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Pai de família, 46 anos, duas filhas. Trabalhador. Queria apenas um Brasil melhor. Cleriston Pereira da Cunha, o Clezão, foi preso nas dependências do Senado da República no dia 8 de janeiro. Registros das câmaras de segurança do Plenário Azul do Senado Federal mostram Clezão sentado na tribuna de honra olhando para o celular, atrás de uma coluna de policiais legislativos que protegiam o patrimônio dos depredadores. Clezão, que buscava refúgio naquele momento, foi preso e, no dia seguinte, encaminhado à Papuda.
Apesar de o Estado nunca ter provado nada contra ele; ser réu primário, sem passagens pela polícia; ter endereço fixo e trabalho comprovado na sua distribuidora de bebidas na Colônia Agrícola 26 de Setembro do Distrito Federal; nunca ter sua conduta no 8 de janeiro individualizada; e o Ministério Público ter pedido sua soltura em 1º de setembro deste ano, Clezão não saiu mais em vida da cadeia para reencontrar-se com seus familiares. Mãe, esposa e filhas puderam ver o pai de família e pequeno empreendedor brasiliense fora da cadeia apenas em seu velório.
Nem o Ministério Público, nem o juiz do caso, ministro Alexandre de Moraes, porém, deram valor ao pleito baseado nas suas críticas condições de saúde.
Com problemas de saúde quando preso, a defesa de Clezão protocolou, ainda no dia 11 de janeiro, laudo que atestava acompanhamento reumatológico há oito meses. Clezão esteve 33 dias internado quando infectado pela Covid e, desde então, adquiriu severos problemas cardíacos. A lista de medicamentos no atestado era longa e Clezão tinha consulta médica agendada para o dia 30 de janeiro. A doutora alertava em seu atestado que, "em função da gravidade do quadro clínico”, corria “risco de morte pela imunossupressão e infecções” e solicitava agilidade em seu processo.
Ao longo da permanência em cárcere, o prontuário de Clezão registrou ao menos 35 atendimentos médicos. No dia 31 de maio, a defesa protocolou pedido de liberdade alertando novamente que “a segregação prisional poderá ser sentença de morte”, pois Clezão precisava fazer uso de medicação diária de 12 em 12 horas e corria “risco de morte em caso de não utilizar os fármacos e, desde que está preso, não tem se medicado, correndo risco iminente de sofrer um mal súbito e ir a óbito no centro de detenção provisória, local em que se encontra”. Não adiantou: Clezão ficaria por praticamente mais meio ano encarcerado após esse claro e contundente aviso. Seis longos meses, quase 180 sofridos dias para Clezão e de angústia indescritível para seus familiares. Nem o Ministério Público, nem o juiz do caso, ministro Alexandre de Moraes, porém, deram valor ao pleito baseado nas suas críticas condições de saúde.
O que mais era temido pelos familiares de Clezão e de todas as vítimas do 8 de Janeiro, aconteceu: a primeira morte de um perseguido político brasileiro por latente omissão do relator do caso.
No dia primeiro de setembro, finalmente um alento! O subprocurador-geral da República, Carlos Frederico Santos, oficiava o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, atendendo ao pedido da defesa: postulou o relaxamento da prisão para que fosse compensada com medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica. Apesar de tampouco fazer menção à condição de saúde de Clezão, o Ministério Público reconhecia que "não mais se justifica a segregação cautelar, seja para a garantia da ordem pública, seja para conveniência da instrução criminal, especialmente considerando a ausência de risco de interferência na coleta de provas”. Apesar do pedido, também claro e contundente, do titular da ação penal, o Ministério Público, o ministro Alexandre de Moraes permaneceu omisso ao simplesmente não analisá-lo por mais de dois meses e meio.
“Na data de hoje, 20 de novembro de 2023, fora registrado pela equipe de plantão às 9h58 que o referido custodiado [Cleriston Pereira da Cunha] sofrera um mal súbito no pátio do bloco de recolhimento, durante a realização do banho de sol ofertado a sua ala. (…) Não obstante os esforços das equipes envolvidas na estabilização e ressuscitação do paciente, às 10h58 foi constatado o óbito pelo médico integrante da equipe do Corpo de Bombeiros Militar”. O que mais era temido pelos familiares de Clezão e de todas as vítimas do 8 de Janeiro, aconteceu: a primeira morte de um perseguido político brasileiro por latente omissão do relator do caso.
