Depois do vexame internacional no aeroporto de Roma com o barraco protagonizado por Alexandre de Moraes em julho do ano passado, agora foi a vez do principal aeródromo português, em Lisboa, testemunhar a vocação autoritária de um ministro do Supremo Tribunal Federal. Gilmar Mendes tomava café antes de embarcar quando abordado por um brasileiro que não lhe dirigiu pesadas críticas. Disse-lhe, com o celular filmando o ministro em punho, que "um país lindo como o nosso está sendo destruído por pessoas como você" e que tanto ele, Gilmar Mendes, quanto o STF seriam "uma vergonha para o Brasil e para todo o povo de bem".
De volta ao Brasil, Mendes não poupou tempo nem esforços para movimentar a máquina do Estado em seu benefício contra um cidadão brasileiro. O noticiário repercutiu na última segunda-feira: a Polícia Federal já identificou o autor do ato e da gravação – o servidor do INSS, Ramos Antônio Nassif Chagas – além de informar que o ministro pediria uma investigação criminal, indenização por danos morais e oficiaria a Controladoria Geral da União (CGU) para apurar a compatibilidade entre a ação do servidor e suas atividades funcionais. Tudo isso como reação a mais um "barraco de aeroporto" que sequer ocorreu em solo brasileiro.
Os ministros do Supremo escondem-se por trás de teorias que sabem ser disparatadas para se abrigarem de quaisquer críticas que lhes são dirigidas, justas ou injustas.
Que o cidadão identificado tenha sido inconveniente, inadequado e até mesmo inconsequente em sua ação, é tema passível de debate. No arcabouço legal brasileiro, inclusive, há a previsão de processo pela Justiça comum por injúria, calúnia e difamação, civil de reparação por danos morais caso o ministro entenda que tem direitos a buscar. O que não se pode admitir no Estado de Direito, quando em pleno funcionamento, é que se use a máquina estatal para perseguir um desafeto.
É risível, mas a peça protocolada pelos seus advogados afirma que o objetivo de Ramos era intimidar o ministro e "desestabilizar o funcionamento da instituição [STF]". Mais: acusou-o de participar de um movimento "articulado e coordenado de ataques aos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, organizado por extremistas e detratores da democracia". A argumentação dos advogados de Gilmar Mendes demonstra que o representante da Suprema Corte está promovendo justamente uma perseguição desproporcional. Mais uma vez.
Parece até devaneio, mas infelizmente é estratégico: os ministros do Supremo escondem-se por trás de teorias que sabem ser disparatadas para se abrigarem de quaisquer críticas que lhes são dirigidas, justas ou injustas, educadas ou desaforadas. O "ataque à instituição" e a suposta "conspiração antidemocrática" de que faria parte qualquer crítico de um ministro é a mesma justificativa pronunciada por qualquer tirano incapaz de conviver com a impopularidade de suas próprias decisões.
No caso do barraco do aeroporto de Roma, as imagens em vídeo do evento nunca foram disponibilizadas e a própria Polícia Federal, depois de meses de investigação inconstitucional, não pediu o indiciamento do suposto agressor do ministro Alexandre de Moraes. O dano causado pelo Estado ao cidadão Roberto Mantovani Filho, de 71 anos, porém, foi enorme: até mesmo busca e apreensão foram feitas em sua residência e seu nome foi repetido à exaustão como uma espécie de monstro violento pela imprensa e por autoridades dos mais altos escalões da República, incluindo o presidente Lula.
A história, agora, se repete. Independentemente do seu desfecho, fica claro, novamente, qual o grande objetivo a ser alcançado: constranger e perseguir qualquer um que ouse criticar um ministro do STF em público a fim de fazer da vítima do abuso estatal um exemplo para todos os demais. É o equivalente ao medieval esquartejamento do opositor e consequente exposição das partes de seu corpo em praça pública, penduradas em postes para que todos vejam e se atentem para que se curvem a quem realmente manda no país. É a tal "democracia relativa" em pleno vigor.
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