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Madeleine Lacsko

Madeleine Lacsko

Reflexões sobre princípios e cidadania

Vale a pena investir em reconhecimento facial?

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Diversos governos no mundo todo têm recorrido ao reconhecimento facial como a melhor solução possível para a segurança. Mas - tudo o que é importante vem depois do "mas" - não têm sido claros sobre a taxa de eficiência do sistema.

Tudo o que temos debatido até agora parte do pressuposto de uma tecnologia infalível, de forma que estamos discutindo se vale a pena perder a privacidade em troca da segurança. Na nossa cabeça, máquinas são infalíveis. Ocorre que elas são feitas e programadas por seres humanos falíveis como nós.

A tecnologia avança para atender necessidades humanas reais. Mas ela nos encanta tanto que, ultimamente, temos cedido ao fenômeno da tecnologia pela tecnologia. Há o que se implemente e até receba investimentos apenas por ser novidade, sem se provar viável, sustentável ou capaz de entregar o que promete. Observe os patinetes urbanos e conversamos daqui a um ano.

A tecnologia de reconhecimento facial parece ser um desses casos, mas tem achado políticos empolgados em diversas cidades da América Latina. O governador de São Paulo parece interessado no sistema e já há pilotos no Rio de Janeiro, Fortaleza e Santa Catarina. O mesmo ocorre em cidades da Argentina, Peru e México.

Ocorre que, onde essa tecnologia já funciona, são assustadores os índices de erros, conforme indicado em estudos de duas das mais respeitadas universidades de tecnologia do mundo.

No ano passado, quando começou o projeto piloto no Rio de Janeiro, a polícia prendeu uma mulher que foi identificada pelo reconhecimento facial como uma fugitiva condenada por homicídio e ocultação de cadáver. Na hora da abordagem, ela estava sem documentos. Foi levada à delegacia, onde se verificou que a identificação estava errada.

Obviamente, quando se trata de tecnologia, vemos esses episódios como um erro, um ponto fora da curva. É tão grande nosso encantamento que muitos esquecem do drama humano envolvido. Para aquela pessoa que foi vítima do erro é inútil dizer que se trata de exceção, são a vida e a reputação dela em jogo.

O Massachussets Institute of Technology, MIT, um dos centros de excelência tecnológica do mundo, analisou as 3 empresas que fornecem comercialmente serviços de reconhecimento facial nos Estados Unidos. Todas dizem ter taxa de acerto maior que 95%, mas conseguiram esse número manipulando a amostra de pessoas reconhecidas.

Todos os sistemas detectam homens com mais precisão que mulheres e brancos com mais precisão que negros e latinos. Nós, brasileiros, somos latinos, mesmo os descendentes de europeus. A taxa de erro em homens brancos é de 0,8%. Em mulheres negras, a taxa de erro é de 34%. Como chegaram aos 3% de erro? Fazendo a medição com 77% de homens e 83% de brancos na amostra.

A Universidade de Essex, no Reino Unido, também descobriu discrepâncias entre o que se divulgou como taxa de acerto do sistema de reconhecimento facial em Londres e a realidade. A Polícia Metropolitana de Londres diz que o índice de erro é de 0,1%. A universidade fez 42 testes diferentes de identificação de suspeitos e só houve acerto em 8. O índice de erro do sistema inglês é de mais de 80%.

Claro que os sistemas têm acertos também, mas não imaginávamos que fossem tão falhos e, pior, as empresas e autoridades não são transparentes sobre as falhas. Os erros podem ser não identificar alguém que deveria ser preso ou identificar alguém por engano. A segunda situação, mais dramática, pode ser verificada pela sociedade. E a primeira? O que acontece se ficarmos tranquilos achando que o reconhecimento facial vai achar os criminosos?

O mundo está em mudança constante e a evolução tecnológica é uma benesse que melhorou muito a qualidade de vida das pessoas e aumentou nossa possibilidade de realizar sonhos. Mas não é toda tecnologia que anda nesse sentido, menos ainda as que não foram suficientemente testadas para que saibamos se entregam o que prometem.

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