Uma ponte nova em pouco mais de quatro meses: a união de gaúchos da Serra para recuperar a travessia entre os municípios de Nova Roma do Sul e Farroupilha, levada pela enxurrada de 4 de setembro, viralizou pelo Brasil. É exemplo de saudável atividade comunitária. E é exemplo, também, da ineficiência e inoperância estatal: diante da perspectiva dada pelas autoridades de que a nova ponte levaria pelo menos dezoito meses para ser entregue, a população decidiu arregaçar as mangas e fazer o serviço por conta própria.
A região da Serra Gaúcha é majoritariamente habitada por descendentes de italianos. Assim como no caso da imigração alemã, também os imigrantes italianos cruzaram o Atlântico com promessas feitas pelos governantes brasileiros que jamais foram cumpridas. Amargaram anos de vida difícil, vivendo em condições precárias onde não havia nenhuma infraestrutura, muita mata e muito mato. Desconfiar do governo, portanto, é dever; encontrar soluções próprias para superar os desafios sempre foi questão de sobrevivência.
Construir a ponte em tão pouco tempo e com recursos próprios foi espantoso. Mais, ainda, foi o valor investido: enquanto o governo do Estado do Rio Grande do Sul apresentava um projeto faraônico ao custo estimado de mais de R$ 50 milhões de reais (de fato, um projeto muito mais avançado do que a alternativa construída), a comunidade local decidiu orçar por conta própria uma renovação da ponte antiga que saiu pouco mais do que 10% do valor. Com aproximadamente R$ 5,7 milhões comprovaram que o ótimo é inimigo do bom, sem deixar de melhorar as condições de segurança na nova travessia em relação à que foi destruída: a ponte foi elevada em dois metros em relação ao leito do rio se comparada à antiga; teve suas entradas alargadas para que carretas possam passar com mais tranquilidade; e passou a contar com iluminação noturna.
Enquanto a obra encaminhava para o seu final, para acrescentar ainda mais a já notória incompetência estatal, finalmente em 14 de dezembro, mais de três meses após a queda da ponte, o governo do Estado do Rio Grande do Sul publicava uma disputa com dispensa de licitação para o fornecimento, ao custo de mais de R$ 60 mil, de placas de sinalização de perigo na via em virtude da ponte caída. O prefeito de Nova Roma do Sul, Douglas Pasuch, fez apelos para que tal certame não prosseguisse pois, com a iminência da entrega da nova ponte, gastar com placas seria mais um desperdício. Quanto ao projeto da nova ponte estatal, maior e bem mais cara, até então nem sinal.
Agora, após a entrega da nova ponte comunitária e a enorme repercussão positiva para a ação do povo da Serra gaúcha e negativa em relação à inoperância estatal, deu-se publicidade às alternativas. O governador do Estado, Eduardo Leite, gravou vídeo para suas redes sociais em que apresenta em seu tablet o projeto do governo para uma nova ponte. Não fala, porém, em prazos para que o lindo desenho saia da tela para a realidade e acaba desinformando, pois sugere que a ponte comunitária não tenha melhorias em relação à colapsada, como já descrevi acima.
Quanto aos recursos para construí-la, depois de inicialmente insistir em passar a conta ao governo federal, agora o governador Eduardo Leite afirmou que o governo do Estado se dispôs a bancar o novo projeto. Por que só agora? Segundo uma publicação sua no X, com a construção da ponte comunitária o governo federal teria argumentado que já não há mais emergencialidade para financiar uma segunda ponte, cabendo agora o custo exclusivamente ao pagador de impostos gaúcho.
A eficiência dos gaúchos da Serra é “premiada" com a omissão do governo federal, caso seja esse mesmo o motivo
É preciso reconhecer: nessa situação tragicômica há muito mais elementos vinculados à histórica morosidade da burocracia brasileira e à inoperância do poder público em geral do que responsabilidade concentrada em um ator específico, seja o governador do estado, seus secretários e diretores. Porém, o fato em tela e a desproporcional reação de autodefesa do governador à justa crítica feita ao poder público em geral e sua letargia, levantam questionamentos sobre o quanto a atual administração poderia ter feito para dar mais celeridade à recuperação dos prejuízos causados pelas recentes calamidades no estado do Rio Grande do Sul.
Para finalizarmos com um exemplo cristalino, enquanto Nova Roma do Sul e Farroupilha estão novamente conectados por uma ponte após pouco mais de quatro meses de intensa atividade comunitária, pouco mais de 30 quilômetros rio abaixo São Valentim do Sul e Santa Tereza continuam sem ligação após a queda, no mesmo evento, da sua ponte, que é três vezes maior em comprimento e mais larga do que a dos vizinhos.
A balsa prometida pelo governo do Estado para chegar há uma semana, em 17 de janeiro, ainda não chegou. Detalhe: apenas para instalação e desinstalação da balsa o custo será de mais de 1,3 milhão de reais e os cidadãos terão de pagar para utilizá-la, diferentemente do que ocorria com a ponte. Quem precisou aguardar pela solução estatal, infelizmente, por ora está ilhado; quem conseguiu sair na frente e trabalhar pela solução por conta própria, agora cruza o rio novamente em segurança. Para que pagamos impostos mesmo?
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