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Primeiro de fevereiro de 2023: primeiro dia de um novo mandato como deputado federal na Câmara dos Deputados e, feliz coincidência, dia da publicação do meu primeiro artigo na Gazeta do Povo. Começo, portanto, agradecendo à Gazeta pelo convite que me foi feito para ocupar este espaço para debater o presente e o futuro do nosso país. Detalhe relevantíssimo: com total liberdade. “O senhor poderá nos enviar semanalmente a coluna, cujo tema o senhor poderá definir livremente e cujo conteúdo não sofrerá nenhuma interferência editorial”: assim me foi feito o convite por Jônatas Dias Lima, editor de opinião desta Gazeta.

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Tal observação feita pelo editor deveria ser completamente trivial, talvez até mesmo expletiva. No entanto, decidi incluí-la no meu artigo inaugural. Por quê?

Porque, com honrosas exceções dentre as quais esta Gazeta, infelizmente grande parte dos meios de comunicação brasileiro tem, nitidamente, receio de publicar opiniões com potencial de desagradar determinados poderosos ou, pior ainda, nutre alianças espúrias com quem está no poder. Quando observo tais comportamentos na mídia, lembro-me da frase do saudoso ensaísta e também jornalista Millôr Fernandes: "Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados".

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Imprensa é oposição a discursos e práticas que infrinjam o legal, o constitucional, o moral, o ético. Imprensa é oposição em defesa de princípios e valores sem os quais a vida em sociedade não é possível. Imprensa é oposição à tirania do mais forte em defesa do Império das Leis e da Constituição. O resto, como já dizia o poeta, não é imprensa: é sua própria corrupção. Como porém evitar a degeneração da atividade jornalística e sua deformação a ponto de torná-la algo que não é, nem deveria ser?

Os desafios que ora vivemos no Brasil impõem-nos essa desconfortável, mas necessária pergunta. Quando vemos órgãos judiciais, que deveriam garantir justamente a segurança jurídica e o fiel cumprimento da Constituição, desrespeitando liberdades e garantias individuais; censurando, ilegal e inconstitucionalmente sem o devido processo legal, até mesmo jornalistas, é preciso se perguntar com firmeza: onde está a solução?

Imprensa é oposição a discursos e práticas que infrinjam o legal, o constitucional, o moral, o ético. Imprensa é oposição em defesa de princípios e valores sem os quais a vida em sociedade não é possível

É claro que a coragem daqueles que se opõem ao arbítrio e que se recusam a se calar diante das ameaças diretas ou veladas é fundamental, mas não é suficiente. Em outras palavras: a defesa e abertura incondicional à liberdade de expressão e de imprensa que esta Gazeta, por exemplo, dá a seus colaboradores e jornalistas são essenciais para navegarmos as revoltosas águas até contornarmos o terrível cabo que avistamos e assim mantermos a perspectiva de boa esperança. Mas apenas esperar a tempestade passar, obviamente, não é o suficiente pois o risco de naufrágio é iminente.

O arbítrio e o autoritarismo se agigantam no silêncio e na omissão, atitudes indesculpáveis para quem tem como principal ferramenta de trabalho a própria voz e como principal local de atuação a tribuna parlamentar. O Congresso Nacional precisa se reerguer da condição submissa em que hoje se encontra, vassalo dos Poderes Executivo e Judiciário, para posicionar-se nos limites do que são suas verdadeiras atribuições constitucionais: legislar e fiscalizar. É no Congresso que está a solução.

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A usurpação pelo Poder Judiciário, em particular do Supremo Tribunal Federal (STF), do poder de legislar do Congresso Nacional, vem ocorrendo gradativamente ao longo das últimas décadas até chegar ao cúmulo de um único ministro da Corte, monocraticamente, possuir o poder de desfazer com sua caneta uma decisão colegiada de 513 deputados e 81 senadores. A inibição de parlamentares em fiscalizar os demais poderes, seja por viciada relação de conchavos nada republicanos com o Poder Executivo, seja em virtude do foro privilegiado e do temor em ser julgado pelo Poder Judiciário, é por sua vez incompatível com a democracia, com o Estado de Direito e a sadia divisão de poderes. É incompatível com a própria natureza da representação parlamentar, que decorre do empréstimo, periodicamente renovado por meio do sufrágio universal, da soberania popular a deputados e senadores que representam na sua pluralidade o que pensa a nação. O governo de plantão não possui essa condição, uma vez que não representa a pluralidade mas a maioria; muito menos a tem o Poder Judiciário, cujos membros não são eleitos no nosso país.

Cabe ao Congresso a responsabilidade principal por restabelecer a correta independência e harmonia entre os Poderes. Esta convicção precisa nortear a atuação de deputados e senadores ao longo dos próximos quatro anos: não é um Presidente da República nem um Juiz quem decide o que é democracia e quais são as liberdades fundamentais no Brasil. Foi por meio do Parlamento que tais valores foram inscritos na Constituição da forma como o foram, e é principalmente ao Congresso que cabe recuperar a democracia, as liberdades e o Estado de Direito no país.

É pela disseminação desta consciência coletiva dentre meus colegas parlamentares que atuarei ao longo do mandato que se inicia hoje. Nada é mais importante e prioritário para o Brasil do que o reerguimento do seu Parlamento como protagonista da democracia. As decisões que deputados e senadores vierem a tomar ao longo dos próximos dias e meses gerarão as consequências sentidas na sociedade nos próximos anos e décadas.

Que tais decisões sejam, nesse novo mandato, na direção de mais liberdade (inclusive de imprensa, expressão e opinião) e de fortalecimento da democracia e do Estado de Direito. Enquanto isso, que se sintam parabenizados aqueles que, como corajosa resistência, não se calam diante de desmandos, bem como aqueles que, mesmo diante de altos custos de toda sorte (pessoais, políticos ou empresariais), optam por seguir defendendo os princípios éticos que norteiam suas atividades - como é o caso da Gazeta do Povo -, em lugar de se degenerarem a ponto de se tornarem meros armazéns de secos e molhados.