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Nunca na história os seres humanos tiveram acesso a tanto conhecimento. Não precisa nem ir muito longe na comparação. Hoje temos, na ponta dos dedos, via celular, informação que precisávamos bater perna e passar horas procurando para conseguir. Durante a pandemia, no entanto, ficou evidente que a quantidade de informação não é suficiente para que pessoas se informem. Chega a ser macabro o número de pessoas no mundo todo que arriscam a própria vida e as vidas de quem amam por simplesmente negar o conhecimento a que têm acesso.

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Podemos fazer uma série de especulações sobre este fenômeno, mas o Instituto de Pesquisa Social da University College London resolveu pesquisar essa história. E, pasmem, tem a ver com religião e a forma pouco científica como os cientistas famosos abordam o tema. Alguns cientistas que ficam famosos e são ateus caem na tentação de ridicularizar religiões. Agem assim contra a divulgação da ciência, já que a tendência das pessoas religiosas é parar de acreditar no que eles divulgam.

Há quem acredite que ciência e religião se opõem. Não é consenso nem entre cientistas nem entre religiosos. Aparentemente, é consenso entre os simplistas e a Igreja Ateia. Existem ateus e conheço vários, não estão nem aí para a minha fé, a dos outros, a do vizinho, a do mundo. Outra coisa bem diferente é a Igreja Ateia, que se organiza como igreja, faz o proselitismo de sua fé/não-fé, investe pesado em tentativas de conversão, tem seus códigos de conduta e encontros periódicos, mas não é para louvar a Deus, é para dizer que Ele não existe. Os irmãos Testemunhas de Jeová que se cuidem porque a Igreja Ateia é muitísismo mais persistente que eles.

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Uma boa diferença entre o ateu e o religioso está no proselitismo, na diligência de converter as pessoas para a própria fé. Cientistas religiosos praticam proselitismo, como todos os religiosos têm direito. Falam de Deus e tornam públicas suas práticas religiosas - os casos mais conhecidos são dos astronautas. Mas o que ocorre quando cientistas ateus agem como se religiosos fossem e praticam proselitismo? Lembremos que a maioria da humanidade é religiosa e eles são cientistas. É isso o que um demógrafo e sociólogo da religião estudou junto com uma especialista em comunicação científica.

Amy Unsworth, especialista em comunicação científica, está estudando nos últimos anos a relação entre a divulgação da ciência e os públicos religiosos e não religiosos. E faz isso no Departamento de Estudos de Ciência e Tecnologia da University College London. Este mês, publicou um estudo, em conjunto com o professor da mesma universidade, David Voas. Eles analisaram como cristãos e muçulmanos reagem às maiores estrelas da divulgação científica do Reino Unido. Traçaram uma relação entre a confiança nas mensagens e o comportamento público dos cientistas com relação à religião. Nenhum dos cientistas estudado é religioso, mas somente alguns manifestam-se veementemente contrários à religiosidade alheia. Foram adicionados dois outros personagens: celebridades criacionistas.

"Os cientistas famosos mais conhecidos da Grã-Bretanha, David Attenborough, Brian Cox, Richard Dawkins e Stephen Hawking incorporam diferentes "modelos" da relação entre ciência e religião (Barbour, 2000). Richard Dawkins acredita que a ciência e a religião estão em conflito absoluto e Stephen Hawking acreditava que a ciência mostrava que não havia necessidade de um criador. Brian Cox e David Attenborough, por outro lado, embora não sejam religiosos, dizem comparativamente pouco sobre religião ou a existência de um Deus, e pode-se dizer que personificam um modelo de independência do relacionamento entre ciência e religião. Existem também figuras públicas como Ken Ham (cristão) e Harun Yahya (muçulmano), que negam a evolução e promovem o criacionismo como alternativa, mas até o momento, pouco se sabe sobre a influência dessas "celebridades criacionistas" entre diferentes constituintes na Grã-Bretanha", diz o preâmbulo do estudo.

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A evolução da mídia e da tecnologia fizeram com que muita gente desloque o conceito de credibilidade e os parâmetros de confiança para a celebridade. Muitos acreditam sem pensar na experiência real da pessoa, condição para avaliar o que diz e coerência. "A mídia [] concentra-se predominantemente nos indivíduos, levando à nossa cultura de celebridade difusa, onde a fama tornou-se a forma mais poderosa de compreender ideias em um mundo complexo. Dentro desta cultura, um novo tipo de cientista saiu do laboratório e se tornou o centro das atenções - o cientista celebridade", cravou em 2015 o jornalista Declan Fahy, professor da Dublin University.

Será que a celebridade e a noção de pertencer ao grupo têm algum peso na opção de religiosos por rejeitar conhecimento científico? O estudo comparou como diferentes públicos reagem aos diversos comportamentos. Temos cientistas que rechaçam religião, cientistas que não falam sobre religião e dois religiosos que rechaçam ciência. A linha em comum é que todos abordam, contra ou a favor, a teoria da evolução em suas aparições públicas. Não temos esse debate tão quente no Brasil, nossas celebridades anticiência estão mais na linha do terraplanismo e, recentemente, com a pandemia, negação de qualquer dado epidemiológico. No Reino Unido, no entanto, a guerra entre religiosos e cientistas nesse ponto está a todo vapor.

