| Foto: EFE/Sebastiao Moreira
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O imbroglio envolvendo o Tribunal Superior Eleitoral, Pabllo Vittar e Planet Hemp é mais um capítulo de uma das mentiras mais bem contadas sobre combate à corrupção eleitoral. Criaram uma história de que o fim do desperdício de dinheiro e do financiamento privado acabaria com a corrupção. A gente é brasileiro, acredita em tudo, está aí pagando para ministro implicar com toalha de drag queen. Não é desperdício de dinheiro?

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Vamos começar do começo. Quando promulgaram a Constituição de 1988 eu era criança e prometeram que as eleições seriam a "festa da democracia". Era mesmo. Tinha um showmício a cada esquina. O pessoal ia em todos. Nunca vi tanto show de graça no Brasil. Era chato o pedaço em que parava para o político falar. Mas, de graça, até injeção na testa.

Quando o político se alongava demais, o povo começava a bater palma e daí voltava o show. Geralmente, o pessoal ia em tudo quanto era show que aparecia na cidade. Para os candidatos ao Executivo, nunca entendi como exatamente haveria um favorecimento. Sinceramente, jamais conheci alguém que decidisse por algum político influenciado por artista. Vai ver é sorte minha, sei lá.

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Já no caso do legislativo eu compreendo bem. São centenas de candidatos porque criamos mais parlamentos do que canteiros de flores no Brasil. Nesse contexto, aquele que consegue aparecer em um showmício terá vantagem sobre os demais que concorrem no mesmo lugar. E daí tanto faz o artista, até porque eles não ajudam muito.

Veja o caso Zé de Abreu, que hoje é o único detentor mundial do Free Pass Progressista. Ele tem o direito até de cuspir no rosto de mulher porque brigou com o companheiro dela e continua feministo de carteirinha. Nem o Lula consegue passar ileso desse jeito no próprio fã-clube. Hoje, Zé de Abreu é Lula desde criancinha. Mas, se o pessoal fosse atrás dele, já teria sido tucano e peemedebista também.

Além de ir em show de graça, a gente não comprava pijama nem pano de chão. A cada 2 anos, juntava camiseta suficiente para as duas coisas. Muitos casais tiveram de procurar novos métodos anticoncepcionais quando foi abolida a camiseta de vereador como pijama oficial da família brasileira. A gente ganhava chaveiro, porta título de eleitor, bandeirinha, broche, era uma festa. Mas também não era baderna. Não podia dar dinheiro vivo, dentadura (por isso me ufano do meu país), promessa de cargo público e outras benesses que configurassem compra de votos.

Em 2005 estourou o escândalo do Mensalão. O Brasil inteiro ficou sabendo que o Caixa 2 rolava solto nas campanhas. Qual foi a solução? A minirreforma eleitoral para acabar com essa baderna toda. Que baderna? Showmício, santinho, chaveiro e camiseta. O jeito mais fácil de ser trouxa é cair em polarização. Caímos nessa. Em 2006, foi aprovada a minirreforma eleitoral. Não faltou quem alertasse do erro.

O Brasil é ótimo de iniciativa e péssimo de terminativa. Qual o nexo causal entre o showmício e o Caixa 2? Nunca nem se perguntou isso. Já são criados dois times, o contra e o a favor do showmício. Os dois acham que são o lado do bem e o outro lado é o corrupto. Foi exatamente assim que milhões de pessoas realmente acreditaram que Caixa 2 de campanha seria contido reduzindo o tipo de brinde que se compra. Seria cômico se não fosse trágico.

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Foi nessa época que se cunhou a expressão "velório da democracia" em oposição à festa da democracia que eram as eleições. O relator da minirreforma eleitoral no TSE, ministro José Gerardo Grossi, alertou que ela atacava o alvo errado: "Assim estamos tornando as eleições excessivamente cinzentas. Não é nesta via que aparecem as irregularidades". Baita homem chato. Razão tinha o pessoal contra o desperdício nas eleições e pelo fim do Caixa 2. Foi o mesmo povo ruidoso que fez Caixa 2 nas eleições seguintes. E não, não aprendemos desta vez.

