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Quem fraudou a entrada de Filipe Martins nos Estados Unidos?
| Foto: Arthur Max/MRE

As bizarrices dos processos conduzidos por Alexandre de Moraes, no Tribunal Superior Eleitoral e no Supremo Tribunal Federal, são incontáveis. Um livro será insuficiente para tratar de todas elas. Talvez nem mesmo uma enciclopédia daria conta após mais de cinco anos de inquéritos ilegais, inconstitucionais e clandestinos. A saída, então, para quem quiser um dia publicar um apanhado de toda a pérfida obra alexandrina será classificar as mais bizarras. Certamente a prisão de Filipe Martins constará no topo desse rol.

Residente em Ponta Grossa (PR), Martins estava em casa quando a Polícia Federal bateu à sua porta às 6h da manhã, do dia 8 de fevereiro de 2024. Acusado sem provas de elaborar uma suposta “minuta do golpe”, como a imprensa chapa-branca chamou um documento tido pelo delator Mauro Cid como instrumento para a reversão do resultado eleitoral de 2022, Martins sofreu busca e apreensão, teve seu passaporte retido e foi levado preso. Os abusos estenderam-se à sua mãe e à sua esposa, Anelise, e a outros familiares que, mesmo sem qualquer ordem judicial, foram submetidos a inspeções vexatórias e sofreram apreensões, todas ilegais.

Filipe Martins ficou preso mais de seis meses, durante os quais sofreu toda ordem de abusos, torturas e perseguições no cárcere, como já revelei na tribuna da Câmara. É voz corrente, inclusive, que após a prisão de Mauro Cid, Alexandre de Moraes apostava numa delação premiada de Filipe Martins. Os abusos sofridos na cadeia, portanto, seriam decorrentes dessa pressão por uma “confissão" forçada.

Nos primeiros dias de prisão, Martins não sabia sequer o motivo de estar na cadeia. Os inquéritos de Alexandre de Moraes, covardemente sigilosos, não são acessíveis às partes, o que é uma absoluta afronta à prerrogativa dos advogados. Quando finalmente soube o porquê de ter sido preso, a revolta maior: a justificativa era completamente descabida e baseada numa alegação deslavadamente mentirosa.

O relatório da Polícia Federal alegava que a prisão de Filipe se fazia necessária por risco de fuga do país. Ex-assessor internacional da Presidência da República, no governo de Jair Bolsonaro, Martins precisava ser preventivamente colocado na cadeia pois, segundo a autoridade policial, teria saído do país em dezembro de 2022 acompanhado da comitiva presidencial que, na véspera da virada do ano, seguiu à Flórida, nos Estados Unidos. A prova para essa afirmação seria uma notícia do jornalista Guilherme Amado e um documento encontrado no computador de Mauro Cid que incluía Filipe Martins no rol de passageiros do voo presidencial. Filipe, porém, nunca embarcou naquele avião, como atestava a lista oficial de passageiros tornada pública em janeiro de 2023, mais de um ano antes de sua prisão, através de duas respostas da própria Presidência da República, já no Governo Lula, obtidas mediante Lei de Acesso à Informação.

É por casos como o de Filipe Martins, bizarros e estarrecedores, que a presença de todo brasileiro é essencial nas ruas, no próximo dia 7 de setembro

Ocorre que a lista de que dispunha a autoridade policial era apenas um documento editável contendo uma relação provisória de quem poderia vir a ser convidado para a viagem. De um total de 15 versões do documento confeccionadas pelo cerimonial da presidência até que se oficializasse a versão final, a lista a que o delegado de polícia Fabio Alvarez Shor fazia referência como prova da saída de Martins do país era apenas a sétima. Na melhor das hipóteses, tratou-se de um erro grosseiro de relatório. Na pior, e mais provável, usou-se uma lista sabidamente apócrifa para dar aspecto de oficialidade e embasamento a uma prisão absolutamente ilegal e à apreensão dos passaportes dos demais investigados, inclusive o ex-Presidente Jair Bolsonaro.

A situação, porém, piora. E muito! Atinge contornos internacionais, inclusive.

A defesa de Filipe Martins comprovou a permanência dele no Brasil nas festas de fim de ano e ao longo de todo o ano de 2023. Com isso, obteve o pedido de soltura solicitado pela Procuradoria Geral da República ao Ministro Alexandre de Moraes, ainda no início de março. Entretanto, em lugar de determinar a soltura imediata do réu, em decorrência de grosseiro erro policial e judiciário, o ministro decide solicitar à Polícia Federal novas diligências. É aí que a situação fica ainda mais bizarra.

