Otimistas incorrigíveis podem ser levados a acreditar que o Brasil não tem mais nenhum problema. Nada nos resta a ser resolvido, então vamos procurar chifre em cabeça de cavalo porque só precisamos tratar de filigranas. Estamos às portas de uma eleição para presidente, governadores, deputados e senadores. E quem são as pessoas mais discutidas pelo eleitorado dos dois presidenciáveis mais votados? Sergio Moro e Paola Carosella.
O Moro até vá lá. Ensaiou uma candidatura presidencial, mandou prender Lula durante as últimas eleições, foi ministro de Jair Bolsonaro, saiu torpedeando o presidente, saiu do Podemos para o União Brasil e agora é processado pelos petistas. Não há como negar que se enfiou até o pescoço no enredo político. Mas é sintomático que a vingança contra Moro seja mais falada entre lulistas e bolsonaristas do que os projetos de seus candidatos.
Os lavajatistas e bolsonaristas tiveram uma briga ferrenha durante o mandato. Se você me segue, sabe que eu já previa isso lá no início, em 2019. Não é uma questão de Jair Bolsonaro, é uma questão da nossa estrutura jurídica. Qualquer presidente que deixasse o lavajatismo correr solto seria punido com ou sem culpa no cartório. É precisamente o que acontece com Moro agora, punido pela simples existência do processo petista contra ele. Tem aqui um vídeo de 2019 em que eu digo isso:
Houve um tempo em que o bolsonarismo se confundiu com o lavajatismo, já que ambos tinham em comum o antipetismo. Nessas voltas que o Brasil costuma dar, agora o bolsonarismo e o lulismo têm em comum o antimorismo mas não necessariamente o antilavajatismo. Na cúpula da campanha de Lula está o lavajatista Randolfe Rodrigues e há lavajatistas bolsonaristas a rodo. Vá entender esse sarapatel.
Sergio Moro já foi uma espécie de fiador constitucional de Jair Bolsonaro. A presença dele no ministério serviu, durante a campanha, para garantir que haveria combate à corrupção no modelo lavajatista. Mas a parceria azedou em pouco tempo, quando houve embate pelo comando da Polícia Federal com o presidente. Jair Bolsonaro fez valer seu direito e, curioso, foi publicamente defendido por Lula.
O todo-poderoso da Lava Jato foi do céu ao inferno bolsonarista em questão de horas. Passou de herói a persona non grata, traidor do presidente. Saiu do Brasil, teve a vida esquadrinhada tal como o Ministério Público fez com os investigados da Lava Jato. Voltou coroado pelo Podemos, a bordo de uma ruidosa campanha presidencial que deixou tanto bolsonaristas quanto lulistas irritadíssimos.
Nesse caminho tão curto meteu os pés pelas mãos. No Podemos não haveria competição para ele, Renata Abreu jamais negaria legenda à estrela de sua chapa. A opção pelo União Brasil no último dia para mudança foi trocar o certo pelo mais que duvidoso. O partido é a junção dos poderosíssimos DEM e PSL, portanto falta espaço e sobra cacique. Moro abriu mão de ser tubarão para virar peixinho, só que continuaria perseguido como tubarão pelo que representa na política.
Diante da fragilidade vem a estocada final do PT, o prato da vingança saboreado frio. Acusaram Moro de "lawfare" e é com essa moeda que está sendo pago, só que sem a estrutura de defesa de Lula. Petistas resolveram processar o juiz da Lava Jato pelo prejuízo da Petrobras. O problema não é saquearem a Petrobras, é o juiz. E, cereja do bolo, tem bolsonarista comemorando: traiu Bolsonaro, está pagando. Um suco de Brasil.
A Lava Jato poderia ter sido tocada de maneira diferente? Eu creio que sim, mas principalmente pelo Ministério Público. Isso não significa que os crimes são imaginários. Você pode alegar que meio mundo teve seus processos anulados e voltou à condição de inocente judicialmente, o que é verdade. Mas e os milhões que esse povo devolveu? Era plantado no quintal? Não, era dinheiro de corrupção.
Houve corrupção e houve erros processuais que impediram de punir os culpados. Houve também aquela conhecida série de distorções do poder no Brasil que preserva culpados do topo da pirâmide. Pensa se a moda pega e juiz começa a virar alvo quando uma condenação dele interfere nos ganhos de uma empresa. Não precisa nem ser nessa área de corrupção. Bancos são recordistas de ações judiciais, por exemplo. Se o banco sair perdendo, o juiz vira alvo agora? É para comemorar?
O mais curioso é isso virar tema do nosso debate presidencial em 2022. Temos muitos problemas concretos a resolver, inúmeras demandas da população e preocupação com o futuro. Em todas as cores partidárias há pessoas ansiosas por um plano para a economia, para a educação das nossas crianças que atravessaram bravamente a pandemia, para a saúde pública, para a segurança. E estamos aqui vendo uma festa de gente tripudiando sobre Sergio Moro.