Fizemos a mesmíssima coisa ainda mais uma vez. Afinal, se você quer resolver um problema atacando algo que não tem nada a ver com ele, só pode dar errado. Deu errado por quê? Porque o pessoal torce contra, simples assim. É só fazer a mesma coisa de novo que agora sim dará certo porque nós estamos bem intencionados.

Veio a operação Lava Jato e descobriu o quê? Isso mesmo, Caixa 2 de campanha. Nossa, quem diria? Gente, será que o ministro estava certo? Quem poderia imaginar? Talvez o método de identificar onde está o problema que possibilita a corrupção e então corrigir seja mesmo o mais eficaz. Isso de atacar algo que parece fazer sentido sem ter nenhum estudo técnico não deu certo.

Já existia uma discussão sobre o fim do financiamento privado de campanha antes da operação Lava Jato. Ocorre que ela dissecou como era feito o toma-lá-dá-cá e finalmente as pessoas compreenderam que elas próprias é que faziam as doações. A empresa apostava num lucro que lhe seria retribuído no futuro. Investia na campanha para receber com juros em obras no futuro. Nós pagamos as obras.

Precisa acabar imediatamente com o financiamento de campanhas por empresas para estancar a sangria da corrupção. Oi? Mas a maioria do dinheiro de corrupção era Caixa 2, não era legalizado. Ah, não importa. Quando o pessoal pega ranço, acredita em qualquer coisa. Quem já queria o financiamento público e o Fundão saiu gritando isso e muita gente acreditou sem fazer conta nem raciocinar.

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Mais uma vez não houve a preocupação nem de olhar onde estava o problema. Ficou todo mundo com raiva de gente esbanjando e enriquecendo às nossas custas. O pessoal teve raiva de político, raiva de empreiteira, raiva do esquema, decidiu com raiva. Pronto, não tem mais financiamento privado, só o Fundão de R$ 6 bi. Pergunto: acabou a corrupção em eleição? Pois é.

Como chegamos à chicana do PL x TSE x Pabllo Vittar

Agora estamos na boca de outra eleição. O que foi feito de efetivo para moralizar o processo? Sei lá, meme e repassar boato mal escrito o dia todo no WhatsApp, acompanhar gritaria de político e jornalista, torcer feito futebol, sinalizar virtude, cancelar os outros, tudo coisa útil para a democracia.

De coisa útil em coisa útil, chegamos à situação ridícula em que sai mais caro lidar com as pontas soltas das gambiarras que fizemos. Ninguém sabe ainda o que é showmício ou não. Já teve um julgamento do STF, mas é uma bagunça a história. Se um partido organiza um evento de arrecadação e um cantor famoso se apresenta, pode ou é proibido?

Pode! Exatamente. Eu achava que era proibido. Não é. Só é proibido se for gratuito. Digamos que seja um evento privado, com ingresso pago e o artista resolva defender um candidato qualquer, em período eleitoral ou antes, quando nem candidato ele é. Pode? É um limbo isso, ninguém sabe. E, a julgar pela chicana no TSE, talvez a decisão seja de acordo com a cara do freguês.

O Lollapalooza é privado, em tese poderia até promover deliberadamente manifestações políticas. Ocorre que também é transmitido em concessões públicas, o que gera uma dúvida. Mas não foi o evento que promoveu a manifestação, foram artistas que decidiram individualmente. Então eles têm liberdade de expressão. Sim, mas essa liberdade se sobrepõe à paridade de armas dos candidatos nas eleições?

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Ninguém vai votar no Lula porque viu Pabllo Vittar com uma toalha dele ou o maior maconheiro da nossa história, Marcelo D2, bravo com o Bolsonaro. O caso concreto, aliás, é ridículo. Esse pessoal mais atrapalhou do que ajudou o Lula, que está de olho no eleitorado mais conservador, o que ele ainda não tem. Ali se pregou para convertido.

Mas pense na regra de que qualquer artista, antes da campanha ou durante, num evento artístico transmitido pela televisão, pode deliberadamente manifestar apoio a qualquer candidato que deseje. Para o Executivo não muda nada, mas os políticos vão chiar. Suponha que ele indique um candidato ao Legislativo. A coisa não mudaria de figura? E se for o candidato da agência de publicidade dos shows dele? Já entramos num terreno bem mais pantanoso aqui.

Aliás, é por isso que não temos visto com tanta frequência manifestações políticas de artistas nos shows em período eleitoral. Se o concorrente cismar de processar alegando que infringiu a proibição de showmício, no mínimo vai ter de pagar o advogado para se defender. Como não é tão claro, gera custos e o processo em si é a punição. Os prazos na Justiça Eleitoral variam de 24 a 72 horas. Avalie a dor de cabeça. A autocensura tem reinado entre os artistas.

No caso específico, aliás, houve uma chicana jurídica que parece coisa de episódio do Chaves. O PL entrou contra a organização do Lollapalooza, não contra os artistas. Só que colocou o CNPJ errado, então acusou uma empresa de informática. O ministro diz ter entendido que a empresa havia instado os artistas a fazer propaganda política, por isso estava no pólo passivo da ação. A empresa, no caso, que ele achou que era a do show mas nem isso era.

Isso tudo, você pagando o salário do pessoal, que não ganha pouco.

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Bom, o ministro do TSE decide não decidir nada porque ninguém sabe o que fazer com um negócio desses. Multa ou não? Multa quem? O CNPJ responde ou isso é caso em que só CPF responde como, por exemplo, colocação antecipada de outdoor? Foi dada uma liminar. Ou seja, suspende esse lance de propaganda até a gente decidir. A intelligentsia brasileira foi à loucura.

Outdoor é proibido e é uma forma de propaganda antecipada. O pessoal que colocou um outdoor para o presidente Bolsonaro na última eleição numa cidadezinha do interior de Minas Gerais pagou multa no TSE. Mas falar naquele show, que é privado porém transmitido por uma televisão, é manifestação individual ou configura showmício? Depende da cara do freguês.

De bravata em bravata, de coisa certa em coisa certa, chegamos a um sistema bilionário que não é um processo democrático. Sinceramente, em que uma toalha de drag queen pode afetar uma eleição para a presidência da República? Eu é que tenho de pagar um salário absurdo para um ministro e um monte de asseclas estudarem esse caso tão importante? Infelizmente sim. Você também. Isso não é democracia.

É, no entanto, um retrato fiel do que será este processo eleitoral, a mais pura gritaria. Será uma eleição ganha no grito, campanhas feitas para apelar aos seus instintos mais primitivos. Vai ser o dia inteiro mexendo com seus medos, sempre com exageros, tintas carregadas e salvadores da pátria.

Quantos novos jihadistas contra a corrupção ainda surgirão nessa grande pátria de acreditadores? Já elegemos com essa pauta: Jânio Quadros, Fernando Collor e Lula. Deu certo? Pois é. Dá até para pedir música no Fantástico e ainda tem salvador da pátria contra a corrupção que vai matar tudo no peito. E adulto acreditando. O combate à corrupção depende de um sistema que funcione independentemente de quem esteja no leme.

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A liberdade e a democracia, mais uma vez, serão confundidas com a tirania daqueles que julgamos serem virtuosos e dotados de boas intenções. Serão, novamente, a única possibilidade para lutar "contra tudo isso que está aí", "já que ninguém faz nada". Se isso já funcionava em comício, avalie com a generosa ajuda dos algoritmos das redes sociais.

Ninguém vai nos salvar disso, só nós mesmos. Para os que vivem do compadrio, o cenário em que uma maioria carrega nas costas uma pequena casta é muito confortável. E basta lançar de tempos em tempos a ideia de um salvador da pátria que ninguém pergunta como ele vai fazer nada, quais os planos, o que já fez. O mais bonito da democracia é que o governo espelha o povo. O mais trágico também.