos Decotelli deu uma entrevista à Rádio Bandeirantes em que explicou a vivência do racismo sem utilizar todas aquelas palavras de ordem e clichês que são praticamente obrigatórios nesse discurso nos últimos anos. "Passamos mais de 300 anos com esse conceito de escravocrata. Hoje, ainda temos muitas contaminações de metodologias, subjetividades. Eu nunca, como negro, fui um George Floyd. Nunca sofri o racismo de tomar dois tiros nas costas. Mas [sim de] perceber olhares, de eugenia de ambientação, ou seja, criar um ambiente que não seja para negros", declarou. "Vamos dar oportunidades para os desiguais, vamos igualar oportunidades", disse o Ministro da Educação, explicando que entende as cotas como uma autocrítica da sociedade num momento específico da história.
Eu sei que cotas são assunto que se debate com paixão à flor da pele, mas peço a gentileza de deixarmos - você e eu - nossas opiniões de lado aqui. O foco é como as mesmas atitudes e declarações são tratadas pelos progressistas dependendo de quem é o autor.
As declarações das entidades estudantis, UNE e UBES, são particularmente interessantes para analisar os conceitos de coerência e duplo padrão de tratamento. Veja a declaração do presidente da União Nacional dos Estudantes:
A presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, Rozana Barrozo, fez declarações na mesma linha: “nós questionamos quais são as prioridades do governo Bolsonaro para a educação, visto que mais uma vez o ministro é alguém ligado à economia”.
Recordar é viver: pensa em outro economista sem experiência na área de Educação que ocupou o ministério? Aloizio Mercadante, nomeado por Dilma Rousseff em janeiro de 2012, quando Fernando Haddad, advogado, resolveu concorrer à prefeitura de São Paulo. Adivinha qual foi a reação das entidades estudantis?
A foto com o abraço vale mais que mil palavras. Entidades estudantis existem para defender os interesses dos estudantes, não para produzir paquitas de políticos. Ou é interessante ter economistas à frente da pasta ou não é. Considerar que um comportamento é certo para os amigos e errado para os adversários faz parte da nossa imoralidade histórica e precisamos mudar essa cultura. É algo que dá tanto trabalho quanto superar os preconceitos que historicamente foram admitidos.
Volto agora aos pontos de reflexão que propus no início do texto, inclusive para debater algo que os progresistas amam, o racismo estrutural. Paulo Renato Souza e Aloizio Mercadante não foram criticados pelo fato de serem economistas no Ministério da Educação, Carlo Decotelli sim. Isso é racismo estrutural?
E o outro ponto, que deixo para nossa reflexão coletiva, é sobre que tipo de manifestação estaríamos vendo nas nossas redes sociais caso a direita resolvesse criticar um ministro negro do governo Lula por questões que achava normais em ministros brancos de governos anteriores.