Preguiça é a palavra que eu mais ouvi sobre a polêmica estilo Rubinho Barrichello em torno do filme do Danilo Gentili de cinco anos atrás. E isso nem é por causa do filme, da cena, de nada disso. O salseiro que se arma de quando em quando sobre produções da Netflix já esgotou a paciência de quem tem louça para lavar em casa.
Lembra o Chico Buarque que, de quando em quando, quer promover o cancelamento dele próprio dizendo que canta uma música machista e as feministas reclamaram. Desafio alguém a achar uma música do repertório que não seja machista. Fuçando bem, até em Saltimbancos você acha meia dúzia para censurar. Fui na ordem alfabética e achei 50. Parei no B.
Eu compreendo sinceramente pais que ficaram atordoados ao ver a cena neste final de semana. Foi espalhada por políticos com alerta para apologia à pedofilia. Chegou à imprensa com esse clichê. Talvez muita gente que viu o filme, há 5 anos, quando foi lançado, tenha passado batido pela cena porque ela estava num contexto.
Não vou negar que é controvertida e pesada. Só que não é apologia à pedofilia. Mostra, com ficção, no que pode dar a aventura de moleques metidos a espertos demais. Eles colam no pior tipo de gente que tem para limpar a barra do que fizeram. Acham que vão colocar o vilão, os pais e a escola no bolso. Esperteza é bicho que come o dono.
Muita gente ficou escandalizada ao ver que o filme é liberado para maiores de 14 anos. E eu fiquei escandalizada ao ver que tem gente que confia em Classificação Indicativa no Brasil. Se a regra do próprio Ministério da Justiça tivesse sido seguida pelo Ministério da Justiça, a Classificação Indicativa seria 16 anos, por cenas de masturbação e insinuação de pedofilia. Você confia no Estado até para isso? Eu não.
Parece que estamos viciados com o Estado-babá. Mil desculpas a quem se acomodou com isso, mas aqui em casa é adulto quem decide o que criança vê. O Estado e a Netflix podem dar suas indicações à vontade. Até a escola pode dar. A última palavra é da família e ponto final. Aliás, é isso o que está na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ela fala também dos nossos DEVERES como adultos e cidadãos.
É um filme para adolescentes de 14 anos? Depende da família e do contexto. Em famílias onde criança assiste o que bem entende, talvez nenhum filme seja apropriado. Você vai achar coisas com classificação livre que, no seu contexto familiar, a criança não pode assistir sozinha e sair tirando conclusões sem conversar com ninguém.
Por outro lado, você também pode achar algumas classificações exageradas. Meu pai me levou ver "O Último Imperador" com 10 anos de idade. A classificação indicativa era de 14 anos. Eu era apaixonada por história, lia muito, debatia isso com ele. Fomos juntos, comentamos o filme. Estudei muita coisa depois provocada por essa obra.
Talvez você não saiba mas, durante um bom tempo, o conteúdo de Felipe Neto aparecia como livre no YouTube. Ele assinou um Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público do Rio de Janeiro para colocar a classificação indicativa correta em todos os vídeos. Mesmo assim, se você prestar atenção nas idades que constam ali, vai discordar de muitos.
Eu fui bloqueada pelo Felipe Neto no Twitter quando fiz esse questionamento. Descobri que todos os amigos do meu filho, na época com uns 5 anos de idade, assistiam os vídeos dele e do irmão. Ele estava errado por fazer um conteúdo terrível para crianças? Claro que sim. Mas onde estava a família dessas crianças?
Um canal que sempre foi livre era o absurdamente problemático Bel para Meninas, que virou um escândalo investigado pelo Ministério Público. O que era para ser algo leve, de situações domésticas, entrou para o macabro com as "brincadeiras" da mãe com a filha. Entre elas, dizer que a menina era adotada e filmar a reação. Teve também o shake de peixe que a mãe faz a menina beber até vomitar.
E o meu filho? Nunca viu essas coisas. Desde pequeno tínhamos um acordo sobre o que ver ou não, o que ele podia ver sozinho e o que veríamos juntos. Novos canais, sempre vimos juntos. Depois do primeiro do Felipe Neto, indicado por um amigo, decidimos que era um conteúdo muito diferente dos nossos valores e que não tinha nada legal ou interessante para acrescentar.
E como proíbe uma criança de ver um canal que aparece como livre? Não proíbe, ajuda a encontrar outros mais legais, conversa, monitora e avisa que recebe as notificações. Não é culpa da Netflix nem do YouTube nem do governo se meu filho assistir o que não deve, é minha. Eu assumo minhas responsabilidades e gasto tempo, dinheiro e muita paciência para apresentar a ele opções boas de cultura. Não é nada além da minha obrigação.
Na época, lembro que achei o canal do desenhista Gato Galático, os do casal Manu Digilo e Gabriel Dearo falando de cultura e cinema, o Coisa de Nerd da Nil Moretto e Leon, o Kaka Craft TV que ensina a fazer projetos legais, o Canal do Schwarza que fala de astronomia e outros que íamos encontrando sobre animais marinhos e curiosidades.
