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Marcel van Hattem

Marcel van Hattem

Ditadura indisfarçável, Parte 2: “Caí de paraquedas”

Manifesto pró-democracia reuniu assinaturas de seis presidenciáveis de centro.
Imagem ilustrativa. (Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo)

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“Já que começaram a sair da cadeia porque um morreu, então vou abrir mão da minha vida pra que outras pessoas possam passar o fim de ano com as suas famílias”. Claudinei Pego da Silva, 43 anos, está preso na Papuda desde o dia 8 de Janeiro de 2023. Viu Clezão morrer na sua frente, durante o banho de sol na manhã do dia 20 de novembro. Após aquela morte, vários presos com pedido de liberdade já assinados há meses pelo ministério público foram libertados por Alexandre de Moraes. Não foi o caso de Claudinei.

Quando soube poucos dias depois de sua própria condenação pelo voto do ministro relator, Alexandre de Moraes, a 17 anos de cadeia, Claudinei decidiu tirar a própria vida. Contido por Ellen, uma policial penitenciária, e posteriormente acalmado por companheiros de cela, em lugar de ser finalmente libertado conforme manifestação do procurador da República de dois meses antes, foi encaminhado a mando de Alexandre de Moraes à ala psiquiátrica de outro presídio do Distrito Federal, a Colmeia.

Claudinei, que nada entendia de política, vai fechar na próxima segunda-feira um ano de cárcere.

Claudinei é pintor automotivo. Seu pequeno negócio no bairro São Gabriel, em Belo Horizonte, Diney Car, está fechado desde sua prisão. Ele garante que foi a Brasília a convite de um amigo, Paulinho, completamente ao acaso. Foi porque queria conhecer a capital do Brasil. “Caí aqui de paraquedas”, exclamou quando perguntei por que estava preso. “Não conheço nada de política. Nada! Não sei nem quem é o prefeito de Belo Horizonte”. Ele e o amigo chegaram à capital federal na noite de sábado, 7, dormiram dentro do carro em frente à Poupex que fica próxima ao QG do Exército. No dia seguinte seriam ambos presos.

Reconstruindo verbalmente seu trajeto no dia 8, Claudinei disse que quis distância de qualquer confusão. "Quando vi o pessoal descendo [em direção à Esplanada] eu preferi ficar assistindo tudo sentado na parte de cima da rodoviária. Vi o Paulinho descendo, mas não achei que ia dar boa coisa”. O temor de Claudinei, como sabemos, foi confirmado: o vandalismo e o apagão da segurança que deveria contê-lo foram as marcas principais de uma manifestação que era para ter sido pacífica. “Foi aí que também desci, pra chamar o Paulinho para ir embora”.

Ao entrar no Planalto, Claudinei insistiu com o amigo para que fossem embora. Em vão: “O Exército vai chegar, Claudinei, e aí vai ficar tudo bem”, teria dito Paulinho. Quem chegou, no entanto, foi o Batalhão de Choque e, com brutalidade segundo Claudinei, mandou todo mundo sentar no chão. “Senta aí, bando de FDPs!”, teria sido a voz de comando. Claudinei e Paulinho ainda não sabiam, mas amargariam a partir daquele dia meses na cadeia em virtude de uma esperança falsa.

Não entende nada de política, salvo o que está sentindo na própria pele: a perseguição de tiranos e abusadores não tem limites.

Claudinei, que nada entendia de política, vai fechar na próxima segunda-feira um ano de cárcere. Claudinei, que nada entendia de política – e sou testemunha de que continua sabendo muito pouco –, aguarda apenas o voto dos demais ministros, afora Gilmar Mendes que já votou com o relator, para confirmar uma condenação de associação armada para dar um suposto golpe de Estado que lhe imporá um total de 17 anos de reclusão da sociedade. Se for cumprida integralmente, o pai de quatro jovens filhos terminará de pagar a pena apenas em 2040, aos 60 anos de idade. Não entende nada de política, salvo o que está sentindo na própria pele: a perseguição de tiranos e abusadores não tem limites, nem os da lei, nem os da Constituição, nem mesmo os do bom senso.

No seu tempo de prisão, Claudinei já perdeu o convívio com a esposa, que conseguiu visitá-lo apenas duas vezes; com seus filhos; e com pessoas queridas que já não terão mais a possibilidade de vê-lo outra vez: sua querida tia Iraci faleceu poucos dias antes da morte de Clezão. Dez dias depois, seu primo Bleide, um dos seus melhores amigos, também morreu.

Respondi ao Claudinei que falaria com sua esposa e faria o que estivesse ao meu alcance para ajudá-lo.

Com parecer favorável à soltura pela Procuradoria Geral da República desde 9 de outubro, mas que continua sem despacho de Alexandre de Moraes até o momento, quando chegou a notícia de sua condenação, Claudinei decidiu que era o momento do fim. Voltamos ao início deste artigo: “Amarrei o lençol no pescoço; se fosse necessário morrer mais um como o Clezão para sair mais gente da cadeia e ver suas famílias no Natal e Ano Novo, que fosse eu então porque nada fazia mais sentido para mim”.

Felizmente, a tentativa de suicídio foi frustrada.

Quando encontrei Claudinei nesta semana na Colmeia, disse-lhe que estamos trabalhando na Câmara e no Senado para aprovar leis que anistiem os presos do dia 8 contra os quais não há prova nenhuma e que obtivemos as assinaturas para instalar a CPI do Abuso de Autoridade do STF e do TSE. Expliquei que, infelizmente, demorou para uma nova visita parlamentar porque Alexandre de Moraes não tem autorizado nem mesmo senadores a irem à Papuda e à Colmeia, apesar de tal descaso ser inconstitucional – mais um. Desde 6 de dezembro, doze senadores liderados por Eduardo Girão e incluindo o líder da oposição Rogério Marinho aguardam despacho de Sua Excelência Alexandre de Moraes autorizando uma visita aos presídios que já é, em tese, de direito de qualquer parlamentar. Minha autorização era mais antiga, esclareci, por isso pude ir agora no recesso.

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Claudinei, prestes a ser condenado por motivos políticos, ouvia com atenção minhas explicações, mas não parecia tão interessado nas alternativas políticas apresentadas. Evidentemente, o que ele mais almeja é a liberdade que lhe é devida e nenhuma solução, mesmo de curto prazo, vai conseguir compensar os prejuízos físicos, psíquicos, financeiros e familiares já causados à sua vida durante o período que já passou preso. Mais tranquilo agora e dadas as circunstâncias, o que ele deseja é pelo menos ser transferido para um presídio em Minas Gerais para ficar mais próximo de sua esposa, Priscila. "Tenta isso para mim, por favor, deputado? Ah, e se puder, avise minha esposa que está tudo bem?”.

Escrevi esse artigo no voo de volta de Brasília a Porto Alegre e confesso que não pude conter a emoção ao terminar o parágrafo anterior. Respondi ao Claudinei que falaria com sua esposa e faria o que estivesse ao meu alcance para ajudá-lo. Espero que, em breve, possa estar de volta ao seu lar, e trabalharei para que toda injustiça cometida contra ele e contra qualquer outro injustamente condenado seja, na medida do que ainda for possível, reparada pelo Estado brasileiro.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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