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Madeleine Lacsko

Madeleine Lacsko

Reflexões sobre princípios e cidadania

Quem é contra a santidade da vida humana?

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Você deve ter visto a imagem que correu o mundo, uma instalação de impacto em homenagem à santidade da vida humana, o tipo de protesto em que se especializou o pastor Antônio Carlos Costa, fundador da ONG Rio de Paz. Ele espalhou cruzes por 100 covas rasas na praia de Copacabana, mesmo local onde há anos faz diversos protestos. Era, desta vez, homenagem aos mais de 40 mil brasileiros vítimas do coronavírus.

Protestos semelhantes já foram feitos inúmeras outras vezes, desde 2007. Cruzes homenagearam vítimas de violência, menores assassinados em ações policiais e policiais assassinados em serviço. Bolas de futebol com cruzes vermelhas tomaram o gramado do Congresso Nacional protestando contra o volume absurdo de dinheiro gasto na Copa do Mundo enquanto faltava para a saúde do brasileiro. Sempre houve quem gostasse e quem não gostasse dos protestos da Rio de Paz, mas a reação à última instalação dá a medida do que vivemos hoje.

Um homem de quase 80 anos de idade, com histórico de atuação na política do Rio de Janeiro, resolveu derrubar as cruzes que homenageavam as vítimas. O pai de um rapaz vítima do coronavírus, que estava feliz com a homenagem, resolveu repor cada cruz. Quem é contra a santidade da vida humana?

Obviamente a postura arrogante, desrespeitosa e quase inexplicável do idoso potencializou muito o protesto. As imagens circularam o mundo, foram explicadas em diferentes idiomas e têm um significado profundo. É de um simbolismo muito forte a derrubada de cruzes, com motivação política, em um país cristão. Estaria o Brasil de joelhos diante do deus ideologia?

Nos protestos movidos unicamente por política, cada lado tenta explicar por que é profundamente diferente do outro e muita gente fica sem compreender direito onde estão as diferenças. Uso um detalhe das manifestações de agora como exemplo: as primeiras foram de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, fortemente criticados pelos opositores por ir às ruas em uma pandemia. Quando grupos saíram às ruas na pandemia contra Bolsonaro, foram elogiados pelos mesmos que criticavam o ato anteriormente.

No protesto da ONG Rio de Paz, a diferença entre quem reconhece a sacralidade da vida e quem a desafia em nome de uma briga política de ocasião salta aos olhos. Veja neste vídeo em que o pastor Antonio Carlos Costa dá uma entrevista sobre o ato que organizou e o idoso que tentou destruir a homenagem tenta interromper a entrevista:

As pessoas não se diferenciam por discursos, mas por atitudes. Em nenhum momento as pessoas da ONG Rio de Paz nem o pai que perdeu o filho para o coronavírus retribuíram o desrespeito, a agressividade e a virulência. Cada um dá o que tem.

Um dos maiores desafios dos tempos caóticos é não sucumbir ao caos. Somos humanos, podemos deixar de fazer o bem que queremos e acabar fazendo o mal que não queremos. Paulo disse na primeira carta aos Romanos que se deve combater o mal com o bem e não o disse porque era bonzinho, mas porque não há outra fórmula. Não custa repetir a frase conhecida de Nietzche em Além do Bem e do Mal: "Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um monstro. Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você."

Na teoria, é sensacional. E na prática? Você teria o sangue frio de Antônio Carlos Costa para continuar dando a entrevista até o final sem devolver o ódio vomitado sobre você? Confesso que oro diariamente para chegar a esse nível espiritual. Agora coloque-se no lugar do pai que perdeu o filho jovem, passou pela praia, emocionou-se com a homenagem e viu alguém destruindo. Que alegria saber que há no mundo pessoas como aquele pai.

Era o dia do aniversário de 56 anos de Marcio Antonio do Nascimento Silva, taxista. Ele não ia comemorar porque perdeu o filho de 25, Hugo, para o coronavírus há 2 meses. Resolveu recolocar as cruzes, todas elas, atravessar a dor e a ofensa sem devolver o mal. Da dor desse pai vem o grito de dignidade e humanidade que precisa nos acordar.

Eu não usei o nome do idoso que derrubou as cruzes propositalmente porque acompanhei as reações nas redes sociais. O ato dele, desumano e deplorável, despertou o que há de mais baixo nas almas de diversas pessoas. Muita gente mesmo dizendo abertamente os desejos mais íntimos de violência, de espancamento, de colocar para fora exatamente a porção da alma que se iguala à alma daquele idoso.

Este é o ponto principal: é possível reagir de forma diferente. Se o pai de uma vítima do coronavírus conseguiu, é possível para os demais. Condenar um comportamento, dizer que a atitude está errada e até que é necessário fazer justiça nada tem a ver com repetir o ato ou devolver o ódio. A publicação de Antonio Carlos Costa no twitter é o que divide os ativistas entre homens e moleques:

O título do texto é uma provocação: quem é contra a santidade da vida humana? Se somos a favor, entendemos que é santa também a vida humana que comete os atos mais bárbaros, vis e condenáveis, inclusive desrespeitar a dignidade humana. Não controlamos o que os outros fazem, mas podemos tentar reagir para criar o mundo em que acreditamos.

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