A Polícia Federal, em novo relatório, na tentativa de apresentar novas evidências de que Filipe Martins teria viajado aos Estados Unidos, anexa ao processo um documento chamado “Travel History”, acessível no site do Custom and Border Patrol (CBP) americano a qualquer cidadão, mas cujo conteúdo não possui qualquer valor legal conforme claramente disposto no site governamental americano. Surpreendentemente para sua defesa, porém, a suposta entrada de Filipe Martins, em Orlando, aparecera, já após sua prisão, no fatídico site. Sua prisão foi, então, mantida, e coube à defesa do réu nova incursão para comprovar a falha– desta vez, num sistema de registros mantido por autoridade estrangeira.

Em contato inicial com o CBP de Orlando, a defesa obteve inicialmente retorno de que, de fato, o registro no Travel History estava equivocado. Apesar de constar ali sua entrada no país, efetivamente ela não aconteceu, pois o documento oficial que comprovaria sua imigração, o certificado I-94, não foi emitido. A última entrada de Martins nos EUA, acrescentava o órgão migratório americano, havia sido em setembro de 2022, via Nova Iorque. Foi quando, de fato, Martins acompanhou Bolsonaro em sua participação na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, como o ex-assessor fez questão de esclarecer às autoridades desde os primeiros dias de sua prisão.

A imprensa brasileira deu a notícia e, imaginava a defesa, que a situação agora, sim, estaria resolvida. Que engano! A entrada oficial de Filipe Martins, negada nos dois primeiros contatos por e-mail com o CBP de Orlando, surpreendentemente passou a figurar nos registros do órgão após a exposição do caso na imprensa brasileira. Pior: seu I-94 estava registrado com seu nome grafado de forma errada e acompanhado de um passaporte diplomático cancelado dois anos antes da data da suposta viagem e um visto inexistente. O que poderia estar ocorrendo?

Novamente em contato com o CBP de Orlando, a defesa de Filipe Martins apontou os erros crassos no registro, enviando cópias de seu documento válido, e a impossibilidade de ter entrado nos Estados Unidos naquela data, ainda mais naquelas condições, portando um passaporte diplomático cancelado. O órgão respondeu que corrigiria a informação. Em lugar de deletar a entrada que a defesa comprovou que não ocorrera, o que fez o responsável? Substituiu no sistema os dados incorretos por dados corretos e vida que segue.

Os responsáveis pelo CBP de Orlando, recusando-se com mais energia a colaborar, corrigir os registros e mesmo contemporizar com a defesa, forçaram-os a levar o caso até o Departamento de Segurança Nacional (DHS) dos EUA, onde uma investigação do caso foi formalmente aberta pela instância superior. Quase um mês depois, o caso foi concluído, verificando-se anomalias e inconsistências no tal registro fraudulento, que, em seguida, foi corrigido. Assim, finalmente, os dados de Filipe foram retirados do sistema migratório americano para aquela viagem.

Agora, as perguntas que precisam ser respondidas são inúmeras, a começar pela mais básica: quem tentou fraudar a entrada de Filipe Martins nos Estados Unidos? Também é preciso responder: a Polícia Federal brasileira e os delegados responsáveis pelo caso tiveram alguma participação nessa grotesca fraude? O governo americano, tão cioso e preocupado com a entrada de imigrantes ilegais e até mesmo de terroristas no país, está investigando a fundo o que aconteceu? Como pode ter ocorrido uma fraude tão grotesca em um dos países cujas fronteiras estão entre as mais vigiadas e seguras do mundo?

Para concluir, apesar de comprovar que não saiu do Brasil na data alegada pela Polícia Federal, Alexandre de Moraes soltou Filipe Martins após seis meses de uma prisão longa e abusiva, mas manteve uma extensa lista de condições para que pudesse permanecer em casa. Não pode sair às noites ou aos finais de semana; precisa se apresentar semanalmente no fórum local. Não pode sair da cidade em que vive com sua esposa, nem pode postar nas suas redes sociais sob pena de pagar uma multa diária de R$20 mil por postagem. Também está usando tornozeleira eletrônica e sendo monitorado pela Polícia Federal. Em resumo: segue com restrições à sua liberdade, vítima de erros, perseguições e abusos, e sob injustificável censura.

É por casos como o de Filipe Martins, bizarros e estarrecedores, que a presença de todo brasileiro, que tem nojo de ditadura, é essencial nas ruas no próximo dia 7 de setembro. É preciso pôr um freio nessa insanidade e o impeachment de Alexandre de Moraes será apenas o primeiro passo.

Conteúdo editado por:Liana Nunes
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