A estátua da Justiça diante do prédio do Supremo Tribunal Federal.| Foto: Rosinei Coutinho/STF
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Está proibido desconfiar! No Brasil já não se pode mais desconfiar das autoridades, sobretudo das supremas. Não! Há que confiar, ter fé até – e fé inabalável. É a nova religião da antirrepública que aplica uma anticonstituição: a fé na antidemocracia dos togados, no “Estado Democrático de Direito” cujos preceitos estão apenas na cabeça dos iluministros, neologismo de WhatsApp que merece ser incorporado ao dicionário.

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Os preceitos democráticos dos ministros do STF são mais inacessíveis ao cidadão comum do que a Bíblia antes de ter suas primeiras traduções ao alemão popular: no caso do Livro Sagrado, o que estava oculto ao povo pôde aparecer, pois estava escrito. No caso das 11 cabeças do Supremo, só se fosse possível ler pensamentos. Na Constituição e nas leis, por mais complexo que seja o juridiquês, aquilo que dizem os ministros do Supremo em suas sentenças e entrevistas, como diria com carregado sotaque um renomado padre e parapsicólogo brasileiro de origem espanhola: non ecziste – não existe!

A pequenez de quem não respeita a Constituição e prende ilegalmente, censura inconstitucionalmente e, agora, decide ao arrepio da lei que pode julgar processos em que os defensores são seus familiares, é sintoma de que, de fato, julgam-se deuses infalíveis

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No Estado moderno, além de direito é também dever do cidadão desconfiar das autoridades. Parece paradoxal, porém é absolutamente necessário que, em uma democracia constitucional, confie-se nas instituições desconfiando sempre de seus membros. Instituições são compostas por homens e mulheres tão falhos quanto aqueles que não as integram. Portanto, com poder nas mãos, esses mesmos homens e mulheres falhos têm ainda mais potencial tanto para fazer o bem quanto para praticar o mal.

Para compensar a natural e saudável desconfiança da cidadania, o poder das autoridades deve ser limitado às funções que exercem – e estas, limitadas ao essencial para que a vida em sociedade possa florescer por si mesma. Estes são os preceitos de uma democracia liberal, em que os direitos individuais e as liberdades fundamentais são garantidos ao cidadão. O excesso de poder, o abuso, sempre desvirtua em tirania, em ditadura. Como disse o historiador britânico Lord Acton no século 19, “o poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente”. A famosa frase tem uma conclusão menos conhecida, mas talvez ainda mais importante: “de modo que os grandes homens são quase sempre homens maus”.

Bons ou maus, no Brasil os grandes homens revelam-se cada vez menores. A pequenez de quem não respeita a Constituição e prende ilegalmente, censura inconstitucionalmente e, agora, decide ao arrepio da lei que pode julgar processos em que os defensores são seus familiares, é sintoma de que, de fato, julgam-se deuses infalíveis. Deles, não se pode desconfiar nem quando há claro conflito de interesses.

Sentados no Olimpo do Planalto Central, têm profunda fé em si próprios e querem impor aos brasileiros esta mesma fé. A realidade, porém, é mais dura: a convulsão social como reação à soberba da classe dominante é regra com poucas exceções nas democracias modernas. Não se pode prever quando, nem exatamente como se dará a insurgência, porém a notada apatia de uma população cada vez mais farta da inversão de valores praticada nos altos escalões é presságio de que a fé que se quer impor no Brasil não conta com a devoção de sua população. Felizmente, apesar de cada vez mais proibida, a necessária desconfiança do povo em relação a quem está no poder só tem feito aumentar.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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