Imagine ver subir ao palco um padre católico, de batina e tudo, e, após uma reflexão bíblica de abertura e uma oração, falar sobre defender o livre mercado… Mais: imagine o clérigo relacionando passagens bíblicas e ensinamentos cristãos com os princípios de uma economia livre. Soa peculiar, não? Sobretudo no Brasil, onde estamos acostumados a uma visão hegemônica de esquerda intervencionista e assistencialista emanada dos púlpitos nas missas, herança também da cultura estatista dos nossos colonizadores. Parece até algo inacreditável, mas não é. Este fenômeno acontece e se repete todos os anos na cidade de Grand Rapids, Michigan, nos Estados Unidos, e tem se multiplicado mundo afora – e com mais força do que nunca no Brasil.
Quando eu soube pela primeira vez da existência do Instituto Acton eu ainda era um recém-formado em Relações Internacionais pela UFRGS e que acabara de se mudar para a Europa para continuar os estudos. Iniciaria, em setembro daquele ano de 2011, um mestrado em Ciência Política na Universidade de Leiden, Holanda. Um mês antes de começar o curso acadêmico participei na Bulgária de um curso de verão promovido pelo Institute for Economic Studies (IES) francês. E assim nasceu minha conexão com a Acton: ciente da minha formação religiosa cristã luterana, uma participante polonesa daquele seminário realizado na pequena cidade interiorana Troyan, no Leste Europeu, recomendou que eu pesquisasse sobre o Instituto que trata a economia de forma séria e defende uma sociedade livre e virtuosa. Deu match!
A batalha pela liberdade não apenas será vencida como vale sempre a pena, posto que nossa defesa está fundamentada em sólidos preceitos morais.
Desde junho de 2012 tenho participado regularmente das atividades do Instituto, em especial do seu evento anual chamado Acton University. Em 2023 foram aproximadamente mil participantes presenciais, de mais de oitenta países do mundo, reunidos para quatro dias de atividades acadêmicas, de formação e de informação sobre temas como economia, filosofia, direito, religião e sociedade. Nesta edição, quando incluídos os que assistiram à conferência online, foram mais de 100 países. De participante brasileiro em um grupo nacional de cerca de quinze pessoas, há pouco mais de dez anos, passei, com muita honra, a ser também um dos palestrantes do evento que, agora, na edição de 2023, contou com a participação de mais 60 brasileiros, a maior delegação estrangeira.
Durante aquela semana tivemos participações especiais de brasileiros que têm feito a diferença no nosso país. O colunista desta Gazeta e ex-procurador da República Deltan Dallagnol, deputado recém-cassado de forma inconstitucional e ilegal, participou pela segunda vez. Em junho de 2019, Deltan foi um Keynote Speaker, como são chamados os palestrantes do palco principal, ocasião em que enumerou os sucessos da Operação Lava Jato em um momento em que a empreitada ainda demonstrava fôlego, apesar dos ataques coordenados que começava a enfrentar então. Neste ano a situação foi oposta: fotos postadas por Deltan em sua própria rede no momento do embarque aos EUA já serviam de motivo para a esgotosfera das fake news inventar que estaria fugindo do Brasil. Nunca vi um fugitivo anunciar publicamente a própria fuga antes de realizá-la…
Nesta semana em que os americanos celebram sua Declaração de Independência fica claro que a liberdade não pode encontrar fronteiras.
O encontro nos Estados Unidos de tantos brasileiros que querem um país melhor, com mais liberdade, justiça e desenvolvimento econômico e social, ajudou a melhor observar, desde fora, as contradições e fraquezas de uma esquerda que precisa disseminar cada vez mais mentiras para tentar conquistar ou manter poder. Uma bela reflexão a respeito do assunto foi feita pela também colunista desta Gazeta Madeleine Lacsko, presente à conferência: quando será que a maioria dos meios tradicionais de comunicação vai se dedicar a demonstrar que pode voltar a ser “melhor e mais confiável que as tias do zap e os blogueiros amigos?”. Se a tendência atual é o rechaço às fake news, está mais do que na hora de os meios de comunicação se esforçarem, como faz muito bem esta Gazeta, em voltarem a ser as principais fontes de informações confiáveis, checadas e verdadeiras.
