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Madeleine Lacsko

Madeleine Lacsko

Reflexões sobre princípios e cidadania

Preso homem que abusou sexualmente de dezenas de crianças usando perfis falsos

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Da pequena Tutóia, no interior do Maranhão, ele conseguiu fazer 60 vítimas no Distrito Federal, todas com idades entre 7 e 14 anos, meninas e meninos. Desde a divulgação, mais 30 famílias já procuraram a polícia. O caso que, segundo a ministra Damares Alves, deve se tornar modelo para esse tipo de investigação, parece uma mistura de terror com ficção científica.

Crianças e adolescentes eram atraídos por perfis falsos que o predador mantinha no Instagram simulando ser uma adolescente que se identificava como Ana Beatriz Melo. Depois de se aproximar da vítima, o criminoso passava um número de whatsapp. Ainda fingindo ser uma menina, conseguia da vítima uma foto ou vídeo de nudez e então usava o material para chantagear e pedir mais fotos e vídeos, cada vez mais sexualizados. Houve vítimas que pensaram em suicídio temendo que ele publicasse as imagens.

Syllas Sousa Silva, de 31 anos de idade, também tinha perfis verdadeiros nas redes. Era particularmente conhecido no Twitter por fazer parte do grupo chamado "flatwit", de torcedores do Flamengo. Também era bem ativo em debates políticos e marcava prefeitos maranhenses em várias publicações. Em comum entre os perfis verdadeiros e os anônimos, em que simulava ser adolescente para abusar de crianças, só duas coisas: a paixão pelo Flamengo e a citação de uma frase norte-americana muito usada ultimamente na política brasileira, "Don't tread on me".

Embora o contexto da frase seja característico da história dos Estados Unidos, criada em 1775, muitos militantes internautas ressuscitaram a Bandeira de Gadsden e a utilizam como símbolo de defesa da liberdade. O predador sexual era um deles e o fazia inclusive nos perfis anônimos que manteve ativos para atrair suas vítimas. Este perfil abaixo, henriquezandoo, foi divulgado pela Polícia Civil do Distrito Federal para que os pais verifiquem se os filhos tiveram algum contato e, em caso positivo, prestem queixa.

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Além de militar politicamente na região onde morava, Syllas Sousa comentava política nacional e se dizia defensor de valores conservadores e cristãos. Filho de um pastor da Assembleia de Deus, tinha uma página de Facebook dedicada quase exclusivamente a falar de espiritualidade e homenagear o pai. Postava também fotos em que acusava a esquerda, mais precisamente o PT, de ser violenta com crianças.

O mais preocupante é que a prática do abuso sexual começou pelo menos em 2017 e foi pela denúncia feita este ano pela família de um menino de 13 anos do Distrito Federal que se começou a investigar o caso. Por ele, a Polícia Civil chegou a outras 59 vítimas. Depois da divulgação do caso, já apareceram mais 30 vítimas, de vários Estados do Brasil. Para chegar ao criminoso, a Polícia Civil precisou ter acesso aos celulares das vítimas, por isso os casos de fora do Distrito Federal começaram a pipocar só na segunda fase da investigação.

As vítimas eram atraídas para os perfis falsos no Instagram, mas a troca de fotos era por aplicativo de mensagens. Diferente das redes sociais, que registram tudo o que ocorre nelas e arquivam os dados, esses aplicativos têm um sistema que se chama "criptografia de ponta a ponta". Em resumo, faz com que seja impossível rastrear as mensagens no caminho que fazem entre quem manda e quem recebe. Os dados viajam embaralhados e só podem ser lidos no aparelho que gera e no que recebe a mensagem. Por isso foram feitas as perícias nos celulares das vítimas. Todas as 60 da primeira fase da investigação conversavam com o abusador pelo mesmo número de celular. Não se sabe se ele usava outros números e as denúncias da segunda fase da apuração ainda estão em fase de levantamento de dados.

O Instagram afirmou em nota que não tolera abuso sexual infantil ou esse tipo de comportamento em sua plataforma. Mas o fato é que isso ocorreu durante pelo menos 3 anos e o sistema do Instagram não foi capaz de detectar nem de coibir. Não se sabe se Syllas Sousa também atraía adolescentes em outras plataformas, já que as investigações partiram de uma única vítima e estão chegando a outras que foram enganadas utilizando exatamente os mesmos perfis falsos e o mesmo número de celular.