Eu até compreendo que Lula e Bolsonaro estivessem sapateando em comemoração da vingança pessoal contra o ex-juiz. Sergio Moro acabou virando uma espécie de algoz de Lula e foi de aliado de primeira hora a um tipo de traidor de Bolsonaro. Mas, verdade seja dita, esse movimento vem mais dos apoiadores que dos próprios candidatos e aí fica difícil entender.
Seria o amor dos lulistas e dos bolsonaristas mais ligado ao que eles negam do que ao que eles significam? Explico. Parece que vingar traidores e evitar que o PT volte ou que Bolsonaro continue são movimentos mais importantes do que fazer campanha mostrando que o candidato tem uma proposta melhor que os demais. Até aí, Moro pelo menos está no jogo político. Mas Paola Carosella é chef! Aliás, é Masterchef.
Nas duas últimas semanas, a chef foi saco de pancadas primeiro do lulismo por não chamar de fascista quem não vota em Lula no primeiro turno. Agora virou saco de pancadas do bolsonarismo por ter feito declarações ofensivas contra os eleitores de Jair Bolsonaro em um podcast.
Eu não concordo com as declarações que ela fez porque considero errado cortar relações ou julgar pessoas devido às preferências políticas. Mas não creio que a política do cancelamento e difamação que temos visto nas redes sociais seja a resposta adequada, principalmente porque ela nem é da política e reproduz um comportamento de muitos dos nossos amigos e familiares.
Não corto relações devido a preferências políticas porque trabalho com cobertura política há 26 anos, aprendi profissionalmente e em momentos bem menos polarizados a desenvolver um outro olhar sobre as pessoas e os momentos políticos. Quem me acompanha sabe que desenvolvi relações de amizade verdadeira até contra gente que fez ataques horrorosos contra mim nas redes sociais. É possível, uma questão de experiência, de persistência na fé cristã e de consciência dos meus defeitos e deslizes.
Eu não sei como reagiria nesse ambiente de polarização tóxica se não tivesse essa vivência. Todos nós temos amigos e conhecidos que cortaram laços afetivos com alguém porque tal pessoa é esquerdista ou conservadora ou lulista ou bolsonarista. Todos nós conhecemos alguém que nos faz cair diariamente na tentação do cancelamento porque consegue ser mais que insuportável com polarização. E muita gente desconta isso tudo na Paola Carosella também.
Existe uma campanha nas redes sociais de boicote do restaurante da chef, o Arturito, em São Paulo. Eu sou radicalmente contra. Primeiro por razões práticas: ninguém mais lembra o que é para boicotar e só dá para boicotar uma coisa que você usa. Depois porque a política do cancelamento realiza a profecia do julgamento moral. Ela diz que um grupo de pessoas não presta e o grupo faz o máximo para provar esse ponto de vista. Não faz o menor sentido.
Quando falamos de Paola Carosella falamos de uma pessoa famosa e bem sucedida, mas que não tem poder político nem é autoridade pública. É muito curioso que as paquitas de político cobrem mais coerência dos cidadãos, famosos ou não, do que dos políticos que nos devem satisfação. Precisamos virar essa chave. Ninguém vai nos salvar, somos nós que precisamos aprender a sair do buraco.
O mais impressionante nessa campanha é que a polarização tóxica leva as duas torcidas adversárias a terem exatamente os mesmos inimigos. Até agora eu não entendi quem odeia mais Sergio Moro e Paola Carosella, se são os lulistas ou se são os bolsonaristas. Se fosse novela, diriam que o enredo é forçado.
O mais triste é que eleições deveriam ser a festa da democracia, o ponto alto da política. E essa cultura do cancelamento não é democracia, ainda por cima é antipolítica. O movimento é mais visível quando acontece com famosos, como Sergio Moro ou Paola Carosella, mas tem acontecido com cada pessoa que ousa fazer uma pergunta.
Se perguntou ou reclamou de Lula ou Bolsonaro, torça para não estar entre os eleitores mais intolerantes ou será enfiado no saco dos comunistas ou fascistas. Isso não vai convencer ninguém a votar no candidato que esse pessoal defende, pelo contrário, afasta primeiro do candidato e depois da confiança na política.
Uma coisa, no entanto, a gente poderia aproveitar dessa história toda. Pense em toda essa energia do pessoal para cobrar Paola Carosella. E se isso fosse investido para cobrar milimetricamente toda e qualquer declaração dos nossos políticos? De todos eles, em todos os espectros ideológicos nas três esferas de governo. Creio que muito rapidamente poderíamos nos transformar na Noruega.
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