O estudo é de massa, envolveu mais de 360 mil pessoas diferentes por meio de uma plataforma de internet. Se sabe sobre todas elas dados como escolaridade, onde moram, religiosidade e se conhecem ou não os cientistas e religiosos celebridade. O primeiro resultado trouxe algo que pode parecer surpresa, mas não para psicólogos sociais: muçulmanos e evangélicos pentecostais ou independentes confiam menos que a média nos cientistas. O grau de confiança, no entanto, é semelhante àquele dado às informações científicas dos religiosos-celebridade de sua própria fé. O comportamento científico de cristãos tradicionais, como anglicanos e católicos, é mais semelhante ao dos não-religiosos.

O ponto fora da curva é a pouca confiança de todos, ateus e religiosos, nas informações científicas de Richard Dawkins. É o único que participa ativamente de congressos de igrejas atéias e empenha-se em proselitismo como se religiosos fosse. Ele atinge um nível de desconfiança único no estudo entre evangélicos independentes, neopentecostais e muçulmanos, mas recebe menos confiança até dos próprios ateus. Os cientistas agora cogitam chamar o fenômeno de Dawkins effect.

No geral, pessoas que conhecem cientistas-celebridade tendem a pensar mais em questões científicas e até mudam de ideia quando antes negavam ciência. Isso acontece em todas as religiões pesquisadas, tanto entre pessoas que se dedicam às práticas religiosas quanto entre aquelas que apenas se identificam com uma religião. Inclusive quem acompanha o próprio Richard Dawkins tende a mudar de opinião e passar a acreditar em evolução. Há cientistas que têm um efeito maior na mudança de opinião, como o monstro sagrado David Attenborough, que é parte da história recente do Reino Unido e orgulho do país e da realeza. Mas, no geral, acesso a informação científica significa adquirir conhecimento científico.

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As coisas mudam quando são colocadas na equação duas variáveis: o que o cientista-celebridade fala sobre ciência e suas declarações sobre religião. "Associar Dawkins apenas com a ciência não resulta em efeitos estatisticamente significativos. No entanto, associando-o com ciência e com uma visão negativa da religião, temos um aumento de quase 3,5 vezes na probabilidade de se tornar menos receptivo à evolução entre os pentecostais e um aumento de 1,8 vezes nas chances entre os muçulmanos", conclui o estudo.

"Familiaridade com o criacionista cristão Ken Ham aumenta cinco vezes as chances de um Evangélico Independente se tornar menos receptivo à evolução. (...). Da mesma forma, a familiaridade com o criacionista islâmico Harun Yahya quase dobra as chances de um muçulmano se tornar menos tolerante com a evolução (...). Curiosamente, um efeito também é observado entre os ateus pela familiaridade com Harun Yahya. Uma inspeção mais detalhada dos dados revela há três indivíduos não religiosos que associam Harun Yahya à ciência e relatam que se tornaram menos tolerantes com a evolução. Entre os pentecostais, celebridades criacionistas não exercem qualquer efeito significativo na mudança para se tornar menos aceitação da evolução", conclui o estudo britânico.

Um cientista sério que milita contra religiões consegue gerar mais negacionismo do que o ativismo dos negacionistas-celebridade. No caso de cristãos pentecostais, negacionistas-celebridade não exercem nenhum efeito, mas o discurso anti-religião de Dawking aumentou em 3,5 vezes a rejeição à ciência. No caso dos evangélicos independentes e dos muçulmanos, o efeito anticiência produzido por influência dos negacionistas-celebridade é exatamente igual ao obtido por influência do cientista que milita contra religiões.

Na hora de assumir culpa, é muito comum no mundo atual usar o método de outro cientista-celebridade, Homer Simpson. "A culpa é minha, eu ponho em quem eu quiser", ensinou. Nós gostamos de acreditar que somos capazes de tomar decisões de forma objetiva, mas isso não passa de crendice. Nós, seres humanos, somos gregários, sociais e emocionais antes de sermos racionais. Não se sabe a razão que torna um cientista que milita contra religiões tão eficiente ao produzir negacionismo, ganhando até dos próprios negacionistas-celebridade. O fato é que isso acontece e, provavelmente, não vale apenas para cientistas.

A intelectualidade brasileira trata a religiosidade do povo com deboche. Com raríssimas e honrosas exceções, quem não tem desdenha da religiosidade do povo tolera o desdém. Trata-se da fábrica mais eficiente de negacionismo científico que já tivemos. Cristãos neopentecostais, de acordo com o estudo, nem ligam para discurso de negacionista famoso. No entanto, passam a desconfiar de conceitos científicos quando quem os defende milita contra religiões. A intelligentsia tupiniquim precisará fazer a escolha entre defender ciência e tirar sarro da cara de crente. Será dramático. Já comprei a pipoca.

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