Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Madeleine Lacsko

Madeleine Lacsko

Reflexões sobre princípios e cidadania

Redesignação sexual de menores pode ser o próximo escândalo médico, diz The Economist

(Foto: geralt/Pixabay)

Ouça este conteúdo

Soou o alerta da revista The Economist, uma das publicações mais respeitadas do mundo. Um artigo na seção de Ciência e Tecnologia no último sábado analisa várias medidas governamentais sobre terapia de redesignação sexual em crianças e adolescentes e conclui que pode ser o próximo grande escândalo médico da história.

O título é: "Pensando Melhor - Medicina de gênero: Crescem as dúvidas sobre a terapia de redesignação sexual para crianças". A revista recupera algo que muitas vezes passa despercebido. O paciente típico do tratamento de disforia de gênero mudou radicalmente desde que essas terapias começaram, nos anos 1980.

A revista The Economist lembra que o paciente típico de disforia de gênero era o homem de meia idade que queria viver como mulher. Hoje, 7 em cada 10 atendimentos são de meninas adolescentes que se vêem como homens, a maioria com outros problemas psicológicos associados. Nos últimos 15 anos o número de pacientes explodiu.

Segundo a revista médica Web MD, endocrinologistas, psicólogos e psiquiatras começam a suspeitar de "contágio social" como um fator importante para a mudança de público. O aumento de 30 a 40 vezes no número de pacientes e a mesma mudança de perfil se repetem nos Estados Unidos, Holanda, Noruega, Finlândia, Canadá e Austrália.

Há uma série de acontecimentos no mundo civilizado mostrando que podemos estar diante de um escândalo com várias vítimas inocentes pelo caminho. O documentário Trans Train, feito na Suécia em 2019, traz diversas entrevistas com psicólogos que apontavam problemas concretos.

Uma das pioneiras do tratamento de disforia de gênero, Angela Sämfjord, abriu a Lundstrom Gender Clinic em 2016. Entre os pacientes, 90% tinham mais uma e 80% tinham mais duas condições psicológicas, geralmente autismo, depressão e ansiedade. Ainda assim, os médicos eram obrigados a focar na terapia de redesignação sexual e prosseguir com ela antes de tudo. "Eu não estava preparada para correr o risco, como médica, de causar danos a esses pacientes. Aceitei as consequências disso e pedi demissão.", disse a psiquiatra ao documentário.

Ela fechou a clínica em 2018. Após o documentário, todos os países escandinavos começaram a passar um pente fino nos protocolos para tratamento de disforia de gênero. Foram vários os profissionais de saúde que se recusaram a prosseguir aplicando protocolos sem comprovação científica, instituídos por associações médicas e governos.

Deu-se à terapia de redesignação sexual um novo nome, para que ela pareça o que não é: natural. Chama-se agora "gender-affirmation therapy", terapia de afirmação de gênero. Ou seja, dá-se a ideia de que tudo ali é feito para manter a pessoa fiel ao seu gênero natural, à sua origem. Só não se diz sobre a falta de comprovação da eficácia e os efeitos colaterais gravíssimos e irreversíveis que poucos imaginam.

A Finlândia foi o primeiro país a proibir terminantemente qualquer intervenção cirúrgica em menores de 18 anos de idade e reduzir aos casos raríssimos a intervenção hormonal após os 16 anos nos casos de disforia de gênero. Aconteceu logo após o documentário sueco, em 2020. Houve uma revisão das comprovações científicas e concluiu-se que não há.

A legislação inclusiva da Finlândia é modelo no mundo. O governo foi questionado. Não seria transfobia proibir os tratamentos? A resposta foi a seguinte: "Na Finlândia, não temos legislação que conceda à pessoa o direito de decidir quais serviços essa pessoa pode obter de cuidados de saúde com financiamento público. Tem que haver uma base médica tanto para o diagnóstico quanto para o tratamento. Nossa legislação sobre igualdade e não discriminação não muda a situação." Ou seja, não há base médica nem para o diagnóstico nem para o tratamento.

No ano passado, a jornalista Abigail Shrier escreveu Irreversible Damage: The Transgender Craze Seducing Our Daughters, ouvindo mais de 200 especialistas. Tentou descobrir por que tantas meninas buscam tratamento para disforia de gênero. Muitos deles têm uma suspeita que virou a tese central do livro: obra do dr. Google. Elas buscam na internet os sintomas que têm, de outra condição, e acabam achando que é disforia de gênero.