A Constituição Federal diz que a expressão é livre, mas é vedado o anonimato. Se a navegação em redes sociais fosse feita apenas mediante identificação pessoal, já teríamos o levantamento de todas as vítimas. Aliás, já teríamos em 2017, quando se fez a primeira denúncia na Polícia Civil do Distrito Federal. Pode ser que haja denúncias anteriores, o abusador tem 32 anos de idade e ninguém sabe quando ele iniciou o esquema criminoso.

Muitas pessoas confundem anonimato com pseudônimo e ainda existe a discussão de partilhar dados com as plataformas de redes sociais. Se, com toda tecnologia e inteligência artificial, elas não foram capazes de rastrear o padrão de predador sexual de crianças em 3 anos, parece que a ideia de partilhar nossos dados pessoais com elas não é a melhor do mundo. Há formas de navegar sempre identificado para as instituições brasileiras, em mecanismos como os que usamos hoje no e-CPF ou e-CNPJ. Um caminho semelhante poderia ser usado para evitar que criminosos se beneficiem do anonimato, mantendo o direito de usar pseudônimos e criar quantos perfis uma pessoa quiser nas redes sociais.

A discussão precisa ser aberta e é urgente. O abusador foi preso na cidade dele e transportado para o Distrito Federal em 20 de junho, mas a Polícia Civil só divulgou o caso agora porque antes teve de encontrar as famílias de todas as outras 59 crianças que tinha a prova de haverem sido abusadas e o rastreamento foi feito pelas conversas mantidas no whatsapp. Partiu-se da conta da primeira vítima para chegar ao abusador e da linha encontrada com ele para chegar a 59 crianças. Em dias, surgiram mais 30 vítimas. O volume de denúncias começa agora a tomar uma proporção que pode envolver policiais de todo o Brasil.

Nenhuma das crianças ou adolescentes jamais soube que estava falando com um abusador sexual de 32 anos, todos pensavam trocar mensagens com a menina adolescente pela qual ele se passava. Quando a conversa chegava ao ponto em que ele precisava mandar um vídeo para obter outro de volta, enviava material que conseguiu de vítimas anteriores. Syllas Sousa disse à polícia que abusou de crianças em todo o Brasil, só não se lembra de ter tido contatos no Acre.

Os perfis que interagiam com Syllas Sousa nas redes sociais, principalmente os que conversavam sobre futebol e política com ele no Twitter, ficaram revoltadíssimos com a divulgação da prisão. Dezenas de pessoas que jamais poderiam imaginar que conversavam com um criminoso perverso tentavam ajudar de alguma maneira. O Twitter suspendeu a conta, sem nenhum pedido para isso e nenhuma explicação dos motivos. O Instagram disse que está colaborando com a polícia, mas não se sabe se as outras redes também tomaram a iniciativa. Elas têm todos os logs do abusador de crianças, portanto poderiam revelar instantaneamente com quem ele interagiu.

A ministra Damares Alves diz que está levantando quais são as brechas da lei que dificultaram a ação da polícia e pretende lançar uma campanha nacional para alertar as famílias sobre a necessidade de orientar os filhos na convivência na internet. Também deixou claro que as autoridades estão à disposição e têm prática em lidar com casos como este, é preciso fazer a denúncia. Tudo o que existe na internet fica registrado, mesmo os perfis anônimos e mesmo com a tradicional relutância das redes sociais em cumprir leis.

O predador sexual será denunciado por estupro de vulnerável. Todas as vítimas são menores de 14 anos, portanto não têm ainda a "idade de consentimento", ou seja a idade mínima para decidir se querem ou não realizar atos sexuais. Syllas Sousa fingia ser uma menina para convencer meninos a filmar atos de masturbação e até de introdução de objetos. Já é ponto pacífico na Justiça que hoje não é necessário contato pessoal para que se configure o abuso.

Mas, no caso concreto, é difícil saber até como orientar os filhos. Os meninos imaginavam estar trocando segredos e imagens com uma menina, Ana Beatriz Melo, que tinha um perfil com centenas de seguidores. Qual a chance de um menino adolescente contar para os pais que está trocando fotos íntimas com uma menina? E qual a chance desses pais acharem a história tão errada a ponto de ir à delegacia?

O business das plataformas de redes sociais é usar nossos dados - coletados pela atividade nelas, câmeras e microfones dos celulares e computadores - para, via Inteligência Artificial, traçar padrões de comportamento. Já falou no telefone ou conversou em casa sobre algo que queria comprar e daí esse anúncio começa a aparecer para você na internet? Já pesquisou ou comprou algo e então isso começa aparecer em todo site, rede social e até no seu email? Então, é esse o negócio e realmente funciona. A grande pergunta é por que esse mesmo mecanismo, tão sofisticado, não consegue detectar durante anos o padrão de comportamento de um abusador sexual infantil.

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