A lista agora é gigantesca, sempre achamos mais coisas novas. Encontramos uma série de cursos interessantíssimos para fazer online, principalmente durante a pandemia. Na Netflix sempre escolhemos filmes juntos e assistimos juntos. As séries vemos alguns capítulos juntos, principalmente as de desenhos japoneses. Esses podem ser a coisa mais inocente do mundo ou algo pesado até para adulto.
Para os games online, fiz uma lista de expressões que adultos predadores geralmente usam quando entram em jogos de crianças. Por exemplo: pediu para não contar para a mãe ou disse que é segredo entre eles, quase 100% que é adulto. Muito difícil uma mãe entender o que se passa dentro do jogo, entre crianças nem precisa dizer para não contar. Ainda que conte, a mãe não vai nem saber do que se trata. Aos 8 anos, ele flagrou um adulto numa sala.
Eu posso fazer tudo isso e, ainda assim, ele acabar vendo o que não devia ou algo que faça mal para ele. O erro vai ser meu e eu vou ter de assumir e consertar em vez de chorar no colo do papai Estado ou da mamãe Netflix. Aliás, o ministro Anderson Torres podia ir tomar conta da família dele. Da minha cuido eu, que não tenho a menor paciência com gente lerda. CINCO ANOS para perceber? Pelo amor de Deus.
É capaz de se eleger deputado com essa pataquada porque o que não falta no Brasil é otário. O povo agora precisa decidir o que acha certo e o que acha errado. Era certo pedir para banir o Dave Chapelle da Netflix, como queriam os lacradores e canceladores? Ou você é cancelador e quer banir conteúdo de plataforma ou não é. Não tem como ser as duas coisas ao mesmo tempo.
Já que o ministro anda tão preocupado com o que eu, adulta, posso ou não ver na Netflix que eu pago, tenho uma sugestão: que tal fuçar no XVideos e no Pornhub o que pode ou não estar na plataforma? Olha, garanto que ali ele vai achar coisa bem mais pesada que o filme do Danilo Gentili. Pode chamar até a lacração e canceladores para dizerem qual pornô é machista, racista ou transfóbico. Acho que dá para tuitar o dia inteiro mostrando o dinheiro público que ele gastou para derrubar vídeo.
Eu estou com uma grande dúvida aqui: será que a partir de hoje, antes de ver qualquer coisa, eu preciso ligar para o delegado Anderson Torres e pedir permissão? Fui no site do Ministério da Justiça e não encontrei a resposta. Aliás, encontrei a regra correta sobre Classificação Indicativa:
"Atualmente, regulamentada pela Portaria MJ nº 368 de fevereiro de 2014, a Classificação Indicativa é informação aos pais e responsáveis acerca do conteúdo que pode não ser recomendado a determinadas faixas etárias e atinge programas de TV (aberta e por assinatura), cinema, vídeo doméstico (DVD), jogos eletrônicos e aplicativos, jogos de RPG e vídeo por demanda (VOD).
Compete ao Departamento de Promoção de Políticas de Justiça - DPJUS, por meio da Coordenação de Classificação Indicativa, analisar obras, levando-se em conta três temas distintos: “sexo”, “drogas” e “violência” para, ao final, e com atenção aos agravantes e atenuantes, indicar, com segurança, a idade não recomendada a cada obra, com o intuito de informar aos pais. A estes, por sua vez, cabe a decisão final sobre o que os seus filhos poderão ou não assistir". (grifo meu)
Ou seja, como o delegado Anderson Torres não é pai do meu filho, não compete a ele mandar na vida cultural do meu filho, mando eu. E, pelo que eu vi aí, o ministro também não manda no que eu, adulta, assisto. Ocorre que a cultura do cancelamento é irresistível para engajamento nas redes. Ano eleitoral vai ser dia sim outro também um pedido de cabeça e outro de derrubada de conteúdo.
Enquanto houver otário, malandro não morre de fome. Políticos e marketeiros sabem usar a internet para mexer com nossa indignação e nossos medos. Nos dão a justificativa moral perfeita para ceder a eles poder sobre a nossa vida e nossas decisões. Tente olhar as situações por esse prisma que você não se deixa mais enredar. Funcionou comigo.
Pelo jeito, este ano será um inferno nas redes. Proibir manifestação do lado oposto é uma das principais formas de ganhar notoriedade. Na era da economia da atenção, isso significa poder real, político, social e até econômico. Mas isso só acontece se você permitir. O preço da liberdade é a eterna vigilância, lembra?
Tem duas regras que, se todo brasileiro seguisse, transformariam o país. A primeira é que os pais são os responsáveis pelos filhos de até 18 anos de idade. A segunda é que, após os 18 anos, as pessoas são adultas e não precisam de babá.
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