Vários dos especialistas dizem que não é imaginação das pacientes, elas realmente devem sofrer algum tipo de "dismorfia corporal", como anorexia nervosa, por exemplo. É aquele distúrbio do qual se falou muito nos anos 1990 e início dos anos 2000. A pessoa está cadavérica mas, quando se olha no espelho, vê muita gordura a ponto de não conseguir nem comer. Mulheres adolescentes sempre foram a maioria dos pacientes desse tipo de caso. Segundo o livro, há que se investigar a possibilidade de terem a dismorfia e encontrarem apoio em grupos que as fazem acreditar ter outro tipo de dismorfia, de gênero.

"Muitas adolescentes que se identificam como transgêneros não querem realmente se tornar homens. Elas simplesmente querem fugir da feminilidade como uma casa em chamas, suas mentes fixas na fuga, não em um destino específico. Elas se sentem alienadas de seus corpos e das mudanças trazidas na puberdade: acne, menstruação e desenvolvimento dos seios e atenção desconfortável dos homens ... Esta é uma história que os americanos precisam ouvir.", diz a jornalista Abigail Shrier.

Existe ainda uma terceira hipótese, a homofobia. Quando uma menina começa a perceber a própria sexualidade e se entende lésbica, é um processo complexo. Além da questão da aceitação pessoal, há a ansiedade diante da reação das outras pessoas, da família, das consequências. Existe um sofrimento real, mas muitas dessas meninas podem acabar tendo diagnóstico de dismorfia sexual. Em parte porque vão começar a cogitar isso de tanto ver por aí, em parte porque serão incentivadas a acreditar.

Até o momento, Finlândia e Reino Unido já decidiram que intervenções hormonais não serão feitas em crianças e adolescentes por falta de evidência científica e pelos terríveis efeitos colaterais. Instituições respeitadas de vários outros países também não fazem mais os procedimentos. Mas há países, como Canadá e Austrália, em que há um lobby para obrigar ao procedimento mesmo sem consentimento dos pais.

O alerta da The Economist traz mais uma descoberta, que se soma às medidas governamentais e diversas denúncias de pessoas que se arrependeram da transição. Estudo publicado no Journal of Paediatric Endocrinology and Metabolism dia 26 de abril mostra que bloqueadores de puberdade podem causar osteoporose em adolescentes. Além disso, provocam infertilidade e causam risco de enfarto e derrame. Por outro lado, a maioria dos adolescentes com disforia de gênero que não passa pelas intervenções acaba se identificando com o sexo de nascimento depois da puberdade.

A revista foca em um exemplo específico do estudo, relatado pelo médico Michael Biggs, da Universidade de Oxford. Paciente que começou a tomar bloqueadores de puberdade com 12 anos tem, aos 16 anos, densidade óssea que chegaria a diagnóstico de osteoporose. A densidade óssea geralmente dispara na adolescência e aproximadamente 1/3 dos adolescentes que recebem bloqueadores hormonais têm esse efeito colateral.

A terapia experimental de redesignação sexual para pacientes com disforia de gênero foi criada tendo em mente o grupo padrão antigo, homens de meia idade. As consequências de viver sob terapia hormonal desde antes da adolescência e durante a vida inteira são completamente diferentes, muito mais graves e determinantes para a qualidade de vida. Cada vez mais pessoas têm aparecido para reclamar que foram apressadas a fazer uma transição. O caso mais emblemático é o de Keira Bell.

Apostar em uma terapia com efeitos tão radicais e irreversíveis já seria arriscado com evidências de que ela funcionasse. No caso da redesignação sexual de crianças e adolescentes, o grande problema é que não há evidência nenhuma. A Suprema Corte do Reino Unido descobriu que os casos não eram acompanhados e ainda não há nenhum estudo com as pessoas que se arrependeram.

Quantas vítimas são necessárias para que se deixe de aplicar um tratamento não científico que promete milagres e entrega sofrimento e dor? Quantas vítimas tornam insustentável o tratamento não científico se ele serve a uma causa da igreja identitária da internet, detentora do monopólio da virtude? Infelizmente, ainda não sabemos.

Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.