O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, em audiência na Comissão de Segurança Pública do Senado.| Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
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A fala na Comissão de Segurança da Câmara de Deputados desta semana do Ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, relativizando a imunidade parlamentar é mais uma agressão do governo Lula ao Congresso Nacional. O ministro, ex-integrante da Corte Suprema, contradisse a jurisprudência que ele próprio formou enquanto era magistrado e mentiu aos deputados em audiência pública. Não, não é verdade que o Supremo flexibilizou o instituto da imunidade parlamentar para opiniões, palavras e votos proferidos na tribuna do parlamento em julgados recentes. Nem poderia, pois o artigo 53 da Constituição é claríssimo e o STF não tem o poder de reescrever a Constituição: "Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.

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A prerrogativa da imunidade parlamentar para a expressão é sagrada, no Brasil e em qualquer país democrático. Sobre o assunto já escrevi anteriormente. Mas é importante lembrar que, mesmo aqueles que hoje estão a agredi-la e a praticar censura, não faz muito tempo davam-na como absoluta. É o caso de Lewandowski, que escreveu recentemente sobre imunidade parlementar: “ainda, conforme Reinstein e Silverglate (1973, p. 1.139 e 1.150), o fundamento e a razão de ser do instituto residem na proteção à separação de poderes e na habilidade do Parlamento para deliberar com independência e integridade, livre da opressão e da intimidação do Poder Executivo, máxime no exercício de crítica de políticas nacionais consideradas vitais. No bojo da instituição dessa prerrogativa reside a crença no papel fundamental da comunicação para a democracia”.

A fala do ministro Ricardo Lewandowski na Comissão de Segurança da Câmara dos Deputados, ao relativizar a imunidade parlamentar, evidencia um preocupante ataque às bases do Estado de Direito e à democracia

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Esse julgado é de 2017, relativamente recente e reforça a importância da imunidade parlamentar no ordenamento jurídico brasileiro. Trata-se da Petição 6.587/DF, cuja ementa destaca e consolida esse entendimento, ressaltando o papel fundamental dessa prerrogativa na proteção e garantia da atuação livre e independente dos parlamentares:

[...] III – A imunidade material em questão está amparada em jurisprudência sólida desta Corte, como forma de tutela à própria independência do parlamentar, que deve exercer seu mandato com autonomia, destemor, liberdade e transparência, a fim de bem proteger o interesse público.

IV - Eventual excesso praticado pelo parlamentar deve ser apreciado pela respectiva Casa Legislativa, que é o ente mais abalizado para apreciar se a postura do querelado foi compatível com o decoro parlamentar ou se, ao contrário, configurou abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional, nos termos do art. 55, § 1º, da Constituição.

Alexandre de Moraes, censor-mor da República petista, ainda em 2022 na PET 9471 AGR/DF, fez menção clara a regimes de exceção quando fez referência a quem flexibiliza esse direito parlamentar. “[N]as cartas de 1937 e 1969 (EC número 1), nas quais, embora a imunidade material tenha sido expressamente declarada, admitia-se a sua relativização em determinadas hipóteses normativas, prenhes de conceitos abertos a exemplo de ultraje à moral pública, na CF/1937 (art. 43), e crime contra a segurança nacional, na ECI de 1969 (art. 32) - e, ipso facto, manejáveis ao paladar do intérprete”.

E concluía Moraes, descrevendo de maneira cristalina: “Essa perspectiva histórica já demonstra que o amesquinhamento das garantias congressionais apenas se opera em momentos de exceção, com a sucumbência da própria democracia”. Ou seja: a opinião, recente, do ministro coloca os atuais abusadores de autoridade no rol nefasto dos abusadores de autoridade dos regimes ditatoriais de Vargas dos anos 1930 e 1940 e Militar das décadas de 1960 a 1980.

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Neste novo rol inclui-se, de forma inequívoca, o atual diretor-geral da Polícia Federal. Andrei Passos Rodrigues, sentado ao lado de Lewandowski na audiência pública, declarou após a reunião em que o chefe relativizava o instituto democrático da imunidade parlamentar, que a instituição que deveria combater exclusivamente criminosos intensificaria a perseguição política que hoje ocorre. Prometeu abrir novos inquéritos, inclusive especificamente um contra mim, por falas consideradas “criminosas" pela instituição, por injúria, calúnia ou difamação contra seus membros.

Há uma série de problemas insolúveis nessa decisão. O primeiro é a disposição da Polícia Federal em atuar como vítima, investigador e acusador ao mesmo tempo. Assim como ocorrem nos cada vez mais questionados inquéritos em andamento no Supremo Tribunal Federal, agora a própria Polícia Federal age de maneira absolutamente abusiva, criando um verdadeiro tribunal de exceção contra seus críticos. É a polícia utilizando-se de seu poder para amedrontar quem ousa denunciar práticas potencialmente ou até mesmo comprovadamente criminosas dos seus membros.

Ainda mais grave é o conflito institucional que o delegado e diretor Andrei decidiu comprar. Mesmo após o contundente discurso de Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, em defesa do Congresso Nacional e das prerrogativas parlamentares, o delegado repetiu que a polícia investigaria parlamentares e desafiou o próprio Parlamento com suas recentes manifestações.

A fala do ministro Ricardo Lewandowski na Comissão de Segurança da Câmara dos Deputados, ao relativizar a imunidade parlamentar, evidencia um preocupante ataque às bases do Estado de Direito e à democracia. Essa postura, somada à conduta do diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Passos Rodrigues, configura um perigoso precedente de abuso de autoridade, violando garantias constitucionais fundamentais. Ao ignorar os alertas históricos de regimes de exceção e desconsiderar a separação entre os poderes, essas ações minam a autonomia e a inviolabilidade do Parlamento, pilares essenciais de uma democracia. Cabe ao Congresso Nacional resistir a essas investidas, reafirmando seu papel como guardião das prerrogativas parlamentares e da liberdade de expressão, em defesa não apenas dos deputados e senadores, mas da própria sociedade brasileira.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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