Para coroar a importância com que o Brasil tem sido tratado pelo Instituto estadunidense, o empresário e benfeitor liberal mineiro Salim Mattar foi agraciado com o prêmio "Guardian of Freedom". Criada após a queda do Muro de Berlim, em 1989, a distinção foi entregue desde então a apenas três outras personalidades no mundo, que foram reconhecidas pelo Instituto por demonstrarem "compromisso notável pela liberdade". Chamado ao palco principal pelo presidente e cofundador do Instituto, o economista Kris Mauren (cujo compromisso com o Brasil é evidente pelas inúmeras vezes que já visitou o país, do Sul ao Nordeste), Salim Mattar mencionou em sua fala de agradecimento intelectuais liberais como Edmund Burke e Adam Smith, enaltecendo a importância da liberdade e da conservação de valores fundamentais para o progresso da humanidade. Foi ovacionado e aplaudido de pé pelo público.
O encontro ajudou a melhor observar, desde fora, as contradições e fraquezas de uma esquerda que precisa disseminar cada vez mais mentiras.
Nesta semana em que os americanos celebram sua Declaração de Independência fica claro que a liberdade não pode encontrar fronteiras. Não me refiro apenas às fronteiras territoriais, que infelizmente tem sido historicamente as mais claras demonstrações da diferença de tratamento que um povo recebe sob uma ditadura e quando sob uma democracia: Alemanha Oriental e Ocidental no passado, Coreia do Norte e do Sul no presente talvez sejam os exemplos que mais nos vêm à mente. Há outras fronteiras que precisam ser cruzadas pelos defensores da liberdade, e a linha que por muito tempo tem separado o estudo da economia e o da religião é uma delas.
Sem dúvida são temas muito distintos, mas o trabalho do Instituto Acton e, em particular, do Reverendo Robert Sirico, personagem real que abre este artigo com sua defesa da liberdade econômica trajando batina, demonstram que são, sim, conciliáveis. Mais do que isso: a falta de compreensão dos fenômenos econômicos e da verdadeira vocação que muitas pessoas têm no servir ao próximo como empreendedores, já gerou muitos preconceitos da Igreja e de seus representantes, e até mesmo perseguições contra devotos cristãos que são produtores de riqueza. Basta lembrarmos quão nefasta foi, e ainda é, a influência da Teologia da Libertação no catolicismo mundial: de base marxista, cujo ideólogo desprezava a própria religião, é na sua essência uma teologia antibíblica, sem fundamentação econômica séria, e que ataca os próprios pilares da fé cristã.
Além de eventos como o anual Acton University, o Instituto realiza seminários, encontros internacionais, documentários e publicações de livros, a exemplo do recém traduzido para o português e excelente A Economia das Parábolas, do Reverendo Sirico, lançado no Brasil no último Fórum da Liberdade. A obra faz o leitor repensar a própria postura de espanto que teria ao ver um padre falando de economia: na verdade, espantoso é que muitos líderes religiosos não entendam do assunto, não busquem compreendê-lo melhor e, ainda assim, influenciem com ideais superficiais e erradas multidões que os seguem. Isso, sim, deveria assustar e preocupar!
Thiago Vieira, também colunista nesta Gazeta em conjunto com Jean Regina, lançou a pergunta em painel de que participei ao lado de Deltan Dallagnol, Madeleine Lacsko e Rodrigo Marinho no último Acton University: “Ainda há liberdade no Brasil?”. É bem verdade que enfrentamos tempos difíceis, respondi. Mas é graças ao trabalho incansável de milhões de brasileiros para preservá-la e de institutos como o Acton para nos dar suporte, que temos convicção de que a batalha pela liberdade não apenas será vencida como vale sempre a pena, posto que nossa defesa está fundamentada em sólidos preceitos morais.
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