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Madeleine Lacsko

Madeleine Lacsko

Reflexões sobre princípios e cidadania

Um pacto para salvar a internet do caos

Ao ver sua criação chegar aos 30 anos, o pai da internet, Tim Berners-Lee, anunciou um plano global para "salvar" a internet. O Contract for The Web, que já conta com a adesão de diversas gigantes da tecnologia e instituições da sociedade civil, é centrado em dar aos cidadãos o direito sobre seus dados pessoais e garantir acesso à web.

"Se deixarmos a internet como está, um número muito grande de coisas dará errado. Podemos acabar numa distopia digital se não mudarmos as coisas. Não precisamos de um plano para 10 anos na internet, precisamos mudar a web agora", defende Tim Berners-Lee.

O pacto é direcionado a empresas, governos e cidadãos. O texto explicativo diz que a internet foi feita para aproximar as pessoas e distribuir gratuitamente conhecimento, mas os resultados vieram com efeitos colaterais. Obviamente muito na nossa vida mudou e bilhões de pessoas foram impactadas positivamente, mas ainda há quem esteja fora da internet ou quem pague custos altos e inaceitáveis.

O plano foi anunciado hoje, com o lançamento do site e uma live. Os objetivos foram desenvolvidos em um trabalho que durou mais de um ano e envolveu empresas, governos e representantes da sociedade civil. Quando a plataforma foi lançada, 150 empresas e organizações já apoiavam o Contract for the Web, incluindo as gigantes Google, Facebook e Twitter.

O Brasil também apóia a iniciativa, por meio do Nic.Br, o Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto Br, criado para implementar as decisões e projetos do Comitê Gestor da Internet no Brasil. O Marco Civil da Internet feito pelo Congresso Nacional já foi elogiado pelo criador da web.

O Contract for the Web tem 9 objetivos específicos, divididos em 3 grupos: um a ser adotado pelos governos, outro pelas empresas e um último pelos indivíduos, incluindo os que fazem partes de governos e empresas.

Os 3 princípios para os governos são:

1. Garantir que todos tenham acesso à internet.

2. Manter toda a internet disponível para a população o tempo todo.

3. Respeitar e proteger os direitos individuais à privacidade e os direitos sobre dados individuais.

Os princípios para as empresas são:

4. Fazer com que a internet seja acessível, inclusive financeiramente, para todos.

5. Respeitar e proteger a privacidade e os dados pessoais para construir confiança online.

6. Desenvolver tecnologias que apóiem o melhor da humanidade e desafiem o pior.

Os princípios para os cidadãos são:

7. Ser criadores e colaboradores na internet.

8. Construir comunidades fortes, que respeitem o discurso civilizado e a dignidade humana.

9. Lutar pela internet.

Cada um desses princípios é desdobrado em propostas objetivas de ação, com links para estudos que fundamentam o motivo de terem sido elencados pelo grupo. Lutar pela internet, por exemplo, inclui não permitir que ela seja usada como arma por governos ou instituições e defender que seja o mais transparente possível.

Todo cidadão que entra no site pode apoiar a campanha automaticamente, é só deixar nome e email no cadastro. Já para as empresas, organizações e governos o processo é bem mais cuidadoso e foi criada uma metodologia para verificar se as atitudes preconizadas pelo pacto estão sendo adotadas. Nos casos em que não estiverem, a instituição pode ser cortada.

Tim Berners-Lee, após criar a internet, fundou uma instituição sem fins lucrativos chamada World Wide Web Foundation, dedicada a monitorar se o desenvolvimento da web segue os princípios iniciais de unir as pessoas e divulgar conhecimento de forma livre.

Em 2016, ele já havia iniciado um pacto entre especialistas para a democratização da rede. Na época, explicava tecnicamente que a "internet" (conexão entre os computadores) já é democratizada porque cada um tem o seu. Já a "web", a rede em si, fica nas mãos de poucas empresas. A proposta era criar uma nova rede, descentralizada.

A iniciativa tomada agora é de consertar a rede que temos. Parece ter a intenção dupla de conseguir compromisso daqueles que usufruem da usurpação dos dados dos cidadãos e conscientizar os cidadãos sobre seus direitos. A pessoa que dá apoio à iniciativa passa a receber atualizações sobre o tema. Muitos cidadãos não fazem ideia de como seus dados, coletados pelas mais diversas plataformas, podem ser utilizados. Também não sabem que, na maioria dos países democráticos, como o Brasil, os dados pertencem a cada cidadão, não a empresas nem a governos.

"Se você for uma empresa ou governo, controlar a internet é uma forma de obter grandes lucros ou garantir que você permaneça no poder. As pessoas são indiscutivelmente a parte mais importante disso, porque são apenas elas que serão motivadas as responsabilizar os outros dois", diz o inventor da internet.

A tentativa de um pacto pela autorregulação chega num momento em que vários países discutem a necessidade de providências governamentais diante do reiterado uso de dados das pessoas sem o consentimento delas, principalmente para a manipulação de informações.

A principal preocupação tem sido com as grandes plataformas - Facebook, Twitter e Google - que são entendidas pelas pessoas como fontes de informação mas, na verdade, vivem da venda de dados em forma de publicidade segmentada. Para conseguir que as pessoas fiquem muito tempo plugadas fornecendo dados, as plataformas estimulam conteúdos com o que mais mobiliza o ser humano: ódio, medo e ressentimento.

A intenção do pai da web é que comecemos um processo para garantir que as pessoas entendam seus direitos, a internet seja protegida contra abusos e utilizada para beneficiar a humanidade. Trata-se de um freio de arrumação para a sensação de caos e agressividade online. As redes sociais não embarcam por altruísmo: todas as plataformas têm a convicção de que sua vida a longo prazo depende de criar discussões saudáveis e beneficiar as pessoas com conhecimento e informações de qualidade.

Há quem duvide da eficácia da estratégia. Para mim, a existência dela já é um mérito. Fomos jogados no mundo da hiperconectividade sem nenhum preparo técnico. Toda informação que possamos ter sobre as formas como usam nossos dados, o que isso causa e quais nossos direitos é um passo no sentido da liberdade individual.

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