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Madeleine Lacsko

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Reflexões sobre princípios e cidadania

Redes Sociais

Projeto “das fakenews”: imprensa brasileira age como capacho das Big Techs

Redes sociais precisam respeitar a Constituição do Brasil, que garante liberdade de expressão
Não existe liberdade de expressão em ambientes controlados por algoritmos: Big Techs jamais combaterão a desinformação. (Foto: Arquivo/Gazeta do Povo)

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"Quando uma ideologia fica bem velhinha, ela vem morar no Brasil" é frase lapidar do saudoso gênio Millôr Fernandes. Eu deveria ter pensado nisso quando fui me meter a estudar Cidadania Digital e o impacto da hiperinformação e hiperconectividade sobre o comportamento humano e formação de grupos sociais. Não estava espiritualmente preparada para acompanhar em capa de jornal discussão já superada há mais de 10 anos. Tenho passado muita raiva.

Li praticamente em toda imprensa que regrar a derrubada de postagens pelas redes sociais prejudica o combate à desinformação. Como é possível um adulto que trabalha com redes sociais ainda acreditar que conglomerados envolvidos em escândalos bilionários de desinformação vão combater a desinformação? Enquanto houver otário, malandro não morre de fome.

Sinceramente, não sei o que pensar sobre esse posicionamento. É tão aberrante e fora da realidade que fica difícil analisar. Há alguns anos, a nata da pilantragem intelectual brasileira convenceu o público de que as Big Techs eram a "liberdade de expressão e informação" num mundo controlado "pelos jornas" e "pela grande imprensa". Segundo o raciocínio, pessoas que se deixam dominar pela imprensa tupiniquim iriam peitar as Big Techs.

No fim, as Big Techs deram dinheiro e muita visibilidade aos mercadores de sonhos e políticos enganadores, engoliram tanto quem acredita neles quanto o jornalismo brasileiro. O mais impressionante é que o cidadão comum, que nunca estudou nem trabalhou com comunicação, já percebeu como as redes sociais fazem para controlar o discurso e concentrar poder. E agora os jornalistas acreditam em conglomerados bilionários como fiadores da liberdade. Seria cômico se não fosse trágico.

Não é de hoje que insisto que calcemos as sandálias da humildade. Precisamos compreender por que uma grande parte do povo não mais sente que é representada e sequer ouvida por instituições, a imprensa incluída. Redes Sociais nos colocam em bolhas e ficamos viciados nas descargas de dopamina a cada like da nossa bolha. Sem ter consciência disso, criamos uma ilusão movida a paixões e ressentimentos. Nesse tabuleiro, Jair Bolsonaro dá um xeque-mate atrás do outro.

"O homem é servo do amor mas é escravo do ódio", aprendi há muitos anos com Antonio Carlos Magalhães, o avô, não à toa apelidado de Toninho Malvadeza. O jornalismo brasileiro abraçou o negacionismo e acabou escravizado por Bolsonaro. É negacionismo científico supor que seres humanos podem fazer análises objetivas. Ao não reconhecer o próprio viés antibolsonarista, a imprensa mexe peças para ganhar a partida e não percebe que a única chance é trocar o tabuleiro. O projeto das "Fake News" é caso lapidar desde quando foi Medida Provisória.

Quanto mais a tecnologia avança, mais precisamos aprender sobre ela e sobre a alma humana. Viver na dinâmica das redes sociais acirra paixões e tenta a esquecer nossos vieses. Dentro do grupo todos pensam como nós, portanto aquilo é uma observação objetiva. Tem sido assim no jornalismo, infelizmente. Não importa qual seja o fato ou a necessidade do público, a primeira necessidade é dizer em que Jair Bolsonaro está errado. Ou seja, ele conduz todos os debates.

O presidente tem interesse em relaxar o controle sobre esquemas de desinformação política? Óbvio que sim. Hoje praticamente todos os políticos usam isso no mundo todo e, no Brasil, ele tem sabido usar com muito mais eficiência que seus adversários. Mas isso quer dizer que o projeto mandado relaxa o controle sobre redes de desinformação? Não dá para saber, tem de ler o projeto.

E por que ele mandaria um projeto contra os próprios interesses? Não sei, não sou vidente, conselheira nem psicóloga do presidente, sou só jornalista mesmo. Entendo de fatos e documentos. Fui a eles. Dias atrás fiz uma longa análise sobre a Medida Provisória das Fake News, que me surpreendeu. Abrindo meu coração, eu esperava uma esculhambação completa e não vi nada disso. Vejo problemas de concentração de poder mas também medidas internacionais importantes que resguardam direitos individuais.

Eu poderia estar completamente louca e hipnotizada por Jair Bolsonaro? Poderia. Por isso participei de debates com gente mais experiente e inteligente que eu em dois podcasts da Go New, capitaneados pelo Anderson Godz, com a participação do craque em inovação Francisco Milagres e Masters da Go New. Modéstia às favas, acertamos na previsão do que aconteceria em seguida. Recomendo que você ouça porque esse debate não foi feito com essa serenidade e esse nível de detalhe na grande maioria dos órgãos de imprensa.

Apostamos que não seria aceita a tramitação de Medida Provisória por ser concentração de poder. Pode ser relevante mas não é urgente e uma MP não pode ser utilizada para colocar quem está no Executivo também com Poder Legislativo. Além disso, parecia puro marketing apresentar às vésperas do 7 de setembro, uma mobilização via redes dos apoiadores do presidente. O outro problema é colocar nas mãos dos políticos - grandes usuários de redes de desinformação - decisões que hoje são tomadas por juízes.

Tudo bem desconfiar e até odiar Bolsonaro, ele que lute. Mas há uma distância enorme entre sentir isso e trair o público afirmando que as Big Techs combatem desinformação. Vamos a alguns fatos recentes:
- Investidor inicial do Facebook, Roger Mcnamee, pede investigação criminal das Big Techs por promover e lucrar com radicalização dos grupos que invadiram o Capitólio em 6 de janeiro.
- Escândalo divulgado pelo Wall Street Journal: redes sociais admitem internamente mentir sobre combate à desinformação para favorecer grandes perfis. (Meses atrás, fiz um artigo sobre a impressão que donos de perfis derrubados tinham, confirmada agora.)
- Wall Street Journal mostra que Facebook fomentou polarização e radicalização do debate político.
- Mark Zuckerberg rejeitou medidas para remediar a radicalização política provocada pelos algoritmos do Facebook.
- Instagram sabia que prejudica a saúde mental de 1/3 dos usuários adolescentes e, em vez de consertar o problema, resolveu abrir contas para menores de 13 anos.
- Depois de banir Trump por violência, Twitter decide manter o Talibã, que só posta vídeos de invasão armada de cidades e apedrejamento com crianças.
- Produtores de conteúdo antivacina lucram US$ 36 mi em 2020. Redes Sociais lucram US$ 1,1 BILHÃO com o conteúdo deles.

Esta semana, investidores do mundo todo discutem se o vazamento de documentos internos do Facebook vai abalar o faturamento anual de US$ 100 bilhões. Eles mostram participação ativa da plataforma em radicalização, promoção de grupos QAnon, crime organizado e tráfico de pessoas. Eu não consigo entender como jornalistas ainda dizem para o próprio público que as Big Techs vão combater desinformação. O fato é que dizem.

As Big Techs não inventaram a desinformação, principalmente usada na política. Ela veio no pacote. Foi uma oportunidade que agentes políticos descobriram, passou a funcionar muito bem para ganhar poder e render muito lucro. Hoje é algo importantíssimo no faturamento bilionário das Big Techs, que tentam encontrar uma maneira de diversificar a atividade e sair do conflito constante com as instituições.

Mas o nó está no dinheiro. Redes de desinformação, grupos de recrutamento terrorista, disparos em massa e perfis falsos passaram a ser parte importante do modelo de negócio das Big Techs. Isso não ocorre apenas pela geração de dinheiro via engajamento e radicalização. A imprensa também passa a ser pautada pelos conflitos entre grupos, o que dá prestígio e poder político a essas empresas. Elas próprias não podem ter o controle sobre conteúdo publicado e nem vão conseguir sair sozinhas desse imbroglio.

O Projeto das "Fake News" daria aos brasileiros direitos que cidadãos de países civilizados já têm. Redes sociais podem banir conteúdos contra suas regras, mas precisam avisar qual é o conteúdo problemático e qual regra foi violada, além de oferecer oportunidade para recorrer. Também vai no sentido de decisões internacionais que dão às instituições o poder sobre regrar liberdades em cada país, não a empresas multinacionais.

É um projeto que precisa de muitos ajustes, a discussão internacional já é bem mais complexa que a proposta por ele, seria interessante ouvir mais atores sociais antes de buscar a melhor solução para o Brasil, estamos em ano pré-eleitoral e os políticos apostam pesado em esquemas de desinformação. Tudo isso é verdade. Nada disso, no entanto, justifica mentir para o público e criar a falsa esperança de que as Big Techs combatem os esquemas de desinformação com os quais lucram bilhões.

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