Em 22 de fevereiro deste ano, eu perguntava em artigo aqui na Gazeta: "Até quando toleraremos tamanha injustiça?”. Em 10 de maio, questionei: "OAB, cadê você?”. Em ambos os casos expressava minha preocupação com os casos de ilegalidades e abusos de autoridade, de violação aos direitos humanos dos presos políticos e de desrespeito às prerrogativas dos seus advogados. Lamentavelmente, até o momento, a situação apenas se agravou: a morte de Clezão e a dor lancinante de sua família são a mais triste, nefasta e macabra consequência dessa cadeia de ação e omissão. Pior: consequência que poderia ter sido evitada a tempo, conforme demonstram todos os laudos, pedidos da defesa e manifestações públicas feitas em favor de Clezão e dos demais presos ilegais do 8 de Janeiro.
Participei ontem do velório em Taguatinga, Distrito Federal. Não cheguei a conhecer Clezão, nem a sua família. Mas senti-me impelido a despedir-me de quem havia gerado em mim imensa empatia como símbolo maior das injustiças cometidas por Alexandre de Moraes. A esposa, enlutada e revoltada, aos prantos perguntava: “Por que tiraram ele de mim? Por que fizeram ele sofrer tanto?”. Sua mãe e filhas, igualmente inconsoláveis, clamavam por explicações e por justiça.
Se houver uma única razão para se buscar justiça até os confins da Terra é quando ocorre a morte cruel e claramente injusta de um inocente.
Prometi à esposa Jane, à mãe de Clezão, Ana Pereira, e às suas duas filhas enlutadas, Luiza e Klesia, que a morte de Clezão não será em vão. Que a injustiça cometida contra ele e sua família, e que segue sendo cometida contra milhares de outros brasileiros, seja objeto de ainda mais esforço do Congresso e do povo brasileiro.
Se houver uma única razão para se buscar justiça até os confins da Terra é quando ocorre a morte cruel e claramente injusta de um inocente. A união de esforços de parlamentares e do povo brasileiro neste momento de profunda dor e revolta é essencial para que novas mortes não ocorram. A melhor homenagem que podemos fazer a Clezão é honrar o pedido de sua família para que sua morte e sua esperança em um Brasil melhor não tenham sido em vão. Não descansaremos enquanto não alcançarmos justiça e a responsabilização dos culpados!
Post scriptum: segundo levantamento feito pela Associação dos Familiares e Vítimas do 8 de Janeiro (ASFAV), há no mínimo outros sete presos hoje nos presídios da Papuda e da Colmeia em situação jurídica similar à de Clezão, ou seja, cujo pedido de relaxamento da prisão já foi protocolado há mais de 30 dias pelo Ministério Público (um deles já há mais de três meses) e que ainda não foram analisados pelo ministro Alexandre de Moraes. São eles, em ordem do mais antigo ao mais recente, alguns também com graves comorbidades: Jaime Junkes, Tiago dos Santos Ferreira, Welligton Luiz Firmino, Claudinei Pego da Silva, Joelton Gusmão de Oliveira, Jairo de Oliveira Costa, Selma Borges Pereira Fioreze. Dezenas de parlamentares, deputados e senadores, assinaram ofício na data de ontem requerendo imediata soltura ao ministro Alexandre de Moraes.
Post scriptum 2: De acordo com a Lei dos Crimes de Responsabilidade (1.079/1950) em seu artigo 39, 4, comete crime de responsabilidade o ministro do STF que for “patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo”. Protocolaremos pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes por mais este crime cometido de negligência jurídica, que soma-se aos inúmeros abusos de autoridade já cometidos. Que a justiça seja feita, pois a vida de Clezão não será em vão. O Senado precisa tomar atitude contra os abusos, ilegalidades e crimes de ministros do Supremo Tribunal